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IES privadas abrem capital para ampliar alcance

Primeiras quatro IES a lançar ações captaram R$ 1,7 bi com papéis

 

Entre março e outubro de 2007, quatro IES (instituições de Ensino Superior) abriram seu capital e passaram a atuar na bolsa de valores. Juntas, Anhangüera Educacional, Kroton Educacional, Estácio Participações e SEB (Sistema Educacional Brasileiro) captaram R$ 1,2 bilhão no IPO (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês). A Anhangüera, pioneira em operação na bolsa, viria a captar outros R$ 500 milhões, em abril de 2008. Quando uma empresa abre capital, a intenção é captar recursos junto ao mercado de forma mais rápida e barata do que em bancos com a finalidade de ampliar a capacidade de geração de resultados.

 

"Já tínhamos o modelo de negócio e o planejamento consolidados. Faltava o capital e a maneira mais eficiente, na época, para buscar recursos, era a bolsa de valores. O nível de expansão que tivemos seria impossível sem a abertura de capital", assegura José Augusto Teixeira, diretor de Planejamento e Relações com Investidores da Anhangüera Educacional. A percepção é semelhante à de Marco Rossi, diretor financeiro e de relações com investidores da SEB. "Essa nova musculatura proporcionou mudança na curva de crescimento. Crescíamos entre 15% e 20% ao ano e, desde 2007, a empresa triplicou de tamanho", assegura ele.

 

Na opinião de Rossi, foi esse tipo de resultado que teria motivado o mercado a investir nas ações da empresa. "O que validava a estratégia que nos levou ao mercado e que também foi o que mais interessou aos investidores foi a capacidade de fazer negócios e crescer", arrisca ele. Ainda assim, na opinião de Ryon Braga, consultor educacional da Hoper, os expressivos ganhos iniciais das IES na bolsa se devem mais ao momento do lançamento dos papéis do que à capacidade dessas empresas de atuarem no mercado de riscos. "Os valores foram representativos e as ações atingiram patamares incríveis, mas se tivesse sido hoje, não conseguiriam nem 20% dos resultados. Fizeram o IPO num momento extremamente oportuno, de muita liquidez no mercado", diz Braga.

 

No entanto, por melhor que tenha sido o momento, o processo de abertura de capital exige preparação em termos de gestão administrativa e financeira. Até mesmo porque a operação na bolsa de valores exige que a empresa atenda a exigências específicas em relação à governança corporativa (ver quadro ao lado). Isso significa que devem atender a requisitos que extrapolam o mínimo exigido pela legislação nacional. A finalidade é aumentar o interesse do mercado pelas ações da empresa a partir da transparência da gestão. "O processo começa muito antes, com a adequação dos balanços às práticas do mercado de capital", explica Rossi, que conta ter sido necessário contratar auditoria externa para análise dos números da IES. "Além disso, precisamos de executivos para fazer a interlocução com o mercado, o que não era necessário com capital fechado", acrescenta ele.

 

Na Anhangüera, não foi diferente. A preparação começou em 2004, quando o grupo Pátria Investimentos assumiu o planejamento estratégico do negócio e a IES deixou de ser uma empresa familiar para entrar na fase chamada de private equity, quando os investidores atuam ainda com o capital fechado. De 2004 a 2006 e IES passou de 10,8 mil alunos para 29,6 mil. "A empresa cristalizou os pilares do que viria a ser o seu modelo de negócios nos anos seguintes. Todos os currículos foram padronizados entre as diferentes unidades e passamos a compartilhar alguns serviços comuns", diz Teixeira. Ainda antes do IPO, a instituição criou um conselho financeiro, uma diretoria profissional e um comitê de gestão de negócio.

 

Foco nas aquisições

 

Segundo Braga, a maior parte do volume de recursos captados pelas IES foi destinada à ampliação na quantidade de unidades. "Com a capitalização, elas fizeram uma série de aquisições importantes que movimentaram o setor", explica ele. A Estácio afirmava, já no edital de lançamento das ações, que a captação serviria para financiar a expansão do negócio por meio de aquisições, abertura de novas unidades e expansão das existentes. No caso da SEB, dos R$ 255 milhões captados, cerca de R$ 200 milhões foram direcionados para aquisição de outras 11 instituições. "Estamos reforçando nossa atuação no Ensino Superior, mas nosso foco principal está nos sistemas de ensino, que dinamizamos com a aquisição de marcas tradicionais e reconhecidas", afirma Rossi.

 

A Anhangüera, que tinha 13 campi em 2006, já operava outros 41 em julho de 2009, além de 657 centros de formação profissional e 450 pólos de Ensino Superior a distância. A captação serviu também para a diversificação dos produtos oferecidos pela instituição. "Deixamos de ser uma empresa que tinha só um canal de distribuição, que era o campus, com só um produto - a graduação - e uma modalidade - a presencial", analisa Teixeira.

 

De acordo com o diretor de Planejamento e Relações com Investidores da Anhangüera Educacional, para viabilizar crescimentos tão repentinos sem perder a linha de atuação com as inúmeras aquisições, a saída encontrada pela instituição foi a padronização de metodologias e a centralização de serviços. "Quando entramos na bolsa, aplicamos o mesmo conceito para sofisticar a distribuição, o portfólio de cursos, a metodologia e tecnologia", garante Teixeira ao contar que o material didático foi padronizado.

