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Quadrinhos conquistam espaço na literatura escolar

Neste ano, 23 títulos serão enviados às instituições públicas pelo MEC; número é recorde

A adaptação de O Alienista, de Machado de Assis, vencedor do último Prêmio Jabuti na categoria de melhor livro didático e paradidático do ensino fundamental ou médio, é uma das 23 histórias em quadrinhos (HQs) que o Ministério da Educação (MEC) vai distribuir neste ano para as escolas públicas do País.

Criado em 1997, o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) ignorou as HQs por dez anos. Em 2007, 14 obras entraram na lista. Desde então, o número de HQs vem aumentando. Foram 16 em 2008 e, em 2009, a participação chega a 4,2% dos 540 títulos que deverão chegar às escolas até março.

Mais importante do que a ampliação numérica foi a valorização da linguagem das HQs na última seleção oficial, avalia Waldomiro Vergueiro, coordenador do Núcleo de Pesquisa de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

Ele também elogia a inclusão do ensino médio na relação das escolas que vão receber HQs. Os adolescentes poderão ler três álbuns do quadrinista norte-americano Will Eisner (1917-2005): A Força da Vida, O Sonhador e Um Contrato com Deus. Publicada originalmente em 1978, esta última é considerada a primeira graphic novel (romance gráfico). O aluno que procurar super-heróis não vai encontrar.

O diretor de Políticas de Formação, Materiais Didáticos e de Tecnologias para Educação Básica do MEC, Marcelo Soares, diz que as HQs são "estratégicas para desenvolver o prazer e o gosto pela leitura". Mas Vergueiro não gosta da premissa de que as HQs seriam um caminho para a literatura. "Podem até levar, mas essa visão instrumental é equivocada. Continua sendo preconceituosa", afirma.

Inicialmente, a maioria das HQs escolhidas pelo governo tinha forte ligação com a literatura, e isso aos poucos diminuiu, diz o pesquisador. Mas o número de adaptações ainda é grande. Além de O Alienista, há versões para Moby Dick, de Herman Melville, Oliver Twist, de Charles Dickens, O Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues, Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, e Irmãos Pretos, da alemã Lisa Tetzner. Outro álbum, Domínio Público: Literatura em Quadrinhos, traz obras de seis autores nacionais (Machado de Assis, Olavo Bilac, Lima Barreto, Augusto dos Anjos, Alcântara Machado e Medeiros de Albuquerque).

Vergueiro discorda da avaliação de que seria melhor para os alunos ler os originais. "Quando se passa um livro para quadrinhos, alguma coisa se perde e alguma se ganha. São obras diferentes, não comparáveis." Há adaptações que se prendem demais à linguagem literária e o resultado não é bom, avalia o pesquisador, assim como livros não tão bons que se transformam em grandes HQs. "Essa discussão é bastante rica para se fazer em sala de aula", diz ele, que coordenou o livro Quadrinhos e Educação, que será lançado este ano. Segundo Vergueiro, a recepção de professores tem sido muito boa.

Adaptação

A versão para O Alienista foi feita pelos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, de 32 anos, formados em artes plásticas. Após receber o Jabuti, Fábio declarou que o trabalho não havia "resumido ou diminuído a obra de Machado, como muitos esperam de uma adaptação em quadrinhos, mas sim acrescentado uma camada nova". "É um jeito diferente de contar a história. A maneira como Machado descreve as pessoas é muito boa, e o legal era usar isso. Tem mais diálogo do que narração, ao contrário do livro, mas tentamos manter o texto", diz Gabriel. O MEC selecionou outro livro deles, 10 Pãezinhos: Meu Coração, Não Sei Por Quê.

A adaptação dos gêmeos é um bom exemplo do que representa o PNBE para as editoras. Até a semana passada, O Alienista, lançado pela Agir em abril de 2007, havia vendido 5 mil exemplares nas livrarias. Já o MEC comprou 27 mil. O livro inaugurou a coleção Grandes Clássicos em Graphic Novel da editora, e o segundo volume está previsto para abril: O Pagador de Promessas, de Dias Gomes. "Os editores veem que há interesse do governo e direcionam a produção. Um alimenta o outro. Acontece hoje com as HQs o que ocorreu duas décadas atrás com a literatura infanto-juvenil, que começou a ser mais valorizada depois da inclusão em listas oficiais", avalia Vergueiro. "As HQs seguem o mesmo caminho: cresce o número de pesquisas, o governo se interessa e o mercado vai produzindo."

Gabriel Bá diz que a supertiragem provocada pelo PNBE pode ser um incentivo para a produção. "Quadrinho é difícil de encontrar em livraria e inviável hoje em banca, que funciona mais com revista mensal a preço baixo." O diretor do MEC reconhece o impacto da compra oficial: "Mas nossa preocupação é incentivar o hábito da leitura e aprimorar o processo de aprendizagem". Na lista há clássicos nacionais como Henfil e Ziraldo e também Asterix e Luluzinha.

Vergueiro destaca a inclusão de biografias em quadrinhos, como D. João Carioca, do cartunista Spacca.

(O Estado de SP, 01/2)


Data: 03/02/2009