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Prazer sintético

Transformar vinho barato numa iguaria envelhecida requer apenas uma corrente elétrica forte, diz cientista

A maioria das pessoas tem uma dessas em casa: uma garrafa de vinho barato e ruim que sobrou de um jantar e parece estar pedindo para ser descartada -ou tragada em uma daquelas madrugadas nas quais toda a bebida boa acabou. Mas e se você pudesse transformar vinho barato em vinho fino com apenas alguns minutos de trabalho? Isso pode ser exatamente o que um amante do vinho precisa.

A nova técnica conta com o apoio de uma década de pesquisas, cujos resultados foram publicados por uma revista científica respeitável e cujo produto final foi aprovado no teste definitivo: uma degustação por um painel de enólogos com os olhos vendados.

O segredo, desta vez, é um campo elétrico. Quando você passa um vinho tinto impalatável e novo por um conjunto de eletrodos de alta voltagem, a bebida se torna prazerosamente digerível. "Usar um campo elétrico para acelerar o envelhecimento é uma maneira viável de reduzir o tempo de amadurecimento e melhorar a qualidade do vinho jovem", disse Hervé Alexandre, professor de enologia da Universidade da Borgonha -região que abriga alguns dos melhores vinhedos de toda a França.

Não importa até que ponto você seja impaciente -ou mesmo descuidado- em relação àquilo que consome, vinho fresco é indigerível. Nenhum vinho pode ser bebido antes dos seis meses de idade. A maioria deles, em especial os tintos, precisa de mais tempo para atingir o balanço e complexidade requeridos. Os mais finos aguardam 20 anos pelo desenvolvimento pleno.

"Made in China"

Existem bons motivos comerciais para que as vinícolas tenham interesse em desenvolver alternativas mais rápidas, especialmente em lugares como a China, nos quais o setor é jovem e está florescendo. Isso permitiria que os produtores levassem os vinhos às lojas mais rápido a fim de atenderem à demanda e de reduzirem o custo de armazenagem.

O setor alimentício vem experimentando campos elétricos como substitutos para tratamentos de calor desde os anos 1980, e há dez anos Xin An Zeng, químico da Universidade de Tecnologia do Sul da China, em Guangzhou, decidiu analisar o que o método poderia fazer pelo vinho. Os resultados iniciais foram promissores o bastante para que Zeng continuasse com suas pesquisas.

Ele decidiu bombear o vinho por uma tubulação posicionada entre dois eletrodos de titânio, alimentada por uma corrente alternada reforçada. Para o vinho de teste, a equipe selecionou um cabernet sauvignon produzido três meses antes pela Suntime Winery, a maior vinícola chinesa. Lotes diferentes de vinho passaram um, três ou oito minutos submetidos à ação dos diferentes campos elétricos. A equipe analisou depois o vinho tratado, tentando encontrar alterações químicas que pudessem alterar sua sensação gustativa e sua qualidade.

Os resultados foram mostrados a um painel de 12 enólogos experientes que realizaram uma degustação cega. O veredicto foi relatado na revista científica "Innovative Food Science and Emerging Technologies". Os resultados foram notáveis.

Com o tratamento mais curto, o vinho áspero e adstringente se tornava mais suave. Uma exposição mais longa propiciava o surgimento de alguns dos traços essenciais do envelhecimento -um "nariz" mais maduro, melhor equilíbrio e mais complexidade.

A melhora chegava ao seu ponto máximo depois de três minutos de tratamento a 600 volts por centímetro. Isso deixava o vinho bem equilibrado e harmonioso, com o "nariz" de um vinho envelhecido e -o que era mais importante- ainda reconhecível como cabernet sauvignon.

Sobrecarga elétrica

Mas exagerar na dose estraga o efeito. Com a voltagem aumentada e uma aplicação por mais tempo, surgem mudanças novas e indesejadas, incluindo a geração de novos aldeídos. Excesso de eletricidade, avaliou o painel, resulta em um vinho ainda pior que o original.

Mesmo que Zeng ainda não saiba explicar como a exposição a um campo elétrico altera a química do vinho, seus resultados demonstraram que a técnica poderá ser útil. "O tempo de armazenagem normal do vinho pode ser reduzido, e a qualidade de alguns dos vinhos inferiores melhorada", ele diz. "E funciona igualmente bem com outras variedades de uva, como merlot e shiraz". Cinco vinícolas chinesas já começaram a testar o sistema.

Infelizmente para os adeptos do vinho, não há perspectiva imediata de testar o método em casa. "Já pensei em projetar um equipamento para uso doméstico", admitiu Zheng. "Mas ainda não é hora."

(Folha de SP, 28/12)


Data: 29/12/2008