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1,5 milhão faltam ao Enem

Em São Paulo, o índice chegou a 46,9%

 

Mais de 1,5 milhão de alunos faltaram ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Isso representa um índice nacional de 37,7% de abstenção - 4,1 milhões estavam inscritos. Este foi o maior índice de faltas em uma prova do Enem e também o primeiro ano em que ele passou a ser usado como vestibular em universidades federais.

O média nacional foi puxada para cima principalmente por São Paulo, que teve o maior número de faltas. Do 1 milhão de inscritos no estado, 470 mil (46,9%) não compareceram. As duas principais universidades públicas paulistas, USP e Unicamp, deixaram de usar a nota do Enem depois que o exame foi fraudado, em outubro.

O caderno de questões foi furtado da gráfica em que era impresso, em São  Paulo. O jornal "O Estado de SP" avisou que o exame tinha vazado ao Ministério da Educação (MEC), que cancelou a prova.

Ontem, foram realizadas as provas de matemática, linguagens e redação. O MEC contabiliza como faltas somente a abstenção do primeiro dia de exame, anteontem, quando foram feitas as questões de ciências da natureza e ciências humanas. No segundo dia, houve um novo índice de 2,9% de ausências entre os que tinham comparecido no sábado.

Participaram do Enem quase 2,6 milhões de estudantes em todo o País. O número é superior à quantidade de estudantes que se inscreveu no ano passado para vestibulares de federais (2,2 milhões). Terminam o ensino médio todo ano cerca de 1,8 milhão.

"Quando você tem uma distância muito grande entre a realização da prova e inscrição, a abstenção aumenta", disse o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais (Inep), Reynaldo Fernandes. As inscrições terminaram em 19 de julho.

O Enem existe desde 1998 e costuma ter entre 25% e 30% de faltas, segundo o Inep. O MEC não divulgou a quantidade de atrasos no primeiro dia do exame. O Estado observou em vários locais que centenas de pessoas não conseguiram fazer a prova porque chegaram depois do horário.

Fernandes acredita que o fato de USP, Unicamp e outras instituições particulares deixarem de usar a nota do Enem tenha contribuído para o índice. Cerca de 120 mil pessoas fizeram o vestibular da Fuvest e 50 mil o da Unicamp.

O Inep vai analisar o perfil dos que faltaram. Caso sejam alunos do último ano do ensino médio, o ranking das escolas poderá ser prejudicado. É preciso ter um número mínimo de estudantes para que a instituição tenha uma nota do Enem.

Sabáticos

Na Escola Estadual Rodrigues Alves, na Avenida Paulista, onde os candidatos que pertencem à Igreja Adventista do Sétimo Dia fizeram o Enem, a prova só começou às 19h45 do sábado. Isso porque, apesar do horário do exame ser às 19 horas, o pôr-do-sol, com o horário de verão, só ocorre perto das 20 horas. Mesmo assim, o Inep não deu tempo a mais para os sabáticos. "Ficamos todos em silêncio, sem tocar na prova", diz Christian Ramos, de 17 anos.

A escola abrigou os cerca de 600 candidatos que pediram para fazer a prova mais tarde, por causa da religião. Eles tiveram, no entanto, que entrar nas escolas no mesmo horário que os outros estudantes, às 13 horas. A tarde de sábado foi de canto, leitura, oração e muita conversa. "Esse Enem foi uma provação de fé para a gente", disse Amanda Lourenço, de 17 anos.

Ontem, o exame foi no mesmo horário dos outros candidatos para os sabáticos. Mas o cansaço dos adventistas era maior, já que muitos terminaram a prova do sábado depois das 23h30.

No câmpus da Uniban da Vila Carrão, na zona leste, ninguém chegou atrasado, mas dois alunos não fizeram a prova por estarem sem documento de identificação. Idemilson Lima Freire, de 20 anos, chamou a polícia. Ele tinha levado apenas uma cópia reduzida de sua identificação. "O mesmo cara que aceitou meu documento no sábado me impediu de fazer o exame", disse.
(Lisandra Paraguassú e Renata Cafardo; colaboraram Mariana Mandelli e Paulo Saldaña)

Quatro questões mencionam programas do governo federal

Pelo menos quatro questões da prova de ontem do Enem mencionavam programas do governo federal. No exame de linguagens havia um texto explicativo sobre o portal Domínio Público, que disponibiliza online uma biblioteca para professores. A pergunta pedia qual era a "função social" do projeto e única resposta certa possível era "a democratização da informação, por meio da disponibilização de conteúdo cultural e científico à sociedade".

Outra questão pedia para que o aluno comentasse um texto da campanha do governo sobre a gripe suína. Perguntava quais os "recursos utilizados para envolvimento do leitor à campanha" e depois dizia que o texto tinha o "objetivo de solucionar um problema social".

