topo_cabecalho
Para STF, regulação profissional extrapola o diploma

Demandas de mercado e conhecimento técnico resguardariam profissões

 

O fim da exigência do diploma para exercício do jornalismo, decidido pelo STF (SupremoTribunal Federal) no último dia 17 de junho, trouxe à tona, junto com os argumentos dos juízes do STF, questionamentos sobre a aplicação dos mesmos critérios a outras profissões regulamentadas. Afinal, as justificativas do STF para eliminar a necessidade de diploma de jornalista referem-se ao resguardo da liberdade de expressão, à relevância pública e social da profissão e à inexistência de técnicas específicas para o desenvolvimento das atividades jornalísticas.

 

Tais argumentos não serviriam, no entanto, para todas as profissões, conforme afirma o presidente da OABSP (Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo), Luiz Flávio Borges D'Urso em relação ao Direito que, além do diploma, demanda aprovação do profissional junto ao órgão de classe para poder ser exercido. "Não é a leitura da lei que faz de alguém um jurista, mas sua interpretação. O leigo não tem como conhecer isso", afirma. O mesmo valeria para profissões relacionadas à saúde, como a odontologia, que demandam conhecimentos técnicos específicos e, portanto, fogem à argumentação do STF. "Estamos falando de saúde, de exercício de uma profissão em que se pode fazer diagnóstico e intervenções no corpo humano. O que é impossível se o indivíduo não é habilitado, se não tem o diploma", salienta Rubens Corte Real, do CFO (Conselho Federal de Odontologia

 

Embora a decisão do STF abra precedente para questionar a exigência do diploma em outras profissões, a dinâmica das demais profissões deve evitar questionamentos mais contundentes. É no que acredita Otacílio Amaral Filho, diretor da faculdade de comunicação da UFPA (Universidade Federal do Pará). "A Medicina, por exemplo, tem um impacto social muito grande, mas a atividade em si é muito internalizada e só os resultados vêm a público. O jornalismo subverte o espaço público porque lida com a informação escancaradamente", analisa. A afirmação corrobora a opinião do ministro e presidente do STF, Gilmar Mendes. "O ponto crucial é que o jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e informação", explica.

 

O questionamento acerca da exigência de diploma em outras profissões extrapola a aplicação dos mesmos critérios. Isso porque, segundo Mello, a sugestão de que os diplomas de outras profissões possam cair contraria a evolução. "Não posso acreditar nisso sob pena de desregulamentação total e porque seria um retrocesso em termos culturais. Temos que avançar e buscar o aprimoramento", acredita.

 

Ele faz, ainda, um paralelo sobre os riscos de ampliar a discussão sobre liberdades individuais sob o risco de subverter a organização social. "Falou-se muito em liberdade de expressão para determinar o fim do diploma de jornalismo, mas não podemos partir para contextos específicos. Ou então vamos questionar a liberdade de ir e vir e podemos chegar ao fim da CNH (Carteira Nacional de Habilitação)", exemplifica. "A comparação é exagerada. São coisas distintas e assim deve ser consideradas", completa.

 

Mercado e sociedade

 

A diferenciação do jornalismo perante as demais profissões não o torna imune às forças de mercado, às quais estão sujeitas todas as profissões cuja regulação é pouco eficiente e que tende a desvalorizar o trabalho frente à oferta de mão-de-obra. "Hoje podemos ter jornalistas com os mais variados níveis de formação. Pode ser Superior, Médio ou até Fundamental", conta o ministro Marco Aurélio Mello, também do STF e único a votar contra o fim da exigência do diploma. Dessa forma, aumenta a oferta de mão-de-obra e a remuneração, logicamente, cai. D'Urso, presidente da OABSP, alerta ainda para o risco de perda de qualidade da profissão. "Ao longo do tempo, se pessoas despreparadas exercerem a profissão, podem rebaixar a qualidade", alerta.

 

Na concepção de Mendes, no entanto, o diploma não é a única forma de assegurar a qualidade do trabalho profissional. A autorregulação promovida pelo mercado, para ele, é eficiente para separar bons e maus profissionais. Assim, caberia às empresas promover a regulação e a manutenção da qualidade. Sob essa perspectiva, Filho, da UFPA, considera que o STF tirou da sociedade e entregou às empresas o direito de decidir o que é liberdade de expressão. "Basta olharmos a história para vermos que essa decisão não é muito promissora. Temos como exemplo a escravidão, a exploração de mão-de-obra infantil. Isso, decididamente, é ruim", lamenta.

 

Dentre as justificativas do STF para abolir a exigência do diploma para jornalistas está a afirmação de que se trata de atividade profissional de grande relevância profissional e que, portanto, não deveria ser limitada apenas aos detentores do diploma. É possível questionar, sob esse aspecto, os riscos à sociedade do exercício da profissão por profissionais não qualificados. No entanto, de acordo com o voto do ministro Cezar Peluso, favorável ao fim da obrigatoriedade do diploma, os riscos decorrentes da atividade jornalística não são eliminados com a mera exigência do diploma. Esses, afirma em seu voto, "correm à conta de posturas pessoais, de visões do mundo, de estrutura de caráter e, portanto, não têm nenhuma relação com a necessidade de freqüentar curso superior específico, onde se pudesse obter conhecimentos científicos que não são exigidos para o caso".

 

No mesmo sentido vai a argumentação de Mendes. "Um excelente chefe de cozinha certamente poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso Superior nessa área", comentou, de acordo com informações da Agência Brasil. Mello, em contraponto, contesta o argumento. "Presume-se que a pessoa que passa quatro anos numa faculdade e detém o diploma tem uma base maior para redigir, informar e entrevistar, considerando a ética e as exigências da profissão", explica. "A exigência do diploma não implica em prejuízo à veiculação de informações e idéias. Pelo contrário, associa-se à prestação de serviços de maior valor", completa.

 

Algumas profissões não têm tanta visibilidade ou relevância social quanto o jornalismo, mas, além de carecerem de regulamentação, têm problemas com aquela promovida pelo mercado. É o caso do Design, cujos profissionais não são reconhecidos e, portanto, não podem participar de concursos públicos, e concorrem com profissionais de outras áreas, como a arquitetura. "Queremos definir áreas de competência, em que cada um é responsável pela sua especialidade. Afinal, só arquiteto assina planta de arquitetura", explica a diretora financeira da ADG Brasil (Associação Brasileira de Design Gráfico), Sônia Carvalho.

 

Ela acredita que a regulação traria benefícios aos profissionais, mas não configuraria reserva de mercado. "Seria o reconhecimento da profissão, que existe no Brasil desde a década de 1950, e permitiria melhor entendimento e absorção da nossa capacidade profissional, principalmente por órgãos públicos", conta. Os resultados, acrescenta, seriam benéficos também para as escolas de design. "Não adianta ter muitos cursos de design sendo oferecidos se a profissão pode ser exercida por qualquer um. A regulação serviria também para elevar a qualidade, pois os profissionais teriam de registrar os projetos", ressalta.

 

D'Urso também não encara a regulamentação do Direito como reserva de mercado. "No Direito, a pessoa não tem condições de ser autodidata. São cinco anos de estudo e, ainda assim, 80% dos candidatos são reprovados no exame da OAB", salienta. No caso da odontologia, Corte Real cita os cursos de especialização como instrumentos adicionais para regular a profissão "Logicamente, quem tem o diploma de cirurgião-dentista pode atuar em qualquer área. Mas a especialização resguarda o profissional sobre o assunto", finaliza.

 

(Universia)


Data: 31/08/2009