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Artigo - 35 anos do golpe militar de 1964 - Cinema e ditadura (Parte 1

Wagner Braga Batista

 

Há trinta e cinco anos um golpe derrubou presidente no Brasil, João Goulart.

 

Essa tentativa golpista vinha se arrastando desde que no início da década de 50 quando forças conservadoras alojadas na UDN foram gradativamente deslocadas do poder central. Articulado por parcela do empresariado, alinhada com um projeto de desenvolvimento econômico dependente, e setores hegemônicos nas forças armadas com o aval do departamento de Estado dos EUA, o golpe consuma-se em 31 de março de 1964. O deslocamento de tropas, a ocupação de pontos estratégicos, as comunicações pela mídia, as sucessivas manobras no Congresso Nacional e as diversas manifestações de segmentos aliados das forças intervencionistas culminam com a retirada de Jango para o Uruguai, em 2 de abril.

 

O golpe amadurecera a passos largos. Por meio da injeção de recursos financeiros para apoiar candidaturas, corromper políticos, criar agencias de dissuasão ideológica (IBAD), para produzir material de propaganda e por fim dar suporte militar a ação dos golpistas, Operação Brother Sam. Essa trama foi finalmente desvendada com a liberação dos telegramas e conversas telefônicas mantidas entre o então Secretario de Estado, Dean Rusk, e o embaixador dos EUA no Brasil, Lincon Gordon.

 

O contexto de beligerância, colocando em conflito ideológico e militar dois grandes blocos econômicos, suscitava toda ordem de pretextos para legitimar intervenções em áreas de influência definidas por  estratégias  geopolítica.

 

Na América Latina, desde a Doutrina Monroe, formulada no início do séc. XX, houve uma escalada de golpes que culminou com o surto observado na década de sessenta. Seguiu-se o enrijecimento dos regimes ditatoriais.

 

Apelando para a defesa da democracia e das liberdades individuais, os EUA utilizaram-se de cursos de preparação de oficiais das forças armadas latino americanas para infundir o princípio da segurança nacional. Entre 1964 e 1998, foram treinados 27536 oficiais das forças armadas de seis paises, Brasil, Peru, Argentina, Equador, Chile e Colômbia. Sendo 14999, nos EUA, e 12 537 fora de seu território. ( Rapoport, Mario; Laufer, Rubén  Os Estados Unidos diante do Brasil e da Argentina: os golpes militares da década de 1960, Revista Brasileira de Política Internacional vol.43 no.1   Brasília   Jan./Junho 2000).

 

Com base nesse preceito, amplia-se o conceito de defesa nacional. Não se tratando mais de proteção territorial frente a investidas de nações estrangeiras, as forças armadas teriam como atribuição resguardar o “regime democrático”de ações internas promovidas por forças revolucionárias interessadas na sua desestabilização.

 

A doutrina de Segurança Nacional na prática viabilizou os golpes de Estado perpetrados na América Latina. Serviu como suporte ideológico para materializar a repressão indiscriminada e para a formação de quadros técnicos selecionados entre oficiais das forças armadas aptos a empreende-la. Inicialmente realizado no Panamá, na Escola das Américas, posteriormente o treinamento é transferido para Fort Benning, na Georgia, EUA. Esses cursos  disseminaram a repressão centrada em métodos de obstrução, coação e tortura de opositores em toda a América Latina.

 

A implantação, consolidação, institucionalização e colapso do regime autoritário, atualmente, suscita uma série de interpretações bastante díspar. Como qualquer processo histórico, o golpe militar e seus desdobramentos estão sujeitos à óticas, considerações e conclusões deveras controversos. O golpe, no entanto, surpreendeu a muitos de seus protagonistas. Supunham que fosse desencadear resistências e provocar reações em cadeia. Contudo, de imediato, não houve resistência popular, o esquema de sustentação militar de Jango era pífio, o apoio político parlamentar se mostrou vacilante, as organizações de esquerda foram incapazes de articular forças e a classe aderiu de pronto. No entanto, passado o impacto inicial, houve incipiente processo de reorganização que propiciou manifestações pontuais.

 

As forças golpistas reivindicaram-se da condição de promotoras da democracia. Alegaram que num curto período de transição seriam adotadas medidas excepcionais para viabilizar a normalização das instituições democráticas. Alimentando a ilusão de que as eleições presidenciais, marcadas para 1965, seriam realizadas sedimentaram o caminho para o alijamento político de todos aqueles que não estivessem alinhados com o receituário definido pelos militares no poder. Desse modo, medidas excepcionais, que teriam efeito tópico e passageiro no curto prazo, tornaram-se o expediente básico empregado por todos os escalões do regime militar durante mais de vinte anos.

