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Sustentabilidade: O papel das Ciências Humanas

Pesquisas comportamentais ajudam a sensibilizar as pessoas para questões como redução da emissão de CO2

Cerca de 98% do financiamento federal dos Estados Unidos para pesquisas relacionadas com mudanças climáticas vai para as ciências naturais e físicas, e os 2% remanescentes, atribuídos às ciências sociais. Na linguagem da política social, essa porcentagem vai para o que é chamada de pesquisa de "dimensões sociais", uma descrição abrangente que abarca estudos sobre como indivíduos e grupos interagem com o ambiente.

Paul Stern, psicólogo que chefia o Comitê sobre as Dimensões Humanas da Mudança Global, no Conselho Nacional de Pesquisa em Washington, e cujo trabalho inclui uma análise de como as pessoas consomem energia em casa, disse que as dimensões humanas que usualmente funcionam pertencem a uma destas três categorias: atividades humanas que causam uma mudança ambiental, os impactos da mudança ambiental sobre as pessoas e a sociedade e as respostas humanas a essas consequências.

Grande parte de sua pesquisa é sobre as respostas humanas às experiências (ou experiências esperadas) da mudança climática. O que torna o trabalho particularmente relevante, contudo, é que várias atitudes e respostas do ser humano - como falar em aquecimento global quando tivemos um mês de janeiro gelado? O que vai me ajudar se eu mudar o modo como vivo? - podem fazer os problemas climáticos ficarem piores, já que não são reconhecidos e nem resolvidos. Respostas indiferentes e hostis às mudanças climáticas, em outras palavras, produzem uma realimentação contínua que reforça o processo do aquecimento global.

Os experimentos em laboratório no âmbito das ciências sociais são às vezes criticados pelo dramatismo simulado. Afinal, com que frequência desembolsamos US$ 5 bilhões do Departamento de Energia em moinhos de vento? Além do que, esse mundo formado inteiramente de estudantes da Universidade Columbia é o mundo real?

Esses fatores não afetam necessariamente o conhecimento que os pesquisadores podem obter sobre processos de tomada de decisão humanos; os experimentos em laboratório sobre decisões de investimento, por exemplo, têm oferecido informações úteis sobre nossas decisões de investimento no mundo real.

Troca de informações

No entanto, o trabalho de campo tem um valor que não pode ser sempre reproduzido em laboratório. O experimento projetado por Weber e Handgraaf na verdade aproveitou algumas sugestões da pesquisa feita por outro membro do grupo, Ben Orlove, antropólogo da Universidade da Califórnia, que fez um estudo sobre os agricultores no sul de Uganda. Em 2005 e 2006, Orlove observou como o comportamento dos camponeses pobres da região podia ser influenciado pelo que ouviram em programas de rádio sobre a estação das chuvas, em grupos ou individualmente.

Os agricultores em "grupos comunitários", como Orlove os descreve, engajavam-se em discussões que levavam a um consenso e eles usavam melhor as previsões. "Eles podiam alterar as datas de plantio", disse ele, "ou usar uma variedade de semente mais resistente ao terreno seco". Esses agricultores também pareciam mais satisfeitos com as medidas adotadas para aumentar suas plantações.

O governo Obama está começando a elaborar regulamentos para as emissões de dióxido de carbono, que será a mais importante política relacionada a clima até hoje implantada. Enquanto muitos economistas defendem a simplicidade de um imposto sobre o carbono, parece que cada pessoa de influência no governo dos Estados Unidos concorda que a política do "cap and trade" é preferível.

Por esse sistema, as emissões de carbono têm um limite e as empresas podem comprar e vender créditos de carbono. Talvez seja incompreensível: as associações venenosas da palavra "imposto" parecem já condená-la como política.

Ideologias

Esse pressuposto pode ofuscar o que realmente se passa na cabeça dos americanos no tocante a esse assunto. Não faz muito tempo, David Hardisty, aluno de Elke Weber, conduziu um experimento em que uma taxa de 2% era acrescida ao preço da passagem aérea e era descrita como um "imposto" sobre o carbono, ou uma "compensação".

