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Um em cada quatro futuros professores do país se forma em cursos ruins

Cerca de 71 mil estão em cursos de Pedagogia com notas 1 e 2; só 9 dos 763 avaliados tiveram conceito máximo


Um em cada quatro futuros professores do país se forma em cursos de má qualidade. São 71 mil alunos em 292 cursos de Pedagogia que receberam os mais baixos conceitos em avaliações do Ministério da Educação. Só nove dos 763 avaliados tiveram nota máxima.

A má formação de professores é apontada por especialistas como uma das causas da baixa qualidade do ensino - principalmente público - no país. Recentemente, governos federal e do Estado de São Paulo lançaram programas para formar mais docentes em universidades de excelência e capacitar os que estão trabalhando.

A quantidade de cursos de Pedagogia ruins cresceu desde a última avaliação, em 2005. Eram 172 cursos com índices 1 e 2 no Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade), o que equivalia a 28,8% do total, e agora são 30,1%. A área, que forma professores, coordenadores e diretores para as escolas brasileiras, tem hoje 284 mil alunos. É a terceira graduação com o maior número de estudantes no País e a mais numerosa entre as avaliadas no ano passado.

O MEC divulgou ontem os resultados de exames feitos em 30 áreas. Além de Pedagogia, foram avaliadas as engenharias, licenciaturas e cursos tecnológicos. O cruzamento dos resultados da avaliação com o número de alunos foi realizado pelo Estado. O ministério agrupa as áreas da graduação em três blocos e a cada ano um deles passa pelos exames. Os formandos e os calouros participam do Enade, que substituiu o Provão.

A nota é somada a um índice que retrata quanto o aluno melhorou durante a graduação, a uma avaliação que os estudantes fazem do curso e a informações sobre professores. Desse cálculo sai o Conceito Preliminar do Curso (CPC), expressado por notas que vão de 0 a 500, agrupadas em conceitos de 1 a 5.

"Uma melhora contribuiria muito para o avanço da qualidade da educação no País", diz a diretora executiva da Fundação Lemann, Ilona Becskeházy. Segundo ela, quem faz Pedagogia hoje no Brasil é o jovem já mal formado pelo ensino básico e que opta por curso menos concorrido. "Se quisermos ter professores melhores, os cursos devem exigir mais dos que entram."

Especialistas alertam para o excesso de teoria nos cursos de Pedagogia. "Há distanciamento da realidade da sala de aula. O curso forma para ser especialista, professor de faculdade, e não professor de sala de aula", diz Zélia Cavalcanti, coordenadora do Centro de Formação da Escola da Vila.

Em São Paulo, o governo aprovou em 2008 um estágio probatório para novos professores da rede estadual. Só depois de três anos nas salas de aula, eles podem ser contratados. Neste ano, foi instituída ainda uma prova para os profissionais já aprovados em concurso, que também serve para garantia de permanência no cargo. No total de cursos de Pedagogia ruins, 12 são da capital.

O professor da Faculdade de Educação da USP Ocimar Munhoz Alavarse acredita que os cursos de formação de professores são o grande desafio na educação básica brasileira. "Não temos reserva de mercado, há que se trabalhar com os professores que temos."

O Brasil tem déficit de professores principalmente em áreas como biologia, física e química. Neste ano, o governo federal lançou um programa com 331 mil vagas em cursos de Licenciatura de universidades públicas para professores que já lecionam e não têm graduação ou são formados em disciplinas diferentes das que atuam. Entre os piores cursos de Pedagogia há 59 oferecidos por instituições públicas, entre elas, nove federais. A Unesp têm quatro cursos entre os melhores do país.
(Renata Cafardo e Lisandra Paraguassú, com a colaboração de Elida Oliveira e Fabio Mazzitelli)

Currículo e estágio fazem a diferença

A coordenadora do Departamento de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-RJ), Maria Rita Salomão, atribuiu a conquista do primeiro lugar na avaliação do MEC à reformulação da grade curricular do curso, ocorrida em 2007, logo após a publicação das novas diretrizes adotadas pelo governo federal.