 

Se o golpe é datado, a duração do regime militar é discutível. Para uns se encerra com a eleição indireta de Tancredo Neves, no colégio eleitoral em 1985. Para outros se esgota com a promulgação da Constituição, em 1988.

 

Os atos institucionais cassaram opositores e aliados descontentes com os rumos do processo político, extinguiram os partidos existentes e criaram dois biombos para a atuação parlamentar sob controle: ARENA e MDB.

 

Por meio de ações unilaterais, com o aval dos altos escalões das forças armadas, o governo autoritário implementou o planejamento econômico, alijou do cenário político setores do empresariado divergentes, por meio de medidas arbitrarias domesticou o movimento sindical e proscreveu entidades de representação estudantil e social.

 

Em 13 de dezembro de 1969, diante do surto de manifestações oposicionistas editou o AI 5 que prepara o terreno para o recrudescimento da repressão aos movimentos de contestação e para a prática ostensiva do cerceamento aos meios de comunicação por meio da censura prévia.

 

O impedimento de se organizar, de participar de atividades políticas ou sindicais, bem como de se manifestar livremente, acarretou que milhares de brasileiros buscassem formas alternativas de questionamento e de ação direta contra o regime militar. Implicou em sérios riscos diante da adoção de posturas de enfrentamento direto e aberto, bem como de formas de luta exercidas na clandestinidade.

 

A ditadura muniu-se de recursos excepcionais no plano legal, mobilizou seus prepostos no campo jurídico e cultural, para forçar um arcabouço ideológico que desse feição de legitimidade a seus atos. No plano político e militar, acionou e preparou seus agentes para se desfazer de escrúpulos (Depoimento do então Ministro Jarbas Passarinho na leitura do texto do Ato Institucional nº 5). Desse modo, conseguiu arregimentar quadros que iriam constituir os aparelhos repressivos visíveis e invisíveis centrados no constrangimento ilegal, no seqüestro, na tortura e na eliminação de vários opositores. Sob o pretexto de combater a luta armada produziu a escalada repressiva que culminou com  tortura e assassinato de homens e mulheres que seguiram esse caminho. Porém os crimes hediondos do regime não vitimaram apenas esses militantes, alcançaram também indistintamente operários, religiosos, professores, jornalistas, entre outros, além de  vários militantes do ex-Partido Comunista Brasileiro, que não professava esse tipo de linha de ação política.

 

A resistência ao regime  ditatorial ocorreu em várias frentes e de vários modos. No plano cultural não foi menor a participação daqueles que não se curvaram frente aos atrativos da industrial cultural e a sedução dos artífices do regime. Na literatura, nas artes plásticas, no teatro, na música, utilizando-se de diferentes recursos, artistas e intelectuais fizeram valer o pensamento gransciano de que enfrentavam uma luta de movimentos. Para se viabilizar nas bastaria a um força social pleitear e deter o poder, seria necessário exercer a hegemonia, política, econômica, cultural e ética sobre o conjunto da sociedade civil. Seria necessário que em cada esfera da vida social fizesse prevalecer visões de mundo e atitudes mais criativas e edificantes do que o torpor provocado pela conjunção do medo com benefícios circunstancialmente proporcionados pelo surto de crescimento econômico gerado pelo milagre brasileiro. A classe média aceitara o modelo hobbesiano por meio do qual o estado oferecia falso sentimento de segurança limitando as liberdades civis.

 

Apesar das enormes dificuldades enfrentadas, a resistência cultural prevaleceu. Contrapondo-se às ondas de produtos supérfluos e às tendências passageiras, uma parcela da intelectualidade e dos artistas conseguiu afirmar uma perspectiva crítica que apontava alternativas de vida bastante diversas das predominantes. Da literatura, do cinema, do teatro, da música, apresentou consistentes alternativas aos gêneros culturais veiculados pelos meios de comunicação, sob o manto protetor dos aparelhos de estado.

 

Atualmente, pode-se ter uma avaliação positiva produção cultural desse período, enfatizando a importância da cultura de resistência. Uma cultura que fugiu do tom dominante, foi renovadora e conferiu vitalidade crítica aos valores que se deterioravam naquele contexto.

 

Focalizando o cinema, reiteramos que nesse campo de atividades também se destacaram filmes e autores alternativos. Houve os que resistiram e produziram manifestações enriquecedoras da cultura. Que souberam identificar caminhos além do aval do Estado, da homologação do gosto do público e a aceitação do mercado. Que formularam propostas alternativas que implicavam na produção industrial de um bem cultural sem renunciar às potencialidades críticas da cultura.

