topo_cabecalho
Um em cada quatro engenheiros se formou em curso ruim

Dos 24,9 mil formandos, 6,3 mil estudaram em cursos com notas 1 e 2, as mais baixas. Dados fazem parte de um indicador do MEC que considera notas de alunos, proporção de professores doutores e infraestrutura


Um em cada quatro engenheiros do país se formou em cursos inadequados, apontam dados divulgados ontem pelo Ministério da Educação.

Em números absolutos, 6,3 mil dos 24,9 mil formandos da área que participaram no ano passado da avaliação federal estavam em cursos com notas 1 e 2, as mais baixas na escala de qualidade (que vai até 5).

O dado fica ainda mais grave quando se considera que a engenharia é uma das áreas do país mais carentes de mão-de-obra qualificada. Empresas chegam a recrutar profissionais no exterior e entidades representativas da indústria já declararam que a falta de engenheiros é um grande problema para o crescimento do Brasil.

Os números sobre as escolas de engenharia fazem parte de um indicador do MEC chamado Conceito Preliminar de Cursos, que considera, entre outros pontos, as notas dos alunos em uma prova (Enade), a proporção de professores doutores e a avaliação dos alunos quanto à infraestrutura do curso.

Além de engenharia, foram avaliados também cursos de humanas e de tecnologia (curta duração), além de outros do campo das exatas. As áreas são analisadas a cada três anos. USP e Unicamp, por discordarem da metodologia, não participam da avaliação.

O governo utiliza as informações para aumentar a fiscalização em cursos que tiveram baixos indicadores. Em direito, por exemplo, algumas instituições tiveram de cortar vagas.

Melhorias

A área de engenharia foi uma das que tiveram a maior proporção de cursos com notas 1 ou 2 na última avaliação (2008). No setor de materiais, 39% dos cursos ficaram nessa faixa. Na civil, 32%.

Conselheiro da Confederação Nacional dos Engenheiros, Pedro Lopes afirma que os cursos da área são heterogêneos. "Alguns são de ponta, outros precisam de muitos ajustes."

Os dados do MEC reforçam essa posição. Se por um lado 6,3 mil estudantes se formaram em cursos reprovados, outros 6,5 mil estavam em cursos com notas 4 e 5 (as mais altas).

"Alguns cursos têm deficiências em laboratórios ou precisam de ajustes no currículo. Em outras faltam professores com doutorado", afirma Lopes.

A secretária de Educação Superior do MEC, Maria Paula Dallari Bucci, disse que as consequências em relação aos cursos com resultados insatisfatórios serão sentidas só após as visitas às escolas, o que deve ocorrer até o ano que vem.

O presidente do Inep (órgão do MEC), Reynaldo Fernandes, diz que a concentração de cursos com notas 1 e 2 pode ser um problema de qualidade ou uma heterogeneidade da área. Devido à metodologia, uma instituição de ponta pode puxar a média para cima, deixando as demais com notas baixas.

Escola de engenharia em crise: tragédia

Na década de 70, época do milagre econômico, quando no Brasil tínhamos algo em torno de 250 cursos de engenharia, a procura por um curso de engenharia pelos jovens era grande e a qualidade era alta, pois estava parametrizada no nível de qualidade das escolas tradicionais de engenharia, dentre as quais a Escola Politécnica da USP, a Escola de Engenharia da UFRJ, o ITA - fonte de inspiração da Faculdade de Engenharia Elétrica da Unicamp -, a FEI e a Mauá, entre outras.

A qualidade era mantida devido ao fato de que o material humano recebido, oriundo das escolas públicas, detinha um padrão de qualidade altíssimo que é até hoje reverenciado e citado como uma das grandes perdas nacionais.

Tudo virou pó junto com a destruição da escola pública. Nossos grandes projetos foram definhando por duas décadas praticamente. Deixamos de pensar em tecnologia e passamos a valorizar o "pé de boi", dar um jeitinho passou a ser ciência (ou ainda é!) e nossos salários foram lá embaixo.

