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Conceito de cursinho pré-vestibular é uma anomalia brasileira, diz Fernando Haddad

Ministro da Educação afirma que proposta de novo Enem veio para ficar, corre para implantar a prova em outubro e acredita que 2010 pode ser o ano do enterro do vestibular

 

Após sacudir o país com a proposta de substituir os vestibulares das universidades federais por um novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o ministro Fernando Haddad corre para concretizar a ideia ainda este ano.

A intenção é aplicar a prova nos dias 3 e 4 de outubro, mas o alcance da medida dependerá do grau de adesão das instituições, que começam a debater internamente o assunto.

Nas últimas semanas, Haddad reuniu-se várias vezes com reitores, o que voltará a fazer nos próximos dias. Para ele, cursos pré-vestibulares são uma "anomalia brasileira", e o novo Enem ajudará a melhorar o currículo do ensino médio. Lembrado no PT para disputar as eleições de 2010, desconversa: "Não acho que nada em educação sirva de slogan para campanha, porque são processos muito lentos".

A seguir, trechos da entrevista concedida na última quinta-feira:

- O novo Enem vai ser aplicado este ano?

O ministério se prepara para aplicar o Enem nos dias 3 e 4 de outubro, já no novo formato. A decisão definitiva depende um pouco da reação dos reitores a esse segundo documento, encaminhado esta semana, que estabelece normas operacionais de adesão e de utilização do Enem. Mas quero crer que a reação das instituições, até aqui, é favorável à mudança.

- Dá tempo?

O novo Enem, dá. Temos um banco de itens que, com ajustes, pode servir de base para a elaboração da prova nos novos moldes. Como não foi feita a licitação ainda para a aplicação, bastaria um ajuste no edital.

- Educadores sempre satanizaram o vestibular como péssimo instrumento para selecionar os alunos que realmente mais sabem. Agora, reitores das federais e dirigentes das particulares parecem ter gostado da sua proposta. Por que não foi feita antes?

São muitos fatores. Em primeiro lugar, o acúmulo de experiência. O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mudou radicalmente. Independentemente desta decisão, o Inep aplicará este ano 10 milhões de exames no país. Não só do ponto de vista do banco de itens (questões para provas) que precisou formar, mas sobretudo do ponto de vista da segurança logística, o Inep é outro instituto.


- Diria que 2010 será o ano do enterro do vestibular?

Não posso prever o ritmo, até porque ele está me surpreendendo positivamente. Mas eu entendo que essa agenda veio para ficar. Se será 2010, 2009, eu não sei dizer hoje. Mas, pela reação positiva, pelo amadurecimento da proposta, eu entendo que o Brasil vai dar finalmente um passo para o qual se preparou.

- Ao lançar a proposta, o senhor disse que um dos grandes benefícios seria garantir mobilidade: um estudante do Acre poder estudar no Rio. Mas a estrutura das federais para receber alunos de fora é sucateada. O MEC pode bancar a mobilidade?

Recriamos a rubrica de assistência estudantil, extinta há dez anos e uma das reivindicações da UNE. Este ano, conta com R$ 200 milhões do orçamento. Temos consciência de que esse novo formato exigirá, talvez, até dobrar a verba de assistência.

- Há reitores com medo de que estudantes das capitais ocupem vagas no interior.

O número de alunos do Ceará que estudam no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), por exemplo, já foi matéria de jornal várias vezes, como boa notícia. A experiência internacional saúda a mobilidade, porque todos ganham.

- Mas o receio dos reitores pode virar realidade?

Não creio que isso vá acontecer. O principal beneficiário dessa medida é o aluno de baixa renda, que não tem condição de prestar mais de um vestibular, pagar taxa de inscrição e se deslocar pelo país. Os vestibulares não são feitos nacionalmente, como o Enem. Ainda assim, eu creio, pela experiência do ProUni, que a mobilidade não será muito grande.

- Como fica o estudante que se preparou para fazer vestibular e agora vai ter um Enem?

Posso garantir que o aluno que se preparou bem para o Enem, para o vestibular ou para os dois terá excelente desempenho no novo formato. Não haverá nenhum prejuízo. Estudos mostram que o desempenho dos estudantes é basicamente o mesmo em qualquer prova.

- O que vai acontecer com os cursinhos pré-vestibulares?

Já há cursinhos voltados para o atual Enem. Da mesma maneira, o novo Enem ensejará esse tipo de movimento. Agora, quero crer que haverá um enfraquecimento desse tipo de proposta. O mundo não trabalha com o conceito de cursinho pré-vestibular. É uma anomalia brasileira em virtude de não termos alterado a tempo o formato atual de vestibular. Ele é próprio dessa anomalia. Com o novo formato, penso que alguns vão se adequar e haverá espaço ainda para isso. Mas o ensino médio é que será o grande beneficiado, porque vai poder se reestruturar de uma maneira muito mais adequada.

- Para quem fala que o sr. está na lista dos candidatos nas eleições de 2010, o sr. diria que o slogan "o homem que acabou com o vestibular" pode ser usado na campanha?

Sinceramente, não acho que nada em educação sirva de slogan para campanha, porque são processos muito lentos, de uma geração. São resultados que se colhem com muita parcimônia. E em nenhum momento em pauto meu dia por consideração dessa ordem.

(O Globo, 12/4)


Data: 13/04/2009