As pessoas que participaram da experiência foram informadas que esse imposto iria financiar tecnologias novas para redução do carbono e energias alternativas. Hardisty previa que obteria resultados diferentes de pessoas eleitoras de democratas e republicanos, o que realmente ocorreu. Os democratas mostraram-se dispostos a pagar uma taxa a título de compensação ou um imposto. Os republicanos aceitaram pagar por uma compensação, mas não um imposto. Claramente, a conotação fiscal afetou o resultado - e muito mais no caso dos republicanos.

A parte mais interessante do experimento veio em seguida. Hardisty pediu aos participantes para escreverem suas ideias, colocando numa ordem, quanto a se decididos a pagar o imposto ou uma taxa de compensação. Por que isso era importante? Para muitos de nós, a palavra "imposto" é repugnante, mas sabemos exatamente como ela nos repugna.

Nos últimos anos, Elke Weber e seu marido, Eric Johnson, professor da Escola de Administração em Columbia, vêm analisando como construímos nossas preferências quando temos de fazer uma escolha: eles têm uma teoria, segundo a qual nós nos "questionamos", reunindo evidências favoráveis e contrárias na memória à medida que vamos abrindo o caminho para uma decisão. A ordem das ideias é importante: as primeiras parecem dominar nossa opinião, desviando as ideias subsequentes para apoiar a posição anterior.

Para os republicanos que participaram do experimento e que imaginaram um imposto sobre o carbono, seu primeiro pensamento foi bastante negativo ("já estarei velho e quase morto quando o mundo viver uma crise de energia") e assim chegaram a conclusões excessivamente negativas também. Por isso rejeitaram o imposto. Mas, para esse mesmo grupo, o termo "compensação" na verdade mudou o modo como os participantes processaram sua escolha.

No seu raciocínio, eles consideraram primeiramente os aspectos positivos da compensação - o financiamento de uma energia limpa - e chegaram à conclusão que a evidência no geral era positiva e aceitável. Com efeito, num estudo de acompanhamento feito por Hardisty, o fato de meramente pedir às pessoas para fazer uma lista das suas ideias sobre a tarifa numa ordem ou outra (as favoráveis em primeiro lugar ou as contrárias primeiramente) afetou suas preferências, independentemente de serem democratas ou republicanas.

Diferença semântica

Assim, em termos de política, na verdade pode não ser o mecanismo fiscal que algumas pessoas rejeitam: é o modo como uma "diferença semântica trivial" , como diz Hardisty, pode levar um grupo a fazer associações negativas de peso antes de considerar os benefícios.

Baruch Fischhoff, professor na Carnegie Mellon e uma espécie de estadista mais velho entre os cientistas mais influentes da área, disse-me estar plenamente convencido de que um imposto sobre o carbono poderia ser uma alternativa melhor do que o sistema de "cap and trade" em termos de aceitação pelas pessoas.

"Acho que há uma versão mais atraente para esse imposto sobre o carbono, se as pessoas pensarem no seu design", disse ele, acrescentando que é um princípio fundamental da pesquisa sobre a decisão que, se se você vai querer que as pessoas paguem, é melhor que façam isso de uma maneira simples (um imposto) do que complexa (como num sistema de "cap and trade").

Fischhoff fez-me o esboço de uma possível tentativa de pesquisa - o design cuidadoso de um instrumento tributário e uma coleção sofisticada de respostas comportamentais - que ele entendia ser necessário para uma proposta de um imposto conseguir apoio. "Mas não acho que os políticos sejam bem informados sobre o mundo do possível", acrescentou. "Não é só de pesquisas de opinião que eles necessitam."

Indução

Nos últimos anos virou moda descrever o tipo de comunicação direcionada como tendo estrutura própria. Na nossa pressa para inserir o jargão na conversa do dia a dia, essas estruturas são confundidas com persuasão, termo que ficou popular num livro recente, Nudge:Improving Decisions about Health, Wealth and Happines, escrito por Richard Thaler e Cass Sunstein, quando eram acadêmicos na Universidade de Chicago.

