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Brasil quer verba para semiárido

Região que cobre nove estados e 1.133 municípios do país pode se beneficiar de fundo para investir nas áreas em processo de desertificação e ajudar a manter homem no campo

A Convenção sobre a Mudança do Clima (COP-15), que será aberta em Copenhague, na Dinamarca, na segunda-feira, traz a esperança de melhoria de vida no semiárido brasileiro, que alcança 1.133 municípios do Nordeste e do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha (92 municípios). A expectativa é que os 193 países representados na conferência fechem acordo sobre a criação de um fundo de adaptação de US$ 400 bilhões. E o Brasil reivindica que, desse montante, US$ 150 bilhões sejam aplicados em regiões desérticas e semiáridas ao redor do planeta.

Para convencer os participantes da cúpula em Copenhague, o governo brasileiro vai apresentar o quadro das consequências devastadores que as mudanças climáticas poderão trazer para o Nordeste, lembrando que o Brasil é o país com maior população residente em área semiárida. O objetivo da missão brasileira em Copenhague é levantar os recursos suficientes para o combate à desertificação e garantir a permanência do homem na região. Segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, com as ações seriam beneficiadas cerca de 30 milhões de pessoas do Nordeste. Para tanto, está em tramitação no Congresso o projeto de lei que cria o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas.

A proposta, que visa a pôr em prática a Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), foi aprovada pela Câmara dos Deputados no fim de outubro e agora será apreciada pelo Senado. O objetivo é que o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas, com 10% de royalties do petróleo, venha garantir cerca de R$ 1 bilhão por ano para ações de combate aos efeitos das mudanças climáticas. Na convenção, junto com outras propostas ambientais, o Brasil deverá dar ênfase à proposta de implantação do Programa Nacional de Combate à Desertificação (PAN/Brasil), que é o norteador para os planos estaduais de combate à desertificação.

De acordo com o ministro Carlos Minc, caso a temperatura global suba 2 graus até o fim do século, o Nordeste perderia cerca de um terço de sua economia. Daí a necessidade de investimentos maciços em ações de adaptação para evitar um desastre maior na região.

Para o professor Vicente de Paula Albuquerque Araújo, coordenador do Programa de Estudos e Ações para o Semiário (Peasa), da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), o fundo a ser discutido na COP-15 poderá representar a garantia definitiva de recursos para ações permanentes de combate à desertificação e busca de condições para a convivência com o clima semiárido.

"Até hoje, não temos um financiamento sistemático do combate à desertificação. Então, se o governo federal reivindicar e conseguir os recursos junto à comunidade internacional, poderemos fortalecer as pesquisas e as ações na região", afirma Araújo.

O professor salienta que os recursos do fundo internacional podem ser aplicados em diversas iniciativas no semiárido. Uma delas é a educação dos pequenos agricultores, para que eles possam sobreviver em seus lugares de origem sem causar danos ao meio ambiente. "Em várias áreas de caatinga, os desmatamentos provocaram uma grande degradação do solo. Se o governo conseguir os recursos, poderá criar programas permanentes para educar o homem sertanejo, a fim de que ele possa recuperar as áreas degradadas", observa o professor da Paraíba.

Araújo também sugere a implantação de programas de manejo da caatinga, com a implementação de espécies exóticas que possam proporcionar receitas para as comunidades das áreas semiáridas. No Peasa, criado desde 1994, Vicente Albuquerque Araújo atua junto aos pequenos agricultores de Cariri, no sertão da Paraíba, com o treinamento e o repasse de técnicas de produção que permitem a convivência com a seca. Orienta, por exemplo, meios para melhorar a produção de caprinos e para o uso racional de água.

Ele ressalta que é possível multiplicar ações desse tipo em todo o semiárido. "Se for criado um programa de investimentos nas regiões que estão sujeitas à desertificação, com certeza, será viabilizada uma produção sustentável, sem agredir o meio ambiente. Vai surgir também a oportunidade de fixação do homem no campo, mesmo onde a convivência é difícil", acredita o especialista. O professor cita outras experiências positivas como a construção de barragens subterrâneas, para segurar a água e a umidade em rios intermitentes, assim como a construção de cisternas para a captação de água da chuva.

Ações isoladas não resolvem

Na opinião do professor Marcos Koiti Kondo, do curso de agronomia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) do câmpus de Janaúba (Norte de Minas), o fundo mundial pode viabilizar medidas que venham pôr fim à degradação, recuperar nascentes e possibilitar que rios, hoje, intermitentes, voltem a correr o ano inteiro. "Mas, as ações precisam sistematizadas, abrangentes e muito bem planejadas. Não adianta a preservação isolada de um rio em determinada propriedade e o mesmo manancial sofrer com a degradação em outra propriedade vizinha", afirma Koiti Kondo, que tem doutorado na área de conservação de solo e água pela Universidade Federal de Lavras (Ufla).

O especialista lembra que, devido à degradação, rios do Norte de Minas que corriam o ano inteiro e, hoje, "cortam" durante os período de estiagem. É o caso do Rio Verde Grande, principal afluente da margem direita do rio São Francisco, que nas décadas de 1970 e 1980 foi "engolido" pelos pivôs centrais de projetos de irrigação mal planejados.

Koiti Kondo acredita que é possível implementar as medidas de redução dos impactos ambientais e manter a atividade produtiva. "Poderemos recuperar as nascentes e aumentar a oferta de recursos hídricos e preservar o produção nas propriedades, mas em cima de tecnologias sustentáveis", diz ele, citando ainda a construção de pequenas barragens e a recuperação de matas ciliares.

O especialista recomenda ainda que práticas denosas ao meio ambiente, como as queimadas, devem ser evitadas. Ele defende que, ao investir no aumento da produtividade nas áreas existentes, pode-se reduzir o impacto sobre novas áreas e evitar o desmatamento. O professor salienta que no semiárido as intervenções contra as mudanças climáticas têm mais relevância do que em outros ecossistemas. "O semiárido é um ecossistema relativamente frágil, em que o equilíbrio pode ser alternado de forma mais abrangente do que em outras regiões. Por isso, sofre um risco de ter uma intensificação dos problemas decorrentes das mudanças no clima, como as sucessivas secas, por exemplo", avalia.

(Estado de Minas, 4/12)


Data: 04/12/2009