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Artigo - Sobre o vestibular unificado (parte II)

Wagner Braga Batista

 

No que tange à participação estudantil esse fenômeno é também ambivalente.

 

Em outra conjuntura, aferições indicavam que grande parte do corpo discente do campus de Campina Grande, da UFPB, era oriunda de outros estados e municípios. Vários fatores contribuíam para isso. Desde o fator atração, gerado pela migração de populações vizinhas para cidades de porte médio até a incidental busca da vaga na instituição de ensino superior. Uma plêiade de fatores complexos intervinha para que o corpo discente fosse composto por quase 70% de estudantes de outros logradouros. Mais essa distinção não nos parece a mais relevante.

 

Em cursos diurnos, mecânicos de oficinas de fundo de quintal, moradores de áreas favelizadas que se formavam em Campina Grande, filhos de lavradores ou de sem terras, entre outros, atenuavam a predominância de estudantes ricos ou de classe média.

 

A UFPB se interiorizava e absorvia segmentos da população que historicamente foram mantidos a sua margem pelas oligarquias locais. Certamente havia uma estratificação socioeconômica que diferenciava o corpo discente. Sob uma ótica impressionista, arriscamo-nos a dizer que essa diferenciação não era tão aguda como nos dias de hoje.

 

A UFCG, graças a políticas afirmativas, ainda abriga um grande contingente de estudantes pobres e remediados. Contudo, o contraste socioeconômico no meio estudantil vem se acentuando. Desse modo, ampliar e equiparar socialmente as condições de acesso ao ensino público superior deve ser um objetivo de todos educadores.

 

Uma vez que não temos acesso aos dados sobre a origem geográfica dos estudantes que ingressam nos cursos mais disputados ( de elite ? ), não nos arriscamos a fazer generalizações temerárias. Contudo, se formos buscar a localização das famílias dos estudantes de alguns desses cursos, teremos alguns indícios esclarecedores. O convite para a formatura dos estudantes de medicina, da UFCG, de 2008, é esclarecedor. Uma parcela expressiva dos formandos procede do Ceará.

 

Nesse debate, as diferenças socioeconômicas saltam aos olhos e são mais significativas que a origem geográfica de estudantes.

 

Disparidades socioeconômicas se manifestam nas matrículas na rede pública e na participação de estudantes em seus diferentes cursos. Assim como ocorre entre a rede pública e privada, há sensível diferença de entre estudantes das áreas de humanas e ciências exatas, considerando a renda familiar. Essa diferença não será minimizada de pronto, posto que não está relacionada apenas a escolhas educacionais, mas também a fatores estruturais da nossa sociedade assimétrica.

 

Apesar dessa evidência, políticas educacionais e ações institucionais não podem perder seu foco. Não podem abstrair a sociedade iníqua em que se inserem, nem tampouco perder de vista seu campo de intervenção, seus objetivos e seu alcance social, por mais limitado que seja. Condições e relações sociais influem decisivamente nos desdobramentos de qualquer projeto educacional, porém não devem servir como argumento que iniba ações nesse âmbito e impliquem em imobilismo de educadores.

 

O nosso colega, Afonso Quintans, falecido recentemente, indagava com freqüência sobre a perspectiva de criação de alguns cursos de nível superior em Sumé, sua cidade natal. Alegava que apenas 2% da população tinham escolaridade necessária para prestar exame vestibular. Sua advertência era pertinente, uma vez que a expansão do ensino público superior é imperativa, porém deve observar a sua localização estratégica para que um objetivo primordial da educação pública não aumente distorções e disparidades.

 

Um argumento em linha inversa foi utilizado pelo professor Naomar de Almeida Filho, Reitor da Universidade Federal da Bahia: "A mobilidade que se está esperando irá contribuir com o desenvolvimento regional". (Novo Enem só cobrará língua estrangeira a partir do ano que vem,  Folha de São Paulo, 1º de maio de 2009, URL:http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0105200916.htm )

Sugere que o ingresso de estudantes de outras regiões fixe novas bases para a universidade e a sociedade locais. Confunde-se com as surradas defesas da diversidade científica e cultural, tão utilizadas para produzir resultados assimétricos, reduzindo ainda mais patamares de equidade e rebaixando as condições de vida de populações pobres.

 

Contudo, é preciso ressaltar que a interação social e educacional é sempre oportuna, desde que preservadas condições dignas de vida e de educação dos agentes envolvidos nesse processo. Convém também assinalar que esse novo sincretismo pode ocorrer apenas parcial e transitoriamente. Como exemplo, rememoramos o caso da nossa UFPB, celula mater da UFCG. Após vários surtos migratórios, quantos professores e estudantes procedentes do sudeste fixaram raízes na Paraíba?

 

Parece-nos equivocado supor que resultados mais significativos do vestibular unificado não ocorrerão a curto prazo. Soa ingênua a presunção de que uma medida dessa natureza, democratize a universidade pública. Apesar da sua importância, o vestibular unificado não corrigirá distorções seculares, nem tampouco democratizará a universidade a curto prazo.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 26/05/2009