As estruturas são apenas um meio de persuadir as pessoas usando mensagens sofisticadas, extraídas da pesquisa da ciência, que encontra eco em audiências particulares ou se beneficiam dos nossos preconceitos cognitivos. Os métodos de persuasão, de modo mais amplo, estruturam as escolhas de modo que nossas deficiências cognitivas não vão fazer com que nos equivoquemos.

Uma objeção que pode ser feita a essas formas de persuasão potenciais, sejam no caso dos impostos sobre o carbono ou no uso da energia nos lares, é que elas podem ser insidiosas. "Eles dão poder ao governo para manobrar as pessoas para irem na sua direção preferida", observam Thaler e Sunstein no seu livro. "E ao mesmo tempo fornecem às autoridades ferramentas excelentes para completar a tarefa."

Thaler e Sunstein concluem que um princípio crucial é sempre conservar a escolha como uma opção (persuadir as pessoas a manter um medidor de energia em casa, por exemplo, é excelente desde que elas possam também decidir não usá-lo) Elke Weber e David Krantz refletiram muito sobre o assunto, também.

"As pessoas precisam de alguma orientação sobre qual é o correto a fazer", disse Krantz. Mas acrescentou duvidar que você pode, na verdade, decepcionar as pessoas no caso da ciência da decisão, levando-as a agir de maneira que não acreditam seja a correta. "Lembra quando Nova York tentou implementar suas leis para disciplinar a travessia de pedestres nas ruas da cidade? Você não pode impor coisas que as pessoas não acham que devem ser impostas."

Quando abordei o tema de possíveis dilemas éticos com Elke Weber, ela contestou, afirmando que o governo constantemente tenta inculcar comportamentos considerados como serem no melhor interesse da sociedade. "Ninguém pode negar isso", disse ela. "Estamos sempre tentando promover algum programa."

É o caso da decisão de permitir que certos tipos de hipotecas e títulos considerados hoje desastrosos sejam vendidos. Fazendo isso, diz ela, "estamos privilegiando algumas pessoas e algumas instituições. E por um longo tempo promovemos a ideia de que todos devem ter sua casa própria."

No tocante à manipulação, ela responde que não existe nenhuma maneira amoral, neutra, de apresentar uma informação para as pessoas. "Acho que você tem de aceitar como verdade que em tudo aquilo que estamos fazendo no momento ou que planejamos fazer depois há um julgamento de valor."

A questão fundamental, pelo menos para ela, é se (e quando) queremos usar as ferramentas da ciência da decisão para tentar e levar as pessoas para as melhores decisões. Se nossas preferências não estão organizadas da maneira que achamos que estão - se, como argumenta Elke Weber, elas às vezes são construídas no mesmo momento em resposta a uma escolha que temos de fazer - por que não tentar novos métodos (ordenar opções, escolher palavras estratégicas, criar efeitos de grupo e assim por diante) para conseguir que as preferências estejam alinhadas com nosso interesse a longo prazo? Isso tem de ser melhor, segundo ela, do que deixar que as pessoas se dirijam inconscientemente para uma catástrofe ambiental.

De fato, qualquer desastre climático potencial, pelo menos para estudiosos do comportamento como Elke Weber, poderia sinalizar o início de uma cadeia de eventos fascinante, mas no final funesta. Há alguns anos ela escreveu um artigo para a revista Climatic Change onde detalhou as razões psicológicas pelas quais o aquecimento global não nos aterroriza ainda; e na sua análise ela conclui que as dificuldades para conseguir que os humanos tenham uma atuação são inerentemente autocorretivas.

"Cada vez mais vamos contar com a evidência pessoal do aquecimento global e suas consequências potencialmente devastadoras como um professor e motivador extremamente eficaz", ela escreveu, sublinhando como as sensações, emocionais e concretas, de risco são esplêndidos condutores de uma ação. "Infelizmente, essas lições podem chegar tarde demais para uma ação corretiva." (The New York Times)

 

(O Estado de SP, 15/5)


Data: 15/05/2009