 

O cinema é um precioso instrumento de exposição de fatos sociais.

 

Requerendo recursos técnicos, financeiros e publicitários para se viabilizar como veiculo de informação, enfrentará os percalços da produção frente aos obstáculos criados pelo regime autoritário. A superação desses óbices representou um esforço que deve ser valorizado na atualidade. Não só porque consumou fatos culturais de grande relevância, mas também porque se prestou a instrumento de denúncia do quadro de coerção a que estivemos submetidos.

 

Um espectro significativo de filmes comporta essas todas essas nuances geradas pelos entraves à produção e os artifícios utilizados por produtores e cineastas para viabilizar o cinema, não como mero entretenimento, mas como instrumento de investigação e revelação da realidade social.

 

Há um conjunto de filmes de ficção e documentários realizados recentemente que se soma aos produzidos nos anos setenta e oitenta. Nesse período, aproveitando vagas de liberalização da censura há um surto de produção cinematográfica que aborda criticamente aspectos da política e da cultura barsileiras. É  um acervo extraordinário que potencializa o papel do cinema como instrumento de pesquisa da realidade social e que lança luzes para o estudo sobre esse período de nossa História.Esse surto é bruscamente interrompido com a ascensão de Fernando Collor ao poder, acarretando o corte de linhas de financiamento da produção e provocando o fechamento da EMBRAFILME, empresa estatal criada em 1969.

 

O cinema brasileiro adquirira projeção internacional com premiação em Cannes (“Pagador de promessas”, Anselmo Duarte) e com a safra de filmes produzida pelos jovens cineastas afiliados ao “Cinema Novo”.

 

O golpe militar causou forte impacto e arrefeceu o ânimo de parte da intelectualidade, mais engajada politicamente, temerosa de sanções e represálias dos novos ocupantes do poder. A hesitação de cineastas pode observada na mudança de inflexão de alguns filmes. O foco em personagens com presença em movimentos sociais (“Barravento”, (1961); “Cinco vezes favela” (1962) vários; “Os fuzis”, (1963) Ruy Guerra, “Deus e o diabo na terra do sol” (1963) Glauber Rocha, “Ganga Zumba” (1963) Cacá Diegues) dá lugar a um cinema mais intimista. A presença das massas é substituída pelo protagonista individual e seus dramas num cinema mais intimista.

 

A fase inicial pode ser definida como de indignação e estarrecimento rente ao golpe militar. Há dois filmes emblemáticos, que apresentam o impasse em que se encontra a intelectualidade diante da conjuntura: “O desafio” (1965), Paulo Cesar Sarraceni e “O Bravo guerreiro” (1968), Gustavo Dahl. A classe média, que fora sustentáculo do golpe, será submetida à enquête de Arnaldo Jabor. O documentário “Opinião Pública” (1967) é marcante da fase engajada desse autor. “Liberdade de imprensa” (1967) documentário de João Batista de Andrade discorre sobre a censura frente aos meios de comunicação.

 

Aos poucos o cinema de resistência retoma seu leito, procurando adotar uma linha de abordagem mais engajada no tratamento de questões sociais.

 

Roberto Santos filma Guimarães Rosa. As rupturas na vida do personagem Augusto Matraga traduzem uma perspectiva de superação frente ao derrotismo. Com trilha musical de Geraldo Vandré é um filme emblemático que sintetiza o drama das esquerdas frente ao refluxo e ao desencanto político ocorrido após o golpe. (“A hora e a vez de Augusto Matraga”, 1966).

 

Numa fase de transição, “Terra em transe”(1967), Glauber Rocha, utiliza-se de metáforas, uma país imaginário na América Latina, Eldorado, para apresentar disjunções do populismo encarnadas por lideranças carismáticas da direita e da esquerda, sinalizando a opção voluntarista do personagem central pela luta armada.

 

O início dos anos 70 é traumático. O fechamento registrado no governo Médici resulta num cinema introspectivo e hermético que procura burlar a censura e tratar de temas sociais com comedimento. “Macunaíma” (1969) Joaquim Pedro de Andrade, utiliza-se da personagem libertária Cy para transfigurar uma guerrilheira.