O pior reflexo desta fase foi a imagem que a engenharia passou aos jovens, sobretudo aquele do ensino médio. A engenharia deixou de ser uma profissão nobre, que muitos aspiravam ter, para ser uma profissão de desempregados, profissionais mal remunerados, responsável pela agressão ao ambiente e associado à corrupção. Por incrível que pareça, a escola pública acompanhou este pensamento e deixou de incentivar seus jovens a seguir esta carreira. O estudante que ousava manifestar seu interesse pelas exatas era ridicularizado nas salas de aula.

O país, acompanhando esta tendência, deixou de investir em tecnologia, de modo que a tecnologia e a inovação saíram do cenário de incentivo governamental, quando ainda não tínhamos uma estrutura empresarial sólida para sustentá-la.

A baixa remuneração afastou também os profissionais da área tecnológica. Assim, os professores de física, matemática e química, vetores de incentivo juvenil à carreira tecnológica, preferiram procurar empregos em outras carreiras mais bem remuneradas a ser um professor de escola pública, mal pago e não respeitado.

Estima-se que no Brasil faltem 80 mil professores de física e matemática e 50 mil professores de química; isto é, temos algo em torno de 130 mil profissionais ensinando física, química e matemática que não entendem nada de física, química e matemática - e transformam estas três disciplinas em um bicho de sete cabeças que afasta nosso jovem de uma carreira tecnológica.

São os frutos deste cenário que estamos colhendo ao analisar o desempenho das engenharias neste último Enade. A formação do nosso ensino médio é centrada em humanidades, quando deveria ser equilibrada com a tecnologia, isto é, as disciplinas de exatas são um apêndice na estrutura curricular.

Como consequência, as escolas de engenharia, em particular as particulares, deixaram de receber recursos humanos qualificados e bem formados, o que exigiu mudanças nas suas estruturas curriculares para tentar manter esse aluno em sala de aula. É comum encontrar em escolas de engenharia cursos de matemática que são meras revisões de conteúdos que deveriam ser supridos pelo ensino médio.

O Brasil comporta atualmente mais de 1.500 cursos de engenharia. Mais de 300 mil estudantes estão matriculados nestes cursos. No entanto, em média, menos de 15 alunos se formam por curso - e 60% daquele contingente se evade ao final do segundo ano, justamente por não ter formação adequada para acompanhar as exigências de um curso com alto teor de disciplinas tecnológicas.

Precisamos, urgentemente, recuperar a qualidade dos cursos de engenharia, sob pena de não conseguirmos atender aos desafios do desenvolvimento que o nosso país enfrenta neste momento.

Universidades contestam os resultados

Questionada sobre seu desempenho no Enade, a pró-reitoria de graduação da Universidade Estadual do Maranhão disse que o mau resultado se deve ao boicote dos alunos. De acordo com a pró-reitoria, o curso de engenharia mecânica da universidade está passando por uma reestruturação.

O diretor do campus da Faculdade Metropolitana de Camaçari (BA), Álvaro Orlando dos Santos, disse que o curso de engenharia de controle e automação da instituição foi reconhecido pelo MEC em agosto.  Segundo ele, isso não aconteceria caso a graduação não tivesse qualidade.

Já a Ulbra (Universidade Luterana do Brasil) disse que só irá se manifestar após ser informada oficialmente. A Ulbra é responsável pelo Centro Universitário Luterano de Palmas (TO), cujo curso de engenharia agrícola está entre os mais mal avaliados.

A Universidade de Guarulhos (SP), a Faculdade de Ciência e Tecnologia de Montes Claros (MG), a Faculdade de Caldas Novas (GO) e o curso de engenharia cartográfica da UERJ não responderam.

(Folha de SP, 4/9)


Data: 04/09/2009