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Gasto de R$ 2 bi reduz pouco o analfabetismo

Seis anos após início do programa Brasil Alfabetizado, índice nacional caiu apenas 13% entre 2004 e 2008, segundo o IBGE. Para MEC, queda não é proporcional ao esforço


Lançado seis anos atrás com a meta de erradicar o analfabetismo no país, o programa Brasil Alfabetizado já consumiu mais de R$ 2 bilhões até este ano, mas o índice de brasileiros que não sabem ler nem escrever um bilhete simples caiu apenas 13% entre 2004 e 2008. Segundo os números mais recentes do IBGE, ainda há mais de 14 milhões de jovens e adultos analfabetos - o equivalente a um a cada dez brasileiros com 15 anos ou mais.

"Não vou brigar com os números", reagiu André Lázaro, secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação: "A queda do analfabetismo não é proporcional ao nosso esforço", completou.

A erradicação do analfabetismo no Brasil é algo de que não se fala mais no governo. "Zerar, ninguém zera", sustenta André Lázaro.

Mas o MEC mantém a meta assumida ao lado de mais de uma centena de países no Senegal, em 2000, de reduzir à metade a taxa de analfabetismo e chegar a 2015 com "apenas" 6,7% dos jovens e adultos sem saber ler nem escrever.

No ritmo de queda registrado desde o início do programa, o Brasil ainda vai demorar pelo menos o dobro do tempo - oito anos - para tirar do papel o compromisso de Dakar. "A [atual] taxa não é o que queríamos, mas vamos cumprir a meta", insiste Lázaro, com o aval do ministro Fernando Haddad.

Foco

Apesar dos resultados ralos até aqui - a taxa oficial de analfabetismo caiu de 11,45% para 9,96% -, o Ministério da Educação nega que o Brasil Alfabetizado tenha fracassado ou que possa ser suspenso.

Mas reconhece problemas de foco do programa, já que o número de "alfabetizandos" registrado a cada ano não se reflete na redução do analfabetismo. A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), do IBGE, nem mesmo capta nas classes de alfabetização o mesmo número de alunos apresentado pelo programa oficial.

Desde que foi lançado, em setembro de 2003, o Brasil Alfabetizado registra uma média de 1,5 milhão de alunos por ano. Mas nem todos estão estudando em setembro, quando a pesquisa do IBGE vai a campo.

Além disso, segundo dados da Pnad, 42% dos alunos que frequentam classes de alfabetização já sabiam ler e escrever. Como não são analfabetos, a sua passagem pelas classes de alfabetização altera as taxas de analfabetismo.

Ao mesmo tempo, mais de 90% dos analfabetos ainda estão longe das classes de alfabetização. E parte dos analfabetos alcançados pelo programa não conclui os cursos e continua sem saber ler e escrever.

O MEC informa que não pode negar o acesso a uma pessoa já alfabetizada a classes do programa quando faltam vagas para jovens e adultos em classes de 1ª a 4ª série.

Sobre a chance de o programa alcançar um número maior dos analfabetos, o Ministério da Educação disse depender de Estados e municípios, parceiros do Brasil Alfabetizado. Essas parcerias são voluntárias. E o Estado de São Paulo, por exemplo, não aderiu ao programa.

"Civilizada"

O índice brasileiro de analfabetismo é inflado por pessoas com mais de 29 anos. O número de analfabetos entre 15 e 29 anos já está abaixo dos 5% da população nessa faixa etária, o que é considerado uma "taxa civilizada" pelo MEC.

O problema maior está entre os brasileiros com mais de 60 anos: há 28% de analfabetos entre os mais velhos, dez vezes mais do que a concentração de analfabetos registrada entre os com menos de 30 anos.

Mas os dados da Pnad mostram que ainda há jovens que completam 15 anos sem saber ler nem escrever. Em 2008, foram mais 63 mil novos analfabetos nessa idade, quase 2% da população.

Analfabetismo cresce no DF, em SP e mais 10 Estados

O combate ao analfabetismo foi bastante desigual no Brasil. E o percentual de jovens e adultos que não sabem ler nem escrever aumentou em 2008 no Distrito Federal e em mais 11 Estados - entre eles São Paulo -, mostra o detalhamento dos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), tabulados pelo Ministério da Educação.

