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Artigo - Washington Franklin Pereira da Silva: um homem sem importância

Por Wagner Braga Batista

 

Nos anos 70, assisti  filme muito sugestivo. Tratava-se de “Um homem sem importância”, dirigido por Alberto Salva com participações de Vianinha (Oduvaldo Vianna Filho) e Glauce Rocha. Em síntese, focalizava o dilema de um jovem, filho de operário, que se defrontava com a falta de qualificação para o trabalho, com o desemprego e a incompreensão de seu pai, interpretado pelo inesquecível Rafael de Carvalho. Esse jovem, em seu esforço vão, consultava insistentemente classificados de jornais, fazia fichas em agencias de emprego, percorria ingentemente empresas, esbarrando nos obstáculos típicos de uma economia predatória que desqualifica e destrói aqueles que a fazem crescer. Exige capacitação para o trabalho e não proporciona condições elementares para que muitos jovens possam exercer atividades produtivas para as quais estão potencialmente aptos.

 

O filme discorria sobre o significado da importância humana num contexto que pouco mudou. Dentro desses limites, colocava em questão o que é considerado importante nos homens na sociedade em que vivemos.

 

Pois bem, na manhã da última sexta-feira, soube pela Elza, dona de um bar na entrada do Pedregal, que Washington Franklin Pereira da Silva havia falecido. Ela retornava do velório e me falou de Washington com muito carinho. Disse que acompanhara seu sofrimento recente e do quanto sentiria falta da sua companhia. Súbito, percebi que me defrontara com palavras e sentimentos que perdemos o hábito de ouvir e externar. Principalmente num ambiente de trabalho no qual vamo-nos acostumando à indiferença, a relações vazias ou evasivas. Aos elogios e gestos dissimulados que escondem o quanto relações acadêmicas, administrativas, pessoais e sindicais vem se deteriorando.

 

Conheci Washington no final dos anos 70, quando as relações na universidade pareciam-me mais consistentes. Menos suscetíveis a deformidades que adulteram a convivência humana, a exemplo da bajulação, da cooptação e do cinismo. Quando as pessoas pareciam-me mais sinceras ao manifestar seus sentimentos e suas convicções. À época, Washington era funcionário do antigo Departamento de Engenharia Civil, no qual posso dizer que cultivei grandes amizades. Inúmeras vezes recorri aos seus préstimos, contei com sua atenção, com seu auxílio e com seu apreço para a realização de atividades comezinhas. Outras tantas, conversamos sobre as coisas da vida, percorrendo a cidade ou o caminho da universidade.

 

Washington estava aposentado. Portanto, era um inativo. Assim são chamadas as pessoas postas à margem da “vida funcional”. Washington não tivera cargos, não suscitara poder ou prestígio, portanto pouco poderia acrescentar aos que lhe cercavam. Desse modo, seu velório e sepultamento não contaram com a presença desse tipo de gente que ronda festejos e atos fúnebres, perseguindo celebrações e desgraças, com o mesmo ímpeto, para tirar proveito da alegria ou da dor alheia.

 

Washington era um homem sem importância.

 

Nessa falsa acepção, lembrei-me do sepultamento do memorável professor Max Hans, no cemitério do Araxá. Já não era mais diretor de centro, construtor de ferrovias ou o grande mestre da antiga Politécnica, que se aposentara compulsoriamente. Era apenas o homem integro que dera a vida pela universidade. Não era mais objeto da atração e de interesses mesquinhos. No sepultamento havia apenas seis colegas seus.

 

Washington não sinalizava ascensão funcional, melhorias na carreira, vantagens no contracheque ou qualquer sorte de benefícios pessoais. Era um homem simples que privava com pessoas simples como ele. Desses funcionários dedicados que nunca mereceram comendas, placas e louvores. Um dos tantos servidores que a universidade rapidamente esquece.

 

Como todos nós, Washington era um homem sem importância. Como todos nós, era um homem de enorme importância.

 

Os que privávamos com ele sabíamos da sua grandeza e da sua humanidade, muitas vezes irreconhecível em meio aos seus dramas diários. Uma grandeza que não lhe permitia deixar que ambições e percalços da vida tomassem conta de rotinas triviais. Que não deixou que se convertesse em refém dos signos de importância gerados por essa perversa cultura da exclusão. Que impediu que caísse nas armadilhas das ambigüidades e vicissitudes que nos cercam e tornam iguais dessemelhantes. Arapucas que induzem à eleição de importâncias efêmeras. Que geram pulsões deformadoras capazes de apagar o que é significativo nas relações humanas.

 

Washington, com todas suas virtudes, não era um “homem importante”. Era apenas um homem simples. Um homem de bom coração.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 23/03/2009