O Semi-Árido Brasileiro se estende por uma área que abrange a maior parte de todos os Estados da Região Nordeste (86,48%), a região setentrional do Estado de Minas Gerais (11,01%) e o norte do Espírito Santo (2,51%), ocupando uma área total de 974.752 Km2.
São muitos os fatos que respondem pela originalidade fisiográfica, ecológica e social dos sertões secos, região paradoxal em relação aos demais tipos de espaços geográficos do mundo subdesenvolvido. A área de semi-árido do Brasil foi delimitada a partir da EMBRAPA (1991) e compreende o conjunto de suas unidades geo-ambientais, onde ocorre vegetação dos diferentes tipos de Caatinga para outros ecossistemas. A vegetação é uma expressão do clima, bem como de outros fatores geo-ambientais representados pelo relevo, material de origem e pelos organismos, numa interação que ocorre ao longo do tempo e que resulta, também, na determinação de todo o quadro natural.
Completa o quadro um revestimento baixo de vegetação arbustivo-arbórea ou arbóreo-arbustiva, e muito raramente, arbórea, comportando folhas miúdas e hastes espinhentas adaptadas para conter os efeitos de uma evapotranspiração muito intensa. Apenas o regime de temperatura mantém uma certa regularidade, já que a quase totalidade da área é submetida a médias térmicas superiores a 18ºC, com a temperatura média do mês mais quente sendo menos 5ºC mais alta do que o mês menos quente, configurando o caráter de clima quente ou megatérmico do tipo isotérmico. As precipitações, por outro lado, mesmo na área submetida à semi-aridez, exibem quadros muito variados. Historicamente, as potencialidades de recursos naturais disponíveis foram determinantes do processo de povoamento e de colonização da região.
As condições geo-ambientais contribuíram de modo decisivo para a estruturação dos quadros regionais, determinando a localização e a variedade de atividades econômicas. Algumas das principais condicionantes e limitações de recursos, são as seguintes:
- grande extensão de área submetida ao clima semi-árido;
- pequena proporção e dispersão relativa das áreas dotadas de solos e topografia favoráveis;
- pequena proporção de manchas de terra favoráveis, ao mesmo tempo por condições climáticas e edáficas;
- escassez de potencial hidro-energético.
Nessa ordem de condições naturais desfavoráveis, aliou-se a utilização de recursos rudimentares e desajustados do potencial tecnológico e das limitações da natureza. Como resultado das atividades predatórias, desencadeia-se a degradação e o empobrecimento da natureza, da qual a desertificação é uma das modalidades mais impactantes. Esse fenômeno, todavia, também pode resultar de um processo de mudança climática ainda mais sério.
No Nordeste Oriental, as transições entre a Zona da Mata e as depressões sertanejas assumem peculiaridades próprias no Agreste. Primariamente revestida por matas secas de cipós, o Agreste apresenta intensificação da atividade agropastoril, além de elevadas taxas de densidade demográfica. As transições naturais para a Amazônia e Cerrados do Centro-Oeste brasileiro têm totais pluviométricos elevados, possibilitando a propagação de rizicultura nas planícies fluviais e nos baixios. Complementarmente, a economia rural foi baseada no extrativismo de babaçu e carnaúba, além de pecuária praticada extensivamente nas chapadas.
O Semi-Árido brasileiro possui características próprias, com peculiaridades há muito tempo conhecidas. Algumas transcrições de estudiosos a respeito da temática demonstram claramente as dificuldades vivenciadas pelos sertanejos e sertanejas, o descaso e o conseqüente agravamento das vicissitudes. Esta porção significativa do território nacional carece há séculos de políticas públicas eficientes e que tratem da questão das secas periódicas de maneira permanente, com a participação efetiva dos atores que vivenciam sua realidade, para assim, viabilizar uma vida digna às famílias sertanejas.
Já em 1915, ao tratar dos episódios de secas em seus escritos como "Norte" ou "Extremo Norte", Euclides da Cunha, em seu ensaio das Cruzadas nos Sertões relatava: "As secas do extremo norte delatam, impressionadoramente, a nossa imprevidência, embora sejam o único fato de toda a nossa vida nacional ao qual se possa aplicar o princípio da previsão."
Perceba-se que já àquela época estavam cientes de que as secas eram previsíveis, e continua o autor:
"Habituamo-nos àquelas catástrofes periódicas. Desde a lancinante odisséia de Pero Coelho, no alvorar do Século XVII, até ao presente, elas vêm formando, à margem da nossa história, um tristíssimo apêndice de indescritíveis desastres. A princípio, mercê do próprio despovoamento do território, ninguém as percebeu. Notou-as, apreensivo, o primeiro sertanista que se afoitou, naquelas bandas, com o desconhecido; os flagelos revelados mal rebrilham e repontam, fogacíssimos, rompentes da linguagem perra e nebulosa dos roteiros.