Embora tenha a segunda menor taxa de analfabetismo do país, o Distrito Federal registrou o maior aumento percentual (8%), número que surpreendeu o governo local.

Sinval Lucas de Souza Filho, gerente do projeto de erradicação do analfabetismo do DF, disse ter dificuldade de localizar os jovens e adultos que não sabem ler, mesmo nos bolsões de pobreza da capital do país. "Visito, faço mutirões, mas tenho dificuldade de localizar os analfabetos", contou.

A principal hipótese para o aumento da taxa no DF são as levas de migrantes que chegam à capital em busca de emprego. "É claro que só iríamos erradicar totalmente o analfabetismo aqui se construíssemos uma cerca elétrica em torno do DF", afirmou, insistindo em que não esperava o resultado da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio).

O governo de São Paulo avalia que a resistência na queda do analfabetismo reflete falhas no programa federal. "Há problemas de eficiência", disse o secretário de Educação do Estado, Paulo Renato Souza.

Segundo o IBGE, a taxa de São Paulo aumentou 3% entre 2007 e 2008. O Estado tem a quinta menor taxa de analfabetismo do país (4,74%), embora reúna o segundo maior número absoluto de analfabetos: 1,5 milhão de pessoas com 15 anos ou mais não sabem ler nem escrever em São Paulo.

Paulo Renato alega que a responsabilidade pelo combate ao analfabetismo é do governo federal, embora o governo do Estado não tenha aderido ao Brasil Alfabetizado e mantenha programas com esse objetivo.

A Bahia é o Estado que reúne o maior número de jovens e adultos analfabetos (1,8 milhão de pessoas). Em proporção da população dos Estados, o ranking do analfabetismo é liderado por Alagoas, Piauí e Paraíba, todos com mais de 20% da população acima de 15 anos analfabeta.

O importante é a taxa dos jovens

O Brasil dificilmente vai conseguir produzir quedas dramáticas na proporção de analfabetos, que hoje corresponde a 10% da população com mais de 15 anos. E as razões que determinam tal "fracasso" não são todas necessariamente más.

É preciso antes de mais nada distinguir entre os analfabetos jovens e velhos. Enquanto a taxa de iletrados é de 12,4% entre as pessoas com mais de 25 anos, ela fica em apenas 2,2% para a população entre 15 e 24 anos.

Isso significa que índices da ordem de 10% são basicamente um problema do passado. Se o Brasil não fizer nada em favor dessa população e apenas deixar o tempo passar, o analfabetismo já cairá. Vai levar ainda algumas décadas, porque a expectativa de vida (inclusive a dos mais pobres) tem aumentado ao longo dos últimos anos, mas essas taxas relativamente altas de iletrados têm prazo de validade para acabar.

Poderíamos, é claro, catalisar esse processo investindo em programas de alfabetização do adulto. O problema aqui é principalmente a falta de interesse dos supostos interessados. Segundo a última Pnad, apenas 3% dos analfabetos fora da idade escolar frequentaram uma sala de aula em 2008. As matrículas nessa modalidade de ensino têm caído ao longo dos últimos anos, principalmente no nível fundamental.

De algum modo, eles parecem estar sobrevivendo relativamente bem mesmo sem saber ler e escrever. Seria interessante investigar quais as causas da baixa procura pelos cursos, além, é claro, de sua ineficácia e das velhas e conhecidas dificuldades de acesso.

Para o futuro, entretanto, o que importa é olhar para as taxas de analfabetismo entre os mais jovens. E a situação neste caso não enseja comemorações. Os 2,2% registrados na faixa entre 15 e 24 preocupam. Pior ainda quando se considera que, entre os 10 e 14 anos, o índice sobe para 3,1%. Isso significa que a escola está ensinando a ler tarde e mal. Não haveria, em princípio, nenhum motivo para não conseguirmos proporções inferiores a 1% nessas faixas, como ocorre em países do Primeiro Mundo.

Não estamos aqui falando de vencer o analfabetismo funcional, que implica atingir um nível de leitura e escrita adequado às necessidades do indivíduo, mas de derrotar o analfabetismo absoluto, para o que basta ser capaz de decodificar um bilhete com meia dúzia de palavras simples.

(Folha de SP, 28/9)


Data: 28/09/2009