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Misa abre visitações ao Presépio da Caatinga

Figuras criadas pelo artesão Carlinhos de Sumé contam a história do nascimento de Jesus de um jeito "diferente"


O Museu Interativo do Semiárido (Misa) está com o seu Presépio da Caatinga aberto a visitações. Esse presépio, criado pelo artesão Carlinhos de Sumé e fruto da fértil e sábia imaginação do curador do Misa, professor Daniel Duarte, conta de um jeito "diferente" a história do nascimento de Jesus:

Fazia já algum tempo que o carro-de-bois deixaram de emitir o seu gemido monótono. Jazia agora, um tanto esquecido, à sombra de vetusto joazeiro, rodeado por alguns Mandacarus e Coroas-de-frade. O Vaqueiro José após uma ampla viagem pelas caatingas cinzentas do mês de dezembro, donde não houvera ainda a chuva dos cajus, elegera como local de parada aquela árvore, que se destacava na paisagem, para arranchar a família. Família pequena, só ele e a Beata Maria. Não sabiam ambos, que uma cena de rara beleza estava por se descortinar após o ocaso vermelho-sangue que ainda denunciava a estação seca. Pensava agora no dia de Santa Luzia e na adivinhação das pedras de sal que fora positiva, com as chuvas se prenunciando para janeiro.

Nos seus poucos teréns, aguardavam as sementes para o próximo roçado. O seu lado vaqueiro não desmerecia o lado agricultor. Sabia exercer ambas as profissões com destreza. Era pau para toda obra. Outro ofício que exercia com perfeição era o de carpinteiro. Era do seu feitio o carro-de-bois, novo, reluzente, ainda “amansando”. Cortara as madeiras pela lua e nas horas vagas serrara e aplainara. Fizera a mesa, as chedas, as rodas, os fueiros, o eixo, a canga e a “cantadeira” de pinhão com breu, sebo e carvão, tudo certinho tudo bonitinho. Parece que estava adivinhando que o seu patrão iria lhe demitir e teria que fazer aquela longa viagem.

Perdido nos seus pensamentos, e animado com a adivinhação e com a promessa de emprego em fazenda que distanciava ainda cinco léguas de beiço donde se encontravam ele e Maria, foi despertado por esta que anunciou um certo desconforto, visto o estirão da viagem e por encontrar-se em estado “interessante”.

- José, parece que de hoje não passa!

O pobre José, agora nos inícios da profissão, de pai viu-se em desespero. Já tinha prescutado o horizonte e não tinha visto, nem ouvido, viv’alma. Nada! Apenas o silêncio, quebrado pelos cantos dos grilos, e a escuridão aqui e acolá entremeada pelo piscar dos vaga-lumes. Depressa, acendeu o candeeiro e fazendo um fogo rápido foi se lembrando dos nascimentos já vivenciados, em parte, por ele. Sabia que precisava de água quente, faca ou tesoura bem amoladas e passadas no fogo, panos limpos, etc. Rebuscou  nos baús de cedro e achou o modesto enxoval ganhado de presente. Retirou dali um ou dois lençóis brancos e aguardou.

A pobre Maria, mãe de primeira viagem, estava num estado mais tranqüilo. Curiosamente, antes de iniciarem a viagem, um Carregador de Água desconhecido havia lhe dito que algo de bom iria acontecer na vida deles e que o filho desejado iria nascer e viver na simplicidade, mas que Grande seria a Sua Existência.

- Esquisito aquele vendedor de água! Disse isso e desapareceu como um anjo. Também, por aquelas paragens o vendedor de água era mesmo um anjo que trazia água doce, limpa e friinha em ancoretas de imburana que deixavam um sabor gostoso na água.

Os tantos sonhos que Maria tivera prenunciado o menino a deixavam calma. Com paciência esperou. Não estavam ali as suas amigas, nem Sá Marica Parteira para ajudá-la. De repente, uma estrela, dantes miudinha, começou a se aproximar e iluminar o local. Bem mais do que o próprio candeeiro. Calma estava e calma ficou. Já havia presenciado e ajudado em tantos nascimentos. Agora era a sua vez.

José é que de forma pudica tinha se distanciado alguns passos deixando, entretanto, todo o material necessário para o nascimento. O ar, impregnado do odor das flores de pereiro e do alecrim-de-serrote, parecia também se preparar para o desabrochar de uma nova vida.

- Súbito, um choro! José acorreu até Maria e com a fisionomia ainda tensa perguntou se tudo estava bem. Repousava agora no colo da mãe uma bela criança do sexo masculino.

Neste instante a estrela brilhou mais forte e foi ai que José e Maria, avistaram vultos que se moviam em direção a eles: primeiro foram os animais mais conhecidos: uma Vaca, uma Cabra, uma Ovelha e um Galo. Depois, os animais do mato como a Raposa, o Gato-do-mato e o Tatu. Esses serezinhos, ditos brutos, vinham prestar uma espécie de homenagem ao nascituro. Em silêncio se postaram ao redor do menininho, agora já num improviso de berço: uma Gamela de mulungu.

Outros vultos começaram a surgir e aí, pelo brilho da estrela, pôde-se vislumbrar um Índio ofertando um peixe, um Agricultor ofertando lã de algodão e um Negro ofertando as suas correntes quebradas.

- O Peixe fruto das águas, o Algodão fruto da terra e as Correntes quebradas fruto da liberdade. Assim disseram a José e Maria, oferecendo tudo ao recém-nascido. Diziam se chamar Caturité, o Índio; Zumbi, o Negro e João Coloia, o Agricultor.

- Interessantes aqueles três. Apesar das cores e mistura de sangue eram todos parecidos como se fossem irmãos!  Assim pensou José.

De repente, outras pessoas começaram a chegar. Primeiro um Beato que decerto andava a salvar almas ali por perto. Chamava-se Pai Mateus. Depois apareceu um Cangaceiro de nome Jesuíno e por último uma Rendeira de nome Mocinha.

O Beato, com as sua rezas, abençoou a criança que a tudo parecia assistir com interesse com os seus olhinhos de recém-nascido. Ofertou-A ao Criador pedindo que ali estivesse em carne o Cordeiro que seria imolado em nome da redenção da humanidade. Já o Cangaceiro, agora com um mínimo de armas, viera oferecer segurança a família, pois ali andavam pessoas más que poderiam roubar, ou até mesmo matar, a criancinha. E a Rendeira, enquanto conversava, deslizava agilmente os seus dedos pelos bilros da almofada fazendo os primeiros cueiros com o algodão ofertado pelo agricultor.

Por último, chegou o Carregador de Água, silencioso, iluminado!  Ofereceu a Maria e a José o único presente que poderia dar: água. Água símbolo, da vida. Da vida que ressurge a cada estiada nos sertões nordestinos. Chamava-se Gabriel.

Estava, portanto, completa a cena. Aquela vida surgida nas secas caatingas parecia fadada não a reverdecê-las, mas sim a todo o mundo. A toda a humanidade. Reverdecer pela crença no Criador, pela esperança de dias melhores pautados pela paz.

A paz que José e Maria, as pessoas e os animais encontraram naquela noite de dezembro em algum lugar perdido no cinzento dos nossos corações.

Informe: Quem quiser conhecer este Presépio se desloque até o Museu Interativo do Semi-Árido (MISA) da UFCG/PEASA. Fica por trás do DART e da Creche, com acesso principal pelo portão de trás do campus (3310-1591).

(Asscom MISA)


Data: 03/12/2009