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Artigo - A mercantilização do trabalho científico

Amauri Fragoso de Medeiros

 

Quem vende mais Bethoven ou Saia Rodada? Ravel ou Chiclete com Banana? Como responderiam Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira ao ouvirem: vocês têm que compor outra Asa Branca! E Augusto do Anjos, você já publicou Eu, agora precisa publicar Eles! Einstein quando indagado, e ai? Quando sai outra Teoria da Relatividade? Imaginem Newton: quando você vai publicar 3 novas leis? Estas perguntas nos colocam diante de três questões cruciais no momento da criação, seja ela artística ou científica: quantidade, qualidade e principalmente liberdade.

 

Na semana que passou (07/05/2009), foi publicada no boletim da UFCG a seguinte matéria: Periódico publica dois estudos plagiados na íntegra. Engenheiro copiou artigos de revista da Sociedade Brasileira de Química.

 

Recentemente, esta mesma pessoa foi afastada de um programa de pós-graduação da UFCG pelo mesmo motivo. Por que será que um estudante/cientista tomaria tal atitude? Foi em busca da resposta para esta pergunta e para iniciar uma reflexão sobre o nosso fazer acadêmico que escrevi este artigo.

 

Na história do Ocidente, particularmente medieval e moderno, a universidade é considerada o principal espaço de criação e de transmissão de conhecimentos. No entanto, para o governo e a maioria dos que exercem o poder institucional, as universidades brasileiras deveriam ser desdobradas em dois tipos: os “colégios de terceiro grau” e os chamados “centros de excelência”.

 

Para estes setores, a universidade brasileira que interessa, o “centro de excelência”, funciona a contento - ainda que de modo não perfeito - procurando obter eficiência, modernização, flexibilidade administrativa e formação de “recursos humanos” de alto nível para o país. Nestas instituições o ensino e a extensão de serviços à sociedade são tarefas de segunda categoria, a menos que realizados em convênio com o mercado. Deste modo, julga-se que estes “centros de excelência” têm sido capaz de propor um repertório de soluções realistas e medidas operacionais que permitiram racionalizar as atividades universitárias, dando-lhes maior “produtividade” (número de cursos, de teses e títulos, de publicações, etc.).

 

Hoje o que mais se fala no meio acadêmico é se fulano é produtivo ou não. Caímos na verdadeira ciranda da “produção” acadêmica, onde a lógica da “produtivismo” tem que existir para que os cientistas brasileiros sejam considerados “produtivos”. Algo como uma linha de montagem de artigos, dissertações e teses aos moldes de Ford.

 

É interessante observar que a idéia de publicar, ou seja tornar públicos, resultados da pesquisa, é submetê-los à discussão ampla antes que possam ser considerados como saber estabelecido. No entanto, a pressão do “publish or perish” transformou a publicação em “rubbish or perish”. Há termos críticos, até engraçados, que designam esta ordem de demanda diante do fenômeno de proliferação na literatura científica. Alguns conhecidos, como “ciência-mortadela”, ou seja, o resultado de uma pesquisa é fatiado em partes menores publicáveis em vários artigos, distribuídos em diferentes revistas. Mas não é qualquer revista, ela precisa ter sido classificada com Qualis A, senão, não é importante para CAPES.

 

Vale salientar ainda, que, ao lado do “publicacionismo”, convivemos com outro fenômeno acadêmico, conhecido como “citacionismo”.  A grande importância do ato de citar outros autores e de ser citado em artigos, é em grande parte um efeito dos indicadores de impacto desenvolvidos pelo Institute for Scientific Information/Thomson Scientific (ISI). Essa excessiva preocupação tornou-se, de certa forma, representativa do espírito de “avaliações aligeiradas” de nossos tempos no ambiente acadêmico. É preciso produzir artigos que gerem citações, ou seja, que sejam publicados em revistas e tenham importância para estarem presentes nas outras publicações.

 

Além disso, ouvimos constantemente: “Nos Estado Unidos é assim”. Procura-se atrelar a ciência brasileira aos modelos de outros países. A especificidade da situação brasileira, o direito a seguir outro caminho, são combatidos com recursos ideológicos, entre os quais se insere a tentativa de desmoralização das propostas de quem não quer ser “igual” aos Estados Unidos.

 

Isto ocorre devido ao imobilismo político que é fruto da concepção de que não somos sujeitos históricos e tem impedido o reconhecimento no campo específico de atuação política dos pesquisadores na pesquisa (não reconhecimento do papel das agências de fomento, CAPES e CNPq, como agentes promotores do “produtivismo” e da “industrialização” do trabalho intelectual); no ensino (não reconhecimento da expropriação do trabalho dos estudantes de graduação e pós-graduação, base material da “produtividade”); e da extensão (importante meio de indução à mudança nas relações de “produção” na universidade e elo final da “mercantilização” do trabalho intelectual).

 

A “mercantilização” do conhecimento e o “produtivismo” resultaram em crescente individualização e competição na disputa pelos escassos recursos disponíveis para a realização do trabalho acadêmico. Na realidade, parece que o pesquisador brasileiro é como uma empresa, e seu curriculum vitae é como um relatório de balanço contábil dos últimos 5 anos. A sua “produtividade” significa capacidade de dispor de créditos em termos de capital científico que podem ser acumulados e reinvestidos a fim de sustentar o seu trabalho acadêmico, para solicitações futuras de financiamento para novas pesquisas. Suas fontes de financiamento permanecem com o poder final neste mercado, sobre as quais possui poder limitado. Assim sendo, o artigo científico é uma das formas principais de aumentar seu capital científico com o poder de gerar mais capital, principalmente, pelo balanço positivo do curriculum vitae do pesquisador.

 

Neste sentido, e voltando à questão inicial do plágio do engenheiro, talvez ele estivesse querendo aumentar seu capital científico, usando a poupança científica de outrem. Ora, nem no mercado financeiro se aceita que outros tenham acesso às aplicações alheias, imaginem no mercado científico. De toda forma, parece ter sido uma tentativa de manter o balanço contábil científico dele satisfazendo as exigências e pressões do mercado científico. Além de tudo isto, o que é mais triste, pode acarretar o fim de sua carreira, vítima de um processo equivocado e que está sendo repassado para os estudantes sem a reflexão da grande maioria dos pesquisadores.

 

Por fim, diante este processo de “alinhamento” da ciência brasileira, seria preferível ficar “desafinado” ao “Beber, Cair e  (não)Levantar”. Eita “Vida de Gado”!

 

 

Amauri Fragoso de Medeiros é professor da Unidade Acadêmica de Física da UFCG


Data: 14/05/2009