topo_cabecalho
Artigo - O Decreto 477/69 e a UFCG tudo a ver!

Amauri Fragoso de Medeiros

 

Em 1969 eu tinha apenas 8 anos, desta época só me lembro de meu pai e minha mãe falando de vizinhos que desapareciam, de espiões e muitas vezes do CCC. Ao entrar na universidade e participar do movimento estudantil consegui compreender algumas coisas daquela época.

 

Mais recentemente, lendo um artigo de um renomado pesquisador brasileiro, o professor Roberto Leher da UFRJ, tive mais informações sobre a edição do Decreto 477, em 26 de fevereiro de 1969, que tratava do funcionamento das universidades naquele período. Para o professor Leher se o AI-5 era o teorema, o Decreto 477 era o corolário do AI-5 nas universidades.  

 

O decreto dispunha sobre supostas infrações disciplinares praticadas por professores, alunos e funcionários de estabelecimentos de ensino públicos e privados. Em seu primeiro artigo, o seu caráter coercitivo torna-se muito evidente: comete infração disciplinar os que “aliciam” ou incitam paralisações ou que participem das mesmas. O mesmo vale para os que organizam atos, passeatas, desfiles, comícios ou que deles participem, e para os que conduzam, elaborem, confeccionem, imprimam, guardem ou distribuam “material subversivo de qualquer natureza”. Não satisfeito pela amplitude da caracterização dos atos subversivos, define que comete infração também, aqueles que usam as dependências do estabelecimento de ensino para fins de “subversão” ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública. Enfim, tudo era passível de ser classificado como infração disciplinar.

 

Os efeitos do Decreto 477/69 não foram encerrados com a sua revogação em 1979. O uso sistemático da repressão e ameaças nas universidades, e no conjunto da vida social daquele período, não foi uma característica exclusiva da ditadura no Brasil. Senão analisemos, sem um mínimo de surpresa, recebi de um coordenador da UFCG, uma mensagem eletrônica enviada na sexta-feira 13/03/2009 pelo Diretor do CCT da UFCG para todos os coordenadores das unidades daquele centro a qual reproduzo parcialmente aqui:

 

“Em recente reunião do PLENO desta UFCG foi informado pelo Presidente do Conselho que a Universidade apresenta muitos de seus cursos com os processos de reforma curricular em atraso e que tantos outros estão com seus Projetos Pedagógicos defasados. Este fato levará o MEC a fazer avaliações mais demoradas e com um nível maior de exigência junto a UFCG e, em assim sendo, a Administração Superior de nossa Instituição estuda possibilidade de implantação de sanções progressivas que visam pressionar suas Unidades Acadêmicas para a solução de tais problemas”.

 

As sanções citadas acima poderiam iniciar pelo bloqueio da emissão de passagens e diárias para TODOS os professores das unidades acadêmicas cujos cursos de graduação encontrem-se com seus Projetos Pedagógicos defasados ou com suas reformulações curriculares atrasadas ou emperradas (sic), passando por não permitir progressão funcional aos professores de tais unidades e concluindo com a destituição do Coordenador do Curso e até de toda a Administração Colegiada. A situação é tão grave que o curso também poderá ser impedido de realizar vestibular o que acarretará grande prejuízo à UFCG e à sociedade".

 

A assimetria entre os possíveis fatos geradores e o rigor das punições descumpre qualquer princípio jurídico de razoabilidade, tanto no Decreto 477/69 naquela época, como no comunicado do Diretor do CCT nos dias atuais.

 

No Decreto 477/69, no caso de ser um docente ou funcionário a pena poderia ser de demissão ou dispensa da instituição (a regra-geral) com o agravante de não mais poder ser contratado por outra instituição da mesma natureza por cinco anos. Ou seja, o docente era demitido e não poderia exercer a profissão por longos cinco anos. No caso de ser aluno, seria desligado e impedido de se matricular em qualquer estabelecimento de ensino por três anos. Se fosse bolsista perderia a bolsa e não poderia obter nova bolsa por longos cinco anos, impedindo a defesa de teses, dissertações e a conclusão de pesquisas. O rito da punição era sumário. Vinte dias, improrrogáveis. E seria conduzido por indicado do dirigente da instituição que, com isso, tornariam-se cúmplices voluntários ou não da repressão. Caso existisse a suspeita de crime caberia ao dirigente da instituição providenciar a instauração de inquérito policial.

 

A onda de repressão advinda do Decreto 477/69 confirma a sanha repressora que se abateu sobre a universidade. A perseguição ideológica era ao mesmo tempo externa, vinda dos aparatos de segurança da ditadura empresarial-militar, e interna, proveniente das assessorias de segurança, de departamentos, congregações e colaboradores individuais. As listas dos “subversivos” foram elaboradas às escondidas e também abertamente. O terror foi instalado na vida universitária.

 

Com relação à mensagem do Diretor do CCT, como dizem sempre os democratas, “estamos num Estado Democrático de Direito”, gostaria de relembrar apenas um artigo do Regime Jurídico Único (RJU):

 

“Art. 143 - A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.”

 

No contexto da crise de “hegemonia” que passa a UFCG não foi possível que a comunidade universitária, por debilidade teórica e organizativa, se afirmar como sujeito da história desta universidade, na última consulta eleitoral. Embora as políticas sejam encaminhadas majoritariamente por meios não explicitamente coercitivos, a repressão não está descartada. Isto é a institucionalização da política da ameaça no meio acadêmico da UFCG. Decreto 477/60 e UFCG tudo haver!

 

Para finalizar nada melhor do que citar Florestan Fernandes que dizia que “nenhuma tirania conseguiu domar o homem.”

 

 

Amauri Fragoso de Medeiros é professor da Unidade Acadêmica de Física da UFCG.


Data: 30/03/2009