 

A tensão entre o simbólico e o alegórico é marcante na cultura brasileira nesse contexto. Pode ser observada também em “Os deuses e os mortos” (1970), Ruy Guerra. Roberto Schwarz analisou esse traço da cultura em brilhante ensaio publicado inicialmente em “Temps Modernes”.  O periódico patrocinado por Sartre serviu como veículo para publicação de textos de organizações e de autores proscritos em vários países. Posteriormente, o ensaio de Schwarz será editado em língua portuguesa.”.(Schwarz, Roberto, Remarques sur la culture et la politique, au. Brésil - 1964/1969, in Les Temps Modernes, 288, 1970 e Schwarz, Roberto. Cultura e política, 1964-1969 em “O pai de família e outros estudos”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 61/ 92, 1978 ).

 

Nesse contexto, artistas buscam caminhos alternativos para viabilizar seu trabalho criativo. Exploram artifícios de linguagem para explicitar seus dramas, recorrendo frequentemente a alegorias. Vale-se de recursos que muitas vezes distorcem a visão da realidade dificultando a compreensão de tramas e nexos que perfazem a estória.

 

Em 1969, Cacá Diegues realiza “Os herdeiros”, um filme pretensioso que procura reconstituir a história recente do país através de projeções na família de um político decadente.

 

Utilizando-se de uma narrativa mais direta, Paulo Thiago dirige em 1970 “Os senhores da terra”, denunciando as artimanhas do latifúndio e os conflitos agrários. A repercussão no Brasil, talvez, tenha sido menor do que em países estrangeiros nos quais a curiosidade pelos problemas sociais nativos era crescente.

 

Tomas Farkas, adota uma linha de intervenção diferente. Migra para a periferia, o nordeste do Brasil, para escapar dos olhos da censura. Produz um ciclo, com dezenove documentários, infelizmente pouco difundidos, que constitui um dos mais significativos registros de traços dessa realidade social (Vide Muniz, Sergio (curador e organizador) A caravana Farkas- documentários 1964- 1980, Centro Cultural Banco do Brasil / Riofilme, Rio de Janeiro, 1997).

 

Esse projeto tem uma enorme importância para a cultura, para o jornalismo e para o cinema brasileiro. Pode-se dizer que forjou uma geração de documentaristas que irá atuar em diferentes veículos de comunicação nos anos subseqüentes. A realização do projeto incorporou contribuições de outros expoentes da cultura brasileira, o cineasta João Batista de Andrade, que será objeto de considerações mais a frente, e o jornalista Wladimir Herzog, que morreria sob torturas no DOI_CODI de São Paulo, em 1976.

 

Em 1970 é exibido o filme “Brasil verdade”, que escapa da triagem da censura. A película é formada por quatro curta-metragens produzidos por Farkas entre 1964 e 1965. São eles: “Viramundo”(Geraldo Sarno), analisando a migração do nordeste para S. Paulo, “Subterrâneos do futebol” (Mauricio Capovilla), a paixão do torcedor e as tramas futebolísticas, “Memórias do cangaço” (Paulo Gil Soares) registrando o depoimento de José Rufino membro da volante que matou Virgulino Lampião, e "Nossa Escola de Samba” ( Manuel Horacio Gimenez) documentando os preparativos de uma agremiação carnavalesca.

 

Em 1971, Wladimir de Carvalho, filma “O país de São Saruê”, mostrando a estagnação socioeconômica do nordeste. Com poucos recursos, consegue realizar um documentário que foi mantido sob censura durante oito anos. Contrastava a miséria e a indigência do povo nordestino com a opulência do Brasil urbano das grandes metrópoles, festejado pela classe média.

 

Em 1972, o regime militar celebra o sesquicentenário da Independência. Financia filmes baseados na literatura brasileira e em fatos históricos que enalteçam o projeto de Brasil Grande. Reproduzindo diretrizes de institutos e agências de propaganda política de governos autoritários são produzidos filmes apologéticos que avultam os personagens da História Oficial. O bandeirante Fernão Henrique Dias Paes Leme,( “O caçador de esmeraldas” (1979) Aníbal Massaini), Tiradentes (  Tiradentes, o Mártir da Independência”(1976) de Geraldo Vietri ), D. Pedro I. (  Independência ou Morte”, (1972) de Carlos Coimbra ), entre outros.

 

Precedendo essa diretriz, na contramão, Joaquim Pedro de Andrade filmará “Os inconfidentes”( 1971) que polemiza sobre os ideais e posturas políticas dos envolvidos nessa tentativa insurrecional.

 

Ideólogo do cinema novo brasileiro, Leon Hirshman realizará um filme contundente extraído inspirado na obra de Graciliano Ramos, “São Bernardo”. Nele recorrerá à figura da professora Madalena, para discorrer sobre a alienação, a reificação e a opressão a que estaria sujeita  a mulher na sociedade brasileira. Apesar das pressões da censura, conseguiu manter incólume o conteúdo do filme, que seria exibido comercialmente um ano após a conclusão, em 1976.

