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Artigo - Sobre o vestibular unificado (parte III)

Wagner Braga Batista

 

O segundo aspecto que nos parece relevante, e merece ser objeto de consideração, é a proliferação de cursos superiores a distância.

 

Em que pesem suas potencialidades, a educação a distância tem contribuído seriamente para a degradação de padrões de qualidade e para a vertiginosa expansão do ensino pago. Em 2008, o contingente de alunos matriculados em cursos a distancia quase duplicou, atingindo a casa dos 760 mil estudantes. A cada dia surgem entidades que se autodenominam educacionais oferecendo cursos a distancia. Há instituições privadas que subsistem com precária infra-estrutura e quadro técnico deficiente ofertando milhares de vagas em todo o país. Duas delas, a Universidade Luterana do Brasil- ULBRA e a Universidade Norte do Paraná- UNOPAR, com 108 mil alunos matriculados, foram alvos de denúncias recentes. As matrículas e a posterior evasão em cursos superiores a distância alcançam índices alarmantes. Atrativos gerados por ardilosas estratégias de marketing seduzem estudantes incautos, sequiosos de acesso ao ensino superior. Com a crescente redução de requisitos para matrícula aumenta a demanda por cursos a distância. Requisitos educacionais mínimos são substituídos por cautelas, como em qualquer atividade comercial. No ato de matrícula exige-se a apresentação de um fiador, de um contracheque e de uma conta bancária com fundos, que assegurem um mínimo de provisão de taxas. Desse modo, a educação a distância despoja-se de suas virtualidades técnicas e pedagógicas convertendo-se em ensino compensatório. Constitui a clientela preferencial da rede privada composta por indivíduos com idade superior a 25 anos, que exercem alguma atividade laboral e que dispõem de algum poder aquisitivo. O aceno de diplomas obtidos por meio de expedientes facilitatórios desperta a atenção desse contingente que frente a barreiras socioeconômicas e educacionais precedentes não vislumbra possibilidade de acesso à rede pública. Portanto, a retificação do sistema educacional brasileiro e a expansão da universidade pública são ações convergentes. Quando discutimos as condições de funcionamento das instituições de ensino superior e a realização de exames vestibulares devemos ter esses óbices em vista. No caso do vestibular trata-se de superar obstáculos colocados por um sistema educacional discriminatório ao invés de agravar barreiras aumentando ainda mais a exclusão social.

 

No último domingo, 24 de maio de 2009, a Folha de São Paulo, editada on line, ofereceu encarte especial. Nele consta a indicação de 120 vestibulares na rede pública e privada que serão realizados no meio do ano (URL:  http://media.folha.uol.com.br/educacao/2009/05/21/vestibular_meio_ano.pdf ). Não resta dúvida de que para os segmentos melhor aquinhoados financeiramente as oportunidades de realização de vários vestibulares é muito maior. Nesse quadro, instala-se a participação desigual. A participação de candidatos, premidos por condições financeiras e dificuldades de locomoção, em apenas um vestibular reduz suas chances de êxito. Essa situação cria oportunidades desiguais e elimina  condições de paridade de acesso à rede pública.

 

A nosso ver, a opção pelo vestibular unificado deve implicar na definição de medidas que melhorem as condições de participação de todos os estudantes, especialmente de egressos da rede pública, das populações próximas às instituições federais de ensino superior e de candidatos carentes. Deve se constituir numa avaliação sistemática, abrangente e consistente, não se limitando a um conjunto de provas que faça uma aferição de desempenho puramente episódica de estudantes.

 

O MEC impôs um prazo exíguo para que as instituições de ensino optassem por sua adoção em 2010. A recusa nesse contexto não é definitiva, pode ser vista como uma posição prudente e não elimina a perspectiva de discussão de todas as implicações dessa proposta. Há questões que merecem ser examinadas de forma mais meticulosa, envolvendo conteúdos exigidos no vestibular unificado e seu impacto nos currículos subseqüentes. A análise dos critérios de seleção também deve ser aprofundada permitindo o emprego de ponderações que beneficiem egressos da rede pública e segmentos populacionais historicamente discriminados.

 

É importante que se compreenda essa proposta como uma diretriz de médio prazo. Uma diretriz que progressivamente pode corrigir e superar consequencias excludentes do exame vestibular, que todos denunciamos.

 

No momento, o diálogo pode contribuir para o aperfeiçoamento de posições favoráveis e contrarias ao vestibular unificado.

 

Defensor dessa proposição, entendemos que requer ajustes. Entendemos, também, que no plano institucional o debate não deve se encerrar de forma sumária. A definição de uma agenda e de um cronograma impede a precipitação e a polarização no processo decisório. Permite que a apreciação realizada pelos órgão colegiados seja feita à luz de novas informações, de pesquisas sobre as reais condições de vestibulandos e do corpo discente da rede pública de superior. Propicia a elaboração de prognósticos mais consistentes, que se coadunem com a feição social das instituições públicas de ensino superior.

 

O debate organizado contribui para dirimir dúvidas que persistem e buscar alternativas que sejam mais profícuas para viabilizar a melhoria das condições de funcionamento institucional. Pode se consubstanciar na realização de expectativas de estudantes de regiões carentes, que buscam acesso à rede pública de ensino superior.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 28/05/2009