 

No caso da SEB, a centralização de procedimentos burocráticos eliminou a necessidade de contar com departamentos específicos em todas as unidades, pois o processamento de alguns dados e documentos é feito num só lugar. "Houve ganhos importantíssimos de escala com o compartilhamento do centro de serviços, que fica na sede em Ribeirão Preto, e que dá suporte a todas as unidades do Brasil", conta Rossi. "As tarefas dos departamentos de faturamento, cobrança, recursos humanos e jurídico estão centralizadas lá, o que tem levado a gastos decrescentes perante o crescimento da rede", acrescenta ele.

 

Padrão mínimo

 

A busca por padronização e sistematização afetou também o aspecto educacional dessas instituições, o que é visto com ressalvas por alguns. "Há sempre uma crítica muito forte sobre esses grupos em relação à massificação do ensino. O que se questiona é a perda do contato direto com os alunos", diz Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo).

 

Para Braga, é importante entender que as IES são empresas que atuam a partir da lógica capitalista. "Quando se fala nisso, parece que essas instituições visam o lucro em detrimento da qualidade. O foco principal é o lucro, como qualquer empresa, mas o que aconteceu no mercado, paralelamente, foi profissionalização da gestão administrativa", opina ele. O diretor financeiro e de relações com investidores da SEB argumenta que tal modernização dos processos burocráticos foi necessária devido ao crescimento dos grupos. Segundo Rossi, seria impossível cuidar individualmente da administração de cada unidade. Essa mesma lógica, para Capelato, vale para a educação. "Esses grandes grupos criam núcleos para avaliar o corpo docente e pensar todo o projeto acadêmico da instituição, o que não existe nas pequenas IES", conta.

 

Braga procura destacar aspectos que essa suposta modernização desencadeou. Ele fala sobretudo dos problemas estruturais de gestão que algumas instituições pequenas tinham. "Quando um grande grupo compra uma instituição pequena numa cidade do interior, acaba com o amadorismo na gestão e passa a cobrar presença e profissionalismo dos professores. Não que tenham feito isso pensando na melhoria da qualidade do Ensino. Foi conseqüência da otimização da gestão", explica ele.

 

A atuação na bolsa de valores, por si só, já seria motivo para que as IES com capital aberto voltassem a atenção para a qualidade. É o que diz Gabriel Rodrigues, presidente da Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior). "Quando a IES se submete à abertura de capital, tem de se tornar totalmente transparente, pois será cobrada pelos resultados. O mercado é muito mais rigoroso que o próprio MEC (Ministério da Educação) e se perceber que uma empresa não vai bem, abandona o negócio. Por isso elas precisam oferecer bons cursos, para ter alunos e gerar resultados", analisa Rodrigues.

 

Nem mesmo junto ao MEC os resultados são ruins, de acordo com análise feita por Capelato. "Olhando os indicadores do MEC, que são bastante questionáveis, o resultado deles também não é ruim. Têm média bastante satisfatória, com uma ou outra aparecendo com resultado negativo, mas sem destaques por má qualidade", diz Capelato. Ele assegura que ainda há espaço para melhoria dos processos de gestão administrativa e acadêmica e que, por isso, o Ensino deve melhorar. "É difícil se transformar em grupos de ponta, mesmo porque não é a proposta deles. Querem oferecer um Ensino que atinja um número grande de alunos com qualidade", afirma ele.

 

Tendências de mercado

 

De acordo com Rossi, o crescimento é esperado também com relação aos ganhos no mercado de capitais. "Ainda existe espaço para continuar crescendo a taxas interessantes nos próximos anos, ainda que em patamares mais comedidos", aposta ele. Para Capelato, depois da euforia pós-abertura, houve um período de ajuste e agora a fase é de "sustentabilidade" financeira. "Houve uma queda porque cresceram muito rápido e a integração era complexa. Agora, parece que todo mundo se arrumou nessa nova realidade e está preparado para continuar a crescer de forma sustentável. Ainda vão ganhar mais nesse mercado", acredita o presidente do Semesp.

 

De olho nas possibilidades do mercado de risco, outras universidades colocaram a operação em bolsa como meta para captação de recursos, aponta Braga. No entanto, ele alerta não acreditar que muitas das que estão se preparam chegarão a abrir capital. "O apetite dos que já abriram e de alguns grupos de fora é muito grande e faz com que muitas não resistam ao assédio por aquisição", declara ele. Além disso, Braga acredita que em 24 meses o mercado educacional deixará de ser tão atrativo e passará a oferecer rendimentos como outros segmentos da economia. "A margem de lucro cai ano a ano porque o mercado está cada vez mais competitivo", revela ele.

 

A concorrência tem se tornado mais acirrada com a presença de grupos estrangeiros que atuam no mercado educacional, o que também tem causado polêmica no setor, afirma Braga. "O discurso mais recorrente é o da desnacionalização do ensino. É uma bobeira, pois os professores e as metodologias são daqui. Além disso, a última coisa que passa pelos grupos investidores é a ideologia. Eles visam o lucro", resume Braga. Ele afirma também que esses grupos atuam com mais seriedade do que boa parte das IES brasileiras.

 

(Universia)


Data: 23/11/2009