 

Em meados de 70, aproveitando o clima de abertura surgem documentários de cunho biográfico, tem início uma nova tendência documental que se prolonga até o momento presente. Alguns filmes são feitos por encomenda, contudo esse não é o traço marcante dessa linha de abordagem que procura destacar eventos históricos importantes. Destacam-se nessa fornada, “Getúlio”(1974), Ana Carolina, “Os anos JK” (1980) e “Jango”(1984) e Silvio Tendler, e “Jânio a 24 quadros”(1981) Luiz Alberto Pereira, que retratam a trajetória de ex-presidentes. Silvio Tendler destacar-se-á pelo esmero no registro dos processos históricos recentes, seja pela diversidade, seja pela densidade de seus documentários. Posteriormente, Oswaldo Caldeira, documentou a luta pelas diretas e o movimento que conduziu Tancredo Neves à Presidência da República, com “Muda Brasil” (1986).

 

Em “Os libertários” (1976), Lauro Escorel procura identificar matrizes político-ideológicas dos movimentos do operariado nascente em São Paulo, nos primórdios do século XX.

 

No artigo adotamos como critério de seleção apenas filmes produzidos no Brasil frente às injunções políticas e repressivas criadas pelo aparelho de Estado do regime, contudo não podemos deixar de mencionar  ambicioso documentário realizado por Glauber Rocha e Marcos Medeiros, em Portugal e Cuba, em 1974. Trata-se de “História do Brasil”, no qual os autores procuram traçar um panorama da evolução política do país. As particularidades do filme, bem como da sua produção, tem sido objeto de estudos reproduzidos em textos e em outros documentários, a exemplo de “A Rocha que voa” (2006 ) Erik Rocha.

 

Em 1984, Eduardo Coutinho dará continuidade ao documentário “Cabra marcado para morrer”,sobre o assassinato de João Pedro Teixeira, líder de trabalhadores rurais na Paraíba, iniciado em 1964. Sua extensa filmografia inclui diversas abordagens sobre movimentos sociais.

 

A UFPB também contribuiu para esse vasto acervo por meio da produção de documentário sobre as lutas camponesas no nordeste. Infelizmente o desdobramento dessa produção gerou dissensos que culminaram em demandas judiciais. O filme teve uma trajetória semelhante à “Iracema, uma transamazônica” (1974  )Jorge Bodansky. Esse último, denuncia o projeto de integração nacional anunciado por meio de obras faraônicas de grande impacto, revelando que trazem subjacente a miséria e a desagregação de populações locais. Após a interdição feita pela censura,  com a liberação em 1982, teve a autoria questionada em juízo.

 

Na linha do filme documental há que se fazer o registro da produção de Silvio Back. Ainda que não tenham abordado diretamente o regime militar, seus filmes oferecem o entorno por meio da mostra de situações precedentes que ajudam a contextualizar o golpe de 1964.

 

Uma nova geração de cineastas surge ao longo das décadas de 70 e 80. Vários desses autores se empenham em enfatizar enfatizado aspectos relacionados as suas convicções e vivências na luta contra o regime militar. Na condição de ex-presos políticos, Renato Tapajós, Lucia Murat, Silvio Da Rin, entre outros, tem contribuído para ressaltar ou desmistificar atitudes ou valores em questão.

 

O final da década de 70 será auspicioso para o cinema documental. São produzidos vários filmes retratando movimentos sociais, particularmente o ressurgimento das lutas estudantis, a emergência do novo sindicalismo  e a criação do Partido dos Trabalhadores. Entre tantos documentários podemos mencionar: “O apito da panela de pressão”(1977), “A luta do povo” (1980)Linha de montagem”(1982), “Nada será como antes” (1985) de Renato Tapajos, “Maquinas paradas, braços cruzados”(1979) Roberto Gervits e Sergio Toledo.

 

Mais uma vez, Leon Hirshman se fará presente com filme adaptado de peça teatral escrita e montada por Gianfrancesco Guarnieri, em 1963. Trata-se de “Eles não usam black-tie” (1981) no qual expõe fissuras e desvios do movimento sindical emergente. No contexto no qual se debatia a criação da Central Única dos Trabalhadores, o documentário professa a unidade sindical. Nesse mesmo diapasão filma o documentário “O ABC Greve”(1979), no qual aborda a irrupção sindical verificada no ABC paulista.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 31/03/2009