"O novo currículo é mais denso e voltado para o mercado de trabalho", diz ela. Além da formação teórica, os alunos fazem estágios e podem participar de projetos de pesquisa da pós-graduação.

Por meio de um convênio com escolas da rede pública municipal, os alunos podem trabalhar antes mesmo de formados.

Outra razão para o sucesso do curso, segundo Maria Rita, é o tamanho das turmas. São cem alunos matriculados por semestre. "Como são poucos, temos uma atenção quase individual", afirma.

A mensalidade custa cerca de R$ 1.200, mas 80% dos estudantes são bolsistas ou oriundos de projetos sociais, como o Programa Universidade para Todos (ProUni). O salário dos professores varia de acordo com o plano de carreira, que paga melhor aos que têm mais especialização.

Além disso, Maria Rita destaca a interdisciplinaridade. "Os alunos da PUC se beneficiam por estudar em um único câmpus. Podem cursar matérias de todas as áreas e têm convivência universitária." Palestras e seminários complementam a formação.
(Fabiana Cimieri)

Formação tem de ser contínua e aprimorada constantemente

A Coordenadora de um dos quatro cursos que tiveram melhor classificação na Pedagogia da Unesp, Tania Brabo diz que os cursos ruins prejudicam a educação brasileira, mas é preciso investir em formação contínua dos professores:

- Alunos formados em cursos ruins serão maus professores?

Dar aulas mal preparadas depende de uma série de fatores, mas há inúmeras dificuldades, como pouco investimento na formação continuada. O pedagogo pode atuar em diversas áreas, mas a principal é a rede pública de ensino.

- O que esperar da educação com profissionais formados em cursos de má qualidade?

Uma necessidade urgente é a formação em continuidade para que eles possam desempenhar um bom trabalho. Todas as profissões precisam de aprimoramento. Na educação, é essencial, porque a sociedade é dinâmica.

- Ao que a senhora atribui a má avaliação dos cursos de Pedagogia?

Cada curso deve fazer uma análise crítica sobre o ensino que oferece. Existem inúmeros fatores: vontade política, ações educacionais voltadas para a educação de qualidade e uma boa formação. Mas é importante lembrar que a formação de um profissional que fará que a educação cumpra o seu papel social, formando cidadãos.

- A área de Pedagogia é desvalorizada?

Deveria ser mais prestigiada em todos os sentidos, tanto em formação quanto em valorização profissional e salarial. Esses profissionais vão atuar com a base, a formação inicial de qualquer pessoa. São crianças e jovens que vão seguir outras profissões.

- Por que a Unesp se destacou?

Temos a preocupação de nos adequarmos à sociedade atual. Damos destaque ao ensino dos fundamentos e da gestão, à educação infantil e inclusiva e à formação de pesquisadores, além de termos uma ótima pós-graduação.

- Como ensinar a prática da sala de aula?

Temos estágios obrigatórios, projetos de grupos de pesquisa e atividades de extensão em projetos de escolas de Marília e região.

"Falta dinheiro", afirma coordenadora

Último lugar na avaliação do MEC, o curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Piauí - campus São Raimundo Nonato, a 450 km de Teresina -, formará sua primeira turma em 2010.

A coordenadora Laíde Bastos atribui a deficiência à falta de preparo dos profissionais. "Não temos professores qualificados", diz. Segundo ela, "muitos professores não querem trabalhar" porque o salário, por 20 horas/aula, é de R$ 600 para os graduados. Especialistas ganham R$ 708,80.

"Não temos nenhum mestre na área", afirma. O único doutor deve se apresentar na próxima semana e trabalhará por R$ 1.720. O curso tem oito professores. Nenhum é concursado. Os contratos são de um ano, renováveis por igual período. "Isso atrapalha muito", reconhece.

Laíde diz acreditar que será exonerada antes de completar um ano no cargo. "Já aconteceu com outras colegas", desabafa. "Não quero falar mal da instituição em que trabalho, mas falta dinheiro. Mesmo assim, a gente faz pesquisa de campo", defende. Os telefonemas da reportagem foram atendidos por alunas que estavam na biblioteca.

(O Estado de SP, 4/9)


Data: 04/09/2009