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A história secreta da televisão digital no Brasil

Marcelo Alencar
Professor da UFCG e Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Telecomunicações (SBrT).

A televisão digital vem sendo discutida há décadas no Brasil e no mundo, mas as ações efetivas para sua implantação no País começaram no final da década de 1990, com o trabalho da Comissão Brasileira de Comunicações CBC.2 da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Na época, a CBC.2 era coordenada por Luiz Fernando Ferreira Silva. A coordenação geral de todas as comissões ficava a cargo do Conselheiro José Pereira Leite Filho. Diversas entidades profissionais da área foram convidadas a integrar a CBC.2. A Sociedade Brasileira de Telecomunicações (SBrT) indicou como seu representante, no início de 2000, um de seus Diretores, o professor Marcelo Sampaio de Alencar.

No final da década de 1990, em 1998, foi realizado um convênio entre a Universidade Presbiteriana Mackenzie, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Sociedade de Engenharia de Televisão (Set), como apoio do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Padre Roberto Landell de Moura (CPqD), para testar os sistemas de televisão digital que estavam sendo colocados em operação no mundo: o americano ATSC, o europeu DVB-T e o japonês ISDB-T.

Os testes com o padrão americano e com o europeu foram feitos entre outubro de 1999 e julho de 2000. Os resultados dos testes foram enviados, em 2000, à Anatel com o objetivo de subsidiar a decisão do governo brasileiro em relação ao padrão a ser adotado no País. O padrão japonês só foi avaliado em 2003.

Em 1999, a Anatel, estabeleceu um termo de cooperação técnica com o CPqD, e deu início ao processo de avaliação técnica e econômica para a tomada de decisão quanto ao padrão de transmissão digital a ser usado no Brasil para o serviço de radiodifusão de sons e imagens.

A análise dos testes de laboratório e de campo de sistemas de televisão digital foi divulgada pela Anatel em abril de 2001, juntamente com o Relatório Integrador dos Aspectos Técnicos e Mercadológicos da Televisão Digital.

A Anatel autorizou então as concessionárias do serviço de radiodifusão sonora de sons e imagens a executarem testes de laboratório e de campo com sistemas de transmissão digital, objetivando avaliar os aspectos técnicos concernentes à melhoria da qualidade do serviço. Os sistemas testados foram os três existentes no plano mundial: norte-americano, europeu e japonês.

O CPqD prestou assessoria técnica na especificação dos testes realizados pelas concessionárias, acompanhou os testes em campo e apresentou à Anatel o Relatório de Análise dos Testes de Laboratório e de Campo de Sistemas de TV Digital Realizados no Brasil.

O planejamento da canalização para a televisão digital, coordenado pela Anatel, com suporte técnico do CPqD e das emissoras (Set/Abert) teve início em maio de 2000 e término em novembro de 2003. As premissas do planejamento eram:

a) Os canais digitais mantêm a largura de banda de 6 MHz e cobertura igual à dos canais pares analógicos;
b) Os canais analógicos são considerados para provimento de par digital;
c) As localidades cobertas pelo planejamento devem ser atendidas por pelo menos uma estação geradora de TV, ou atendidas unicamente por estações retransmissoras, desde que com população superior a 100 mil habitantes (Censo IBGE  2000), ou com população inferior a 100 mil habitantes (Censo IBGE  2000), mas situadas distantes até 3 km de localidades atendidas por estações incluídas nos dois casos anteriores
(co-localizadas).
d) Os parâmetros técnicos utilizados foram aqueles obtidos a partir dos resultados de testes de laboratório e de campo realizados em São Paulo;
e) Para o padrão de modulação foi considerado aquele que exige maior intensidade de sinal no receptor (pior situação), privilegiando a recepção interna nas áreas urbanas;

De acordo com o planejamento, seriam disponibilizados 1893 canais digitais, com 296 localidades abrangidas, para uma população atendida de 110 milhões.

Em outra ponta do processo, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) publicou um edital em 2001, dentro do programa Rede de Desenvolvimento de Competências e Tecnologias de Informação e Comunicações (RDC-TIC), solicitando projetos na área de televisão digital. O coordenador da Diretoria de Programas Horizontais do CNPq era Celso Pinto de Mello. A reunião na qual foi criado o programa foi realizada em 13 de setembro de 2001.

Ao todo 30 propostas de consórcios foram submetidas ao programa RDC-TIC, e oito foram selecionadas pelo CNPq. Um dos consórcios, classificado em segundo lugar no processo de avaliação,  foi o Consórcio Nordeste para Formação de Talentos Humanos em Tecnologias da Informação e Comunicação: Convergência e TV Digital (CTH-CTV).

Mais de 20 projetos compunham o consócio, que envolvia a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), depois desdobrada para Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Universidade Salvador (Unifacs), a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a Fundação CPqD, o Instituto Tecnológico de Pernambuco (ITEP), a TV Globo (Rio de Janeiro), o Instituto de Tecnologia Genius, de  Manaus, a Motorola do Brasil, a Telecom Italia Mobile e o Centro de Estudos Avançados do Recife (CESAR).