Outro material do Ministério da Saúde foi usado numa pergunta sobre a dengue. E, na prova de matemática, tabela da Agência Nacional do Petróleo mostrava dados sobre comércio exterior.

O tema da redação surpreendeu professores dos cursinhos de São Paulo. O exame pedia que os alunos escrevessem sobre "o indivíduo frente à ética nacional", sugerindo uma proposta de ação social que respeitasse os direitos humanos. De maneira geral, os professores ouvidos pelo Estado consideraram a prova realizada ontem, de matemática e linguagens, mais difícil do que o exame que vazou.

O Inep informou que vai analisar a prova, mas que o exame teria o mesmo número de questões difíceis, médias e fáceis que o anterior. O Enem passou a usar uma nova tecnologia para ter o mesmo nível de dificuldade em todas as provas realizadas e ser comparável ano a ano.

O exame de linguagem tinha uma questão anulada, a de número 101 (nas provas azul, amarela e rosa) e 102 (na cinza). A anulação constava do primeiro gabarito divulgado pelo Inep.

A professora Eclícia Pereira, do Cursinho da Poli, acredita que o tema da redação foi complexo e interessante. "Embora o tema envolvesse política e corrupção, o vestibulando tinha de falar sobre o comportamento de quem critica (a corrupção)", explica. Compunham o tema uma ilustração de Millôr Fernandes e textos de Lya Luft e Contardo Calligaris.

"Não achava que a prova falaria de corrupção pelo fato de o exame ter vazado. Achei ótimo", disse professora do Objetivo Elizabeth de Melo Massaranduba. No entanto, ela considerou a prova de português complicada. "Tinham textos longos e de difícil entendimento." O professor Héric José Palos, do Etapa, concorda. "Em algumas questões até as alternativas eram longas."

O exame de matemática foi considerado de nível médio, com muitos cálculos e algumas questões mais complicadas do que a prova que vazou. "Foi uma prova de raciocínio aritmético", afirma o coordenador geral do Anglo, Nicolau Marmo. Segundo ele, havia duas questões de geometria mais difíceis.

Professores questionaram a questão sobre uma escultura de Emanuel Araujo. Segundo eles, não havia uma resposta certa e a figura era ruim.
(Elida Oliveira, Renata Cafardo, Paulo Saldaña e Mariana Mandelli)

Exame deve ser feito 2 vezes em 2010

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deve ser feito em 2010 duas vezes por ano. Segundo o Estado apurou, a primeira prova seria realizada em abril ou maio e a segunda, em outubro ou novembro. Os alunos poderiam participar dos exames quantas vezes quiserem.

A nota mais alta seria considerada para seleção nas universidades que usarem o Enem. Além disso, a pontuação poderia ser utilizada em processos seletivos por um prazo de dois anos. Neste ano, 25 universidades federais substituíram seus vestibulares pelo exame.

A primeira edição do Enem em 2010 serviria também para ocupar vagas oferecidas pelas universidades no segundo semestre, funcionando como um vestibular de meio de ano. A ideia de fazer duas edições durante o ano já havia aparecido na divulgação das mudanças da prova em maio. Porém, depois do vazamento do exame, em outubro, não havia confirmação de que isso ocorreria já em 2010.

O único impedimento que ainda existe para o exame de abril/maio é a contratação da empresa que fará sua organização e aplicação. O ministro da Educação, Fernando Haddad, quer que o Tribunal de Contas da União (TCU) libere o MEC de fazer licitações para esse serviço.

Como o Estado informou no mês passado, Haddad defende que seja criada uma espécie de "Fuvest do MEC". Essa entidade seria o Centro de Seleção (Cespe), da Universidade de Brasília (UnB), uma instituição pública já ligada ao governo federal.

A prova que terminou ontem foi realizada pelo Cespe e a Cesgranrio, num consórcio chamado às pressas depois do vazamento do exame. O Enem foi furtado da gráfica, e dois homens tentaram vendê-lo ao Estado por R$ 500 mil. A reportagem viu a prova e pôde memorizar questões. O Estado não compra informações. O MEC foi então avisado da fraude, cancelou o exame e rompeu o contrato com a empresa Connasel, que havia ganho a licitação.

A intenção do governo é a de que, no próximos dois ou três anos, a adesão de federais seja completa e que outras instituições, privadas ou públicas, também passem a usar a nota do Enem.

Nos EUA, os candidatos a vagas no ensino superior podem fazer o SAT (Scholastic Assessment Test) várias vezes ao ano e aproveitar sua melhor nota para seleção. O exame americano foi uma inspiração para a reformulação do Enem. O número de questões aumentou neste ano de 63 para 180 e, segundo professores, a prova passou a cobrar mais conteúdo.

(O Estado de SP, 7/12)


Data: 07/12/2009