topo_cabecalho
MEC discute a volta do "vovô viu a uva"

Governo vai rever processo de alfabetização; debate opõe linha construtivista, predominante hoje no país, e o método fônico

O Ministério da Educação (MEC) vai revisar o processo de alfabetização para as primeiras séries do ensino fundamental e abrir uma polêmica pedagógica.

O ponto mais discutido desse debate divide educadores da linha construtivista, predominante na maioria das escolas públicas e privadas do país, e defensores do método fônico, priorizado hoje em vários países desenvolvidos.

A discussão surge no preparo das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para as séries iniciais do ensino fundamental, que ganhou um ano a mais nesta semana com a nova lei que amplia para nove anos o tempo mínimo desse nível de ensino.

O ministro Fernando Haddad pediu à Secretaria de Educação Básica que inicie a discussão com educadores de várias correntes.

"Na oportunidade em que estamos mudando a estrutura e o padrão de financiamento da educação [com a aprovação do Fundeb], entendemos que seria interessante iniciar um debate sobre alfabetização, tendo em vista os altos índices de repetência na primeira série do ensino fundamental. O ministério não está tomando partido de nenhuma corrente, mas, se o mundo inteiro fez esse debate, achamos que é preciso fazê-lo no Brasil também."

A Diretrizes Curriculares Nacionais são aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação e definem o que se espera em cada idade que uma criança aprenda em determinada série.

A partir dessas diretrizes, o MEC produz os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), instrumento que é distribuído para professores de todo o Brasil com o sentido de orientar como trabalhar os conteúdos em sala de aula.

Os PCNs em vigor atualmente foram elaborados na gestão do ministro Paulo Renato Souza.

Neles, é evidente a influência das teorias construtivistas, que descartam o uso de textos ou cartilhas elaborados com o objetivo de promover a decodificação do alfabeto e que levem a associações entre fonemas e letras.

Para os construtivistas, melhor é trabalhar com textos reais, ou seja, aqueles que já fazem parte do universo infantil, como o de um livro.

A prioridade dada à associação entre fonemas e letras é o principal ponto que divide defensores do método fônico e os que adotam propostas construtivistas.

No método fônico, a ênfase está em ensinar a criança a associar rapidamente letras e fonemas. Ou seja, a criança aprende rapidamente que o código que representa a letra "A" é associado ao som "A".

Para isso, o método fônico lança mão de material didático com textos produzidos para esse fim. "Vovô viu a uva", por exemplo, pode ser usado para ensinar à criança que aquele código da letra "V" é associado a um som.

Entre os construtivistas, há correntes que variam entre os que rejeitam completamente o método fônico e aqueles que aceitam alguns elementos da teoria.

O ponto comum entre a maioria dos construtivistas, porém, é rejeitar a prioridade do processo fônico e, principalmente, o uso de um material único a ser aplicado em todos os alunos.

Por isso que as escolas dessa linha tendem a usar textos já escritos por outros autores no processo de alfabetização.

Apesar da predominância das teorias construtivistas nos atuais parâmetros curriculares, os defensores do método fônico vêm ganhando visibilidade após alguns países desenvolvidos terem revisto a ênfase dada no passado ao método global (whole language, em inglês), usado por muitos construtivistas.

Os governos da França, Inglaterra e EUA, por exemplo, desaconselharam o uso exclusivo do método global. Os EUA, por exemplo, não financiam programas de alfabetização que descartem o método fônico.

Para os defensores do método fônico no Brasil, essas são evidências de que o país está remando contra a maré dos países desenvolvidos.

Para boa parte dos construtivistas, no entanto, os dois métodos podem ser combinados.

Educadores já iniciam debate sobre mudança

Entre os especialistas a serem consultados pelo MEC no debate pedagógico, dois já foram procurados pelo ministro.

São o consultor João Batista Araújo Oliveira, que elaborou um programa de alfabetização pelo método fônico utilizado por diversas prefeituras no Brasil, e a educadora Magda Soares, membro do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Faculdade de Educação da UFMG.

Os dois discordam ao interpretar o movimento feito pelos países desenvolvidos. Para Soares, o que está acontecendo em nações como EUA, França e Inglaterra é uma tentativa de equilíbrio.

Para Oliveira, é uma sinalização clara de que o método fônico é mais eficiente.

"Tivemos um movimento pendular em que passamos de uma etapa em que só se valorizava essa relação entre fonemas e grafemas para o extremo oposto, que menosprezava a aprendizagem desses códigos. O que esses países estão dizendo hoje é que não se pode desprezar o aprendizado desses códigos e que é preciso incluir esse componente no processo de alfabetização. Mas eles não afirmam que a alfabetização deva se resumir somente a isso", afirma a educadora.

Oliveira discorda: "Esses países não estão dizendo que a alfabetização se esgota no ensino da decodificação, mas que, para ensinar a decodificar, os professores devem usar o método fônico. Isso é um fato, e não uma opinião. Basta ler as diretrizes desses países na internet".

Definição de método melhora rendimento

Os municípios de Itaguaí (RJ) e Catas Altas (MG) fizeram escolhas distintas, mas não se arrependeram. As duas redes municipais não tinham uma proposta clara de alfabetização de crianças.

Itaguaí, onde muitos professores utilizam o método global, optou pelo método fônico e reduziu o analfabetismo entre crianças na primeira série.

Catas Altas priorizou a proposta construtivista e reduziu a repetência e a evasão.

Em Itaguaí, a mudança ocorreu no ano passado, quando o município passou a adotar o programa Alfa e Beto, elaborado pelo educador João Batista Oliveira a partir do método fônico.

"Após prepararmos os professores, o percentual dos alunos que não sabiam ler nem escrever caiu de 70% para 16%", afirma a coordenadora do programa em Itaguaí, Lívia do Nascimento.

Em Catas Altas, a história de Itaguaí se repetiu, mas na tendência inversa.

O município foi beneficiado pelo programa Escola que Vale, da Vale do Rio Doce, e teve apoio da ONG Cedac (Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária).

"Passamos a trabalhar somente na linha construtivista e seguindo as orientações dos PCNs. Uma avaliação externa mostrou que os alunos passaram a ter melhor rendimento", diz a secretária municipal de Educação, Elaine Adriana de Paula.

A proposta construtivista é a mais usada entre escolas particulares de classe média no RJ e em SP. Uma das escolas que são referência nessa linha é a Escola da Vila, em SP.


Data: 13/02/2006