O Presidente do Comitê de Gestão do consórcio era o Professor José Ewerton Pombo de Farias (UFPB). O Comitê tinha ainda como membros, os Professores Marcelo Sampaio de Alencar (UFPB), Pedro S. Nicolletti (UFPB), José Antônio G. de Lima (UFPB), Alberto Mesquita (UFPE), Edna Barros (UFPE), Joberto Sergio B. Martins (Unifacs) e os Engenheiros Antônio Cláudio F. Pessoa (CPqD), já falecido, Liliana Nakonechnj (Rede Globo) e Marcel Bergerman (Genius). O projeto foi aprovado, mas nunca chegou a receber os recursos.

José Ewerton Pombo de Farias, na época Assessor da UFPB para Assuntos do Funttel (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações), já havia coordenado a montagem de outro projeto da UFPB. O primeiro consórcio firmado, contava com a UFPB, CPqD, Intituto Genius, UFRN, Unifacs, UFPE, Globo e Cesar. O projeto foi o único submetido na época ao CNPq, mas o edital foi suspenso. A idéia também era a formação de recursos humanos para televisão digital.

Em 2003, o Presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Professor Sérgio Rezende, criou a Câmara Técnica Setorial de Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicacões, para definir as prioridades de aplicação de recursos dos fundos administrados pela Finep.

A Câmara foi instalada no dia 24 de outubro de 2003, na sede da Finep, com seguinte composição: Marcelo Sampaio de Alencar (UFCG), Hélio Waldman (Unicamp) e Nelson Wang (Siemens).  A supervisão ficou a cargo de José Ellis Ripper e José Fernando Faraco, do Conselho Consultivo da Finep. A secretaria técnica ficou com Paulo Roberto Tosta da Silva, da Finep.

Essa Câmara aprovou a prioridade para alocacão de recursos para o projeto de televisão digital e para o projeto GIGA, semicondutores, além de outros. A Câmara teve reuniões até 2004. Após a saída de Sérgio Rezende para ocupar o Ministério da Ciência e Tecnologia, a Câmara não teve mais reuniões.

No mesmo ano, o Grupo de TV Digital da Universidade Presbiteriana Mackenzie publicava o resultado de testes de laboratório em receptores comerciais da última geração disponíveis no mercado para os padrões ISDB-T, DVB-T e ATSC, em um relatório de reavaliação, tendo em vista as atualizações tecnológicas sofridas pelos três padrões. Testes de campo não foram realizados.

Ainda em 2003, numa reunião com o Ministro Miro Teixeira, com a participação dos Professores João Marcos Romano, Valdemar Cardoso da Rocha Jr., Marcelo Sampaio de Alencar, da SBrT, além de Hélio Graciosa, do CPqD, e outros, foi acertada a realização de um Workshop em Campinas, na Unicamp.

O Ministério das  Comunicações começava a se empenhar no desenvolvimento do SBTVD, que deveria ser implantado até 2006. Em função deste interesse, a Sociedade Brasileira de  Telecomunicações organizou o primeiro encontro de trabalho (I Workshop Técnico sobre o Projeto do Sistema Brasileiro de Televisão Digital), nos dias  11 e 12  de agosto de 2003, na Unicamp. O evento foi aberto pelo Ministro Miro Teixeira.

Como resultado imediato deste encontro foram organizados Grupos de Trabalho para levantamento de competências na área e mineração de projetos. Estes Grupos poderiam ser ampliados, reduzidos ou eliminados em função do andamento do projeto, que seria submetido ao Funttel pelo CPqD no dia 15 de setembro de 2003. Durante o evento o Professor Marcelo Sampaio de Alencar foi designado, juntamente com o Professor Dalton Arantes, para coordenar o Grupo de Comunicações do SBTVD.

O projeto completo teria duração de até 48 meses, com um orçamento inicial de R$ 80 milhões. O Governo Federal publicou um decreto, definindo a participação da comunidade científica na elaboração do padrão de televisão digital. Ficou definido que o primeiro ano do projeto seria dedicado à análise de alternativas para o padrão nacional de televisão digital. Os projetos foram elaborados no formato de pacotes de trabalho.

Os pesquisadores que desenvolviam pesquisas na área tiveram até o dia 18 de agosto de 2003 para encaminhar as informações aos Coordenadores de Área. As informações fornecidas foram consolidadas em um relatório entregue ao Ministério das Comunicações. A divisão dos Grupos de Trabalho ficou assim:

Grupo 1 - Aplicações, Serviços e Conteúdos, coordenado por Guido Lemos de Souza Filho.
Grupo 2 - Camada Intermediária de Software, coordenado por Graça Bressan.
Grupo 3 - Compressão, Transmissão e Rede, coordenado por Regina Mello Silveira.
Grupo 4 - Comunicações (Camada Fisica), cuja coordenação geral ficou com  Marcelo Sampaio de Alencar (UFCG) e Dalton Soares Arantes (Unicamp).


Data: 14/02/2006