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Biologia digital

Docentes do Instituto de Ciências Biomédicas da USP implementam metodologia de ensino que substitui os microscópios pela visualização das estruturas celulares digitalizadas em computadores interligados em rede

Desde o início de março, os microscópios utilizados nas aulas do Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) foram em parte substituídos por outra ferramenta tecnológica inovadora.

Os docentes do departamento estão implementando uma nova metodologia de ensino nas salas de aula de graduação. Os alunos passaram a examinar as estruturas celulares não mais apenas em lâminas manipuladas individualmente nos microscópios: depois de mais de três séculos sendo utilizados em todo o mundo, esses equipamentos estão dando lugar nas salas de aula a telas de alta resolução de computadores interligados em rede.

Em um software em que centenas de imagens estão digitalizadas, o professor escolhe as estruturas que deseja apresentar e, diferentemente do que ocorre com os microscópios, todos os alunos de uma mesma classe podem observá-las ao mesmo tempo em monitores, podendo inclusive utilizar um zoom com capacidade de ampliação em até 40 vezes.

"Até onde sabemos, a USP está sendo pioneira na América Latina no uso do programa, considerando o acervo digitalizado de quase 500 lâminas de cortes histológicos que obtivemos desde que o projeto teve início", disse Fábio Siviero, professor do Laboratório de Biologia do Desenvolvimento de Insetos, à "Agência Fapesp".

"Para digitalizar esse laminário virtual utilizamos um escâner, que funciona como se fosse um microscópio robotizado. Ele se movimenta para que suas lentes possam varrer a lâmina e, em poucos minutos, adquirir toda a imagem. O processo lembra a de um escâner de mesa, com a diferença de utilizar óptica semelhante à de um microscópio real, gerando uma imagem em alta resolução - em arquivo com extensão tif - que representa todas as estruturas da lâmina", explicou.

As imagens escolhidas podem ser gravadas nos computadores dos usuários. Outra vantagens do sistema é o custo por aluno: enquanto cada computador sai em média por R$ 1,5 mil, um microscópio para observações equivalentes custa cerca de R$ 5 mil, além dos gastos com a manutenção periódica desse tipo de aparelho.

O novo Laboratório de Análise de Imagem do ICB, onde o sistema está funcionando, conta com 30 computadores e um servidor para uso do professor, sendo que a configuração da tela permite que cada terminal seja utilizado por até três alunos.

A compra dos computadores e de outros dispositivos do sistema contou com apoio da Fapesp na modalidade Auxílio a Pesquisa - Regular, em projeto coordenado por Ciro Ferreira da Silva, também professor no ICB-USP.

"A grande inovação do sistema está na apresentação das 'lâminas digitais' aos alunos. Fazendo uma analogia, o sistema funciona como o Google Earth, que tem um amplo banco de dados com imagens enormes, mas que podem ser visualizadas em arquivos miniaturizados no computador", disse Siviero.

Segundo ele, o sistema de visualização foi cedido gratuitamente à USP pela Aperio, empresa norte-americana especializada em análise digital de imagens de patologia. O programa, que custa US$ 10 mil, recebeu as imagens microscópicas digitalizadas do acervo do ICB.

Com a ferramenta, de forma semelhante aos microscópios tradicionais, o usuário pode, entre outras aplicações, visualizar e tirar medidas de células, fazer o cálculo de área de diferentes estruturas biológicas e também quantificar e comparar linhagens celulares.

"Em uma aula de histologia para uma turma com 90 alunos, por exemplo, já não é mais preciso ter 90 conjuntos de lâminas iguais nos microscópios, o que era muito difícil de se obter. Agora, as lâminas são uniformizadas e, com a mesma qualidade, estão disponíveis em nosso acervo digital prontas para serem visualizadas simultaneamente nos monitores", disse.

Aplicações parecidas

O sistema dispõe ainda de um módulo de conferência para que o aluno possa fazer observações ou tirar dúvidas com o docente, que pode visualizar a tela do computador do aluno remotamente e responder às perguntas, sem necessariamente precisar ir até a bancada.

Diretamente de seu servidor, o professor pode interligar toda a classe em torno do mesmo assunto. "Todos os comandos realizados na tela do professor ocorrem em tempo real nas telas dos alunos, o que nos permite colocar, para efeito de comparação, tecidos ou estruturas celulares similares lado a lado na tela, o que até então não podia ser feito nos microscópios", disse Siviero.

Diferentemente de outros especialistas que apontam que o sistema contribuirá, em um futuro próximo, para que os microscópios se aposentem e virem peça de museu, para o professor do ICB o aluno deve ser preparado para qualquer tipo de ferramenta que poderá encontrar pela frente no mercado de trabalho.

"Saindo da USP, os profissionais nem sempre trabalharão em um laboratório com tecnologia de ponta, ainda mais se forem atuar em áreas distantes dos grandes centros urbanos. Além disso, mesmo com o advento da patologia digital, que permite escanear dezenas de lâminas em pouco tempo, alguém precisa saber preparar a lâmina corretamente. O sistema de captação de imagens do software é tão avançado que qualquer defeito na lâmina fica extremamente nítido na tela do computador", ressaltou.

Com o sistema, as lâminas virtuais podem ainda ser associadas a arquivos de vídeo, áudio, animação e texto para complementar as atividades da aula. De acordo com Siviero, já utilizaram as novas instalações do laboratório turmas de diferentes cursos da USP, entre os quais medicina, odontologia, veterinária, nutrição, farmácia e biologia. "Pelo menos 800 alunos da universidade já se beneficiaram com a nova metodologia de ensino", disse.

 

(Agência Fapesp, 2/4)


Data: 02/04/2009