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O que se aprende com os ganhadores do Nobel

O pesquisador brasileiro José Ellis Ripper Filho trabalhou com três agraciados na área de Física

Quando trabalhava como pesquisador nos Laboratórios Bell, da antiga AT&T, entre 1967 e 1970, o engenheiro, cientista e empresário brasileiro José Ellis Ripper Filho conheceu e conviveu com três ganhadores do Prêmio Nobel de Física.

Dois deles foram laureados este ano, Willard Sterling Boyle e George Elwood Smith, criadores dos chips charge-coupled devices (CCDs), que viabilizaram as câmeras fotográficas e de vídeo digitais. O terceiro foi o bielorrusso Zhores Ivanovich Alferov, que ganhou o Nobel de Física de 2000, por sua contribuição ao desenvolvimento das heteroestruturas de semicondutor, usadas nas transmissões de alta velocidade e em optoeletrônica.

A carreira de José Ripper Filho comprova, em boa medida, os resultados positivos daquele convívio. Engenheiro eletrônico pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), hoje empresário, PhD pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), criador do primeiro computador brasileiro, em 1961, juntamente com três outros colegas, formandos do ITA, Ripper foi ainda responsável pelo desenvolvimento da primeira fibra óptica produzida no Brasil nos anos 1970.

"Comecei a trabalhar nos Laboratórios Bell em 1967. Meu primeiro chefe de departamento foi o canadense Willard Sterling Boyle, e depois George Elwood Smith, ambos ganhadores do Prêmio Nobel de Física de 2009. Meu relacionamento com Boyle foi relativamente curto. Já com seu sucessor na chefia do laboratório, George Smith, tive excelente interação de trabalho. Nosso grande objetivo era conseguir um laser de semicondutor que funcionasse continuamente à temperatura ambiente."

Nessa época, ocorreu um problema de relacionamento entre Ripper e seu supervisor. O brasileiro considerava tecnicamente inviável uma sugestão proposta pelo diretor do laboratório. O supervisor preferia perseguir uma ideia errada do diretor a ter que enfrentá-lo. Graças à interferência de George Smith, no entanto, Ripper apresentou seus argumentos ao diretor, que se convenceu e mudou o rumo do grupo.

Com Alferov

O relacionamento iniciado entre Ripper e Zhores Alferov foi muito mais proveitoso do ponto de vista científico e tecnológico, especialmente a partir de 1969, época em que a liderança científica em laser de semicondutor, no Ocidente, era dividida entre os Laboratórios Bell e a RCA.

"Nosso problema - conta Ripper - era a corrente limiar (isto é, a corrente mínima para operar o laser), que era alta demais. Com isso, a junção aquecia, aumentando ainda mais a corrente limiar. Os Bell Labs e a RCA tinham desenvolvido, independentemente, um laser de heteroestrutura simples. Essa heteroestrutura criava uma barreira de potencial que confinava os elétrons, aumentando a interação com a luz."

Com isso, reduziu-se bastante a corrente limiar, mas não o suficiente. Montando o laser num diamante (o melhor condutor de calor que existe) conseguimos o recorde de temperatura de operação contínua: menos 70°C, mas muito longe do objetivo.

"Foi nesse ponto que Alferov visitou os Bell Labs e conduziu um seminário, em que mostrou uma nova estrutura de laser (heteroestrutura dupla), que criava também uma barreira de potencial do outro lado. A corrente limiar era 10 vezes menor, isto é, um fator de 10 abaixo das nossas. Alferov não tinha uma explicação para isso. Demonstramos, depois, que essa estrutura criava um guia de onda, confinando a luz na mesma região em que eram aprisionados os portadores, otimizando assim a interação. Claramente era essa a solução. Usando a ideia do cientista soviético, poucos meses depois nosso grupo conseguia operar um laser continuamente à temperatura ambiente. Esta estrutura dupla ainda é a base dos lasers de hoje."

Graças à visita de Alferov, os Bell Labs não só ganharam a corrida, mas deixaram a RCA em má situação, a ponto de ter que vender o negócio a preço de banana, anos mais tarde. "Por ironia, Alferov queria visitar a RCA. Mas, sua visita, naqueles tempos de guerra fria, foi vetada pelo setor de segurança da empresa, por receio de que o russo roubasse seus segredos."

Fibra óptica

Na mesma época (1970), a indústria americana Corning Glass demonstrou o funcionamento da primeira fibra óptica com perda relativamente baixa. "Com isso - relembra Ripper -, ficou óbvio para nós que as comunicações ópticas eram o caminho do futuro, embora ainda tivéssemos que esperar uma década para começar sua aplicação ampla."

Ripper retornou ao Brasil nessa época e deu início ao programa nacional de comunicações ópticas, que conferiu ao país nessa área competência equivalente à dos países mais desenvolvidos. A amizade com Alferov permitiu que Ripper visitasse, a partir de 1972, diversas vezes o Instituto Ioffe, em Leningrado (hoje São Petersburgo). Nos anos 1970, Alferov, já como vice-presidente da Academia de Ciências da União Soviética, passou mais de um mês na Unicamp. Mas, os russos não permitiram que sua esposa o acompanhasse. Anos mais tarde, já na época do Gorbachov, ele voltou a Brasil.

(O Estado de SP, 8/11)


Data: 10/11/2009