Em 1692, em 1793 e em 1903 - para apontarmos apenas as datas seculares entre as quais se inserem, inflexivelmente, como termos de uma série, outras, sucedendo-se, numa razão quase invariável - o seu limbo de fogo abrangendo toda a expansão peninsular que o cabo de S. Roque extrema abriu, intermitentemente, largos hiatos nas atividades. Há uma estética para as grandes desgraças coletivas... Mas entre nós estes transes tão profundamente dramáticos não deixam traços duradouros. Aparecem, devastam e torturam; extinguem-se e ficam deslembrados. Entretanto, senão pelos seus efeitos desastrosos, pela sua insistência, pela impertinência insanável com que se ajustam aos nossos destinos, eles são o mais imperioso desafio às forças do nosso espírito e do nosso sentimento. Mas criaram sob o ponto-de-vista artístico raras páginas incolores de um ou outro livro, e alguns alexandrinos resplandecentes de Junqueiro; na ordem administrativa, medidas que apenas paliam os estragos; e no campo das investigações científicas o conflito estéril de algumas teorias desfalecidas. É que o fenômeno climático, tão prejudicial a um quinto do Brasil, só nos impressiona quando aparece; é uma eterna e monótona novidade; estudamo-lo sempre nas aperturas e nos sobressaltos dos períodos certos em que ele se desencadeia.
Então a alma nacional, de chofre comovida, ostenta o seu velho sentimentalismo incorrigível desentranhando-se em subscrições e em sonetos, em manifestos liricamente gongóricos e em telegramas alarmantes; os poderes públicos compram sacos de farinha e organizam comissões, e os cientistas apressados - os nossos adoráveis sábios à la minute - anseando por salvarem também um pouco a pobre terra, imaginam hipóteses.(...)
Caracterização Hídrica
Além das vulnerabilidades climáticas do semi-árido, grande parte dos solos nordestinos encontram-se degradados, como visto anteriormente. Dados do IBGE, de 1994, afirmavam que 54% do Bioma Caatinga, com vegetação característica do semi-árido, encontrava-se em elevado estágio de antropização. Como conseqüência, os recursos hídricos caminham para a insuficiência ou apresentam elevados índices de poluição, o que torna a situação ainda mais séria em virtude de a água ser o fator crítico do semi-árido; primeiro, porque é o limitador da ocupação humana e, segundo, porque é inibidor das atividades produtivas. A ausência de políticas efetivas voltadas à preservação dos frágeis ecossistemas regionais, além de ameaçar a sobrevivência da maioria das espécies vegetais e animais, tem criado sérios riscos à ocupação humana, devido a um acelerado processo de Desertificação.
Do ponto-de-vista hídrico, o semi-árido é, sobejamente, conhecido por características tais como: apenas uma pequena parcela da região tem uma média pluviométrica anual inferior a 400 mm . No semi-árido como um todo, essa média sobe para 750 mm por ano. É bem verdade que temos problemas de má distribuição dessa chuva no tempo e no espaço. Mas, de fato, não existe ano sem chuva. Os anos mais secos dificilmente são inferiores a 200mm. O nosso déficit hídrico, e de longe o pior fenômeno natural, é devido:
- Ao elevado potencial de perda de água por evapotranspiração, que chega a 2.500 mm ao ano;
- Escassez de rios perenes, que garantam a qualidade e quantidade de água suficiente para a subsistência da população local;
- Baixo nível de aproveitamento das águas das chuvas: os reservatórios existentes são poucos e não adaptados, tendo sido utilizada, até hoje, a tecnologia dos grandes açudes que concentram a água em amplos e espaçosos reservatórios (grandes espelhos de água) que facilitam a evaporação;
- Armazenamento e utilização da água por processos de escoamento de pontos mais altos para o acúmulo em pontos mais baixos dos terrenos. No seu deslocamento até o local do armazenamento a água leva consigo diversos tipos de sujeiras. Na sua utilização, pessoas e animais compartilham a mesma água, naturalmente contaminada.
Em regra, no semi-árido, as precipitações anuais estão entre 400-800mm, variando, também, as épocas de início e de fim da estação chuvosa. Prevalecem entretanto, as chuvas de verão/outono. Outra característica marcante do regime de chuvas na área é a grande variação que se manifesta tanto na distribuição das precipitações ao longo da estação chuvosa, como nos totais anuais de precipitação entre diferentes anos em uma mesma localidade ao longo da história. Há anos em que as chuvas se concentram num curto período da estação chuvosa. Em outros anos, a precipitação anual alcança valores bem abaixo de sua média, o que é característico dos chamados anos de "Seca". A sua periodicidade tem sido objeto de conjecturas que vão dos 11 a 13 anos suspeitados por Euclides da Cunha até intervalos bem mais largos.
Fonte: Articulação no Semi-Árido Brasileiro - ASA (http://www.asabrasil.org.br)
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