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Sistema de ciclos não piora ensino, diz estudo

Pesquisa aponta que alunos que estudam nesse método apresentam notas bastante semelhantes às dos alunos do sistema seriado; nos ciclos, estudantes não podem ser reprovados em todas as séries; sistema tem taxas menores de evasão e de repetência de alunos

Poucos debates educacionais mobilizaram tanto recentemente a sociedade quanto a adoção do sistema de ciclos. Objeto de discussões acaloradas em debates eleitorais, muitos políticos acusaram o modelo de ter piorado a qualidade de ensino com a "aprovação automática" de alunos sem base.

Um estudo a partir do desempenho de estudantes na Prova Brasil (avaliação do MEC que monitora a performance de alunos em português e matemática) traz um pouco de luz à discussão, mostrando que praticamente não há diferença nas notas em sistemas de ciclos -em que a reprovação não ocorre todo ano- e seriados.

O trabalho foi elaborado pelos pesquisadores Naércio Menezes Filho (USP e Ibmec), Lígia Vasconcellos, Sérgio Werlang e Roberta Biondi (os três últimos do Banco Itaú). Pela primeira vez, eles utilizaram dados da Prova Brasil para comparar os sistemas.

A primeira comparação feita pelos autores do estudo é favorável aos alunos no sistema de ciclos, pois mostra que o desempenho deles nas provas de português e matemática é melhor, variando de uma diferença de 0,9% (na prova de matemática na 8ª série) para 4,4% (em português na 4ª série).

Nível socioeconômico

Isso, no entanto, não é suficiente para comprovar que o sistema de ciclos seja melhor, já que a diferença poderia ser devida ao fato de esses estudantes terem nível socioeconômico mais elevado e estarem em escolas mais bem equipadas.

Para captar melhor o efeito dos ciclos, os autores refizeram o cálculo, mas, desta vez, levando em consideração características das escolas e das famílias -que, já se sabe, têm peso significativo no rendimento.

Em outras palavras, eles comparam estudantes nas mesmas condições e com mesmas características.

O resultado mostra que a diferença passa a ser favorável a alunos no sistema seriado, mas é mínima. Na 4ª série, as notas dos estudantes em escolas que adotam o sistema seriado foi apenas 1% superior, diferença que fica dentro da margem de erro do levantamento. Já na 8ª série, a diferença é um pouco maior: 1,8% em matemática e 1,4% em português.

Os autores do estudo fazem uma leitura favorável desses dados ao sistema de ciclos. Eles mostram que as taxas de reprovação e abandono são menores nesse regime, o que faz com que mais alunos consigam completar o ensino fundamental.

Argumentam ainda que, mesmo com a queda na qualidade, os efeitos futuros no rendimento de um estudante formado no sistema de ciclos compensam a pequena perda de rendimento, já que, quanto mais escolarizado, maior é a renda do trabalhador.

Eles levantam duas hipóteses para o desempenho ligeiramente menor na 8ª série. A primeira é que, no sistema de ciclos, há menos empenho do estudante ao saber que ele não será reprovado todo ano.

A segunda é que, nesse regime, mais alunos de menor nível socioeconômico conseguem chegar à 8ª série, o que acaba tendo impacto nas médias da turma. No sistema seriado, argumentam, esses jovens provavelmente já teriam abandonado a escola ou estariam retidos em séries mais atrasadas.

Lígia Vasconcellos diz que não deve se esperar que a simples adoção de ciclos aumente o desempenho. "É preciso ter mais qualidade, mas não é a progressão continuada que vai explicar a melhora ou a piora."

Professores foram contrários à forma de implantação de ciclos

Sindicatos apontam vantagens no sistema, mas dizem que ele também pode ser usado para maquiar dados da educação; No Rio e em SP, modelo foi também tema de debates em campanhas eleitorais

Rio e São Paulo, recentemente, vivenciaram momentos em que o debate sobre a qualidade da educação parecia se limitar à adoção ou não de ciclos. Nos dois Estados, os sindicatos dos professores se posicionaram criticamente à implementação do sistema, argumentando que o problema estava na forma como isso ocorreu.

Em São Paulo, as discussões chegaram ao seu auge nas eleições para o governo do Estado, em 2002, quando os candidatos José Genoino (PT) e Paulo Maluf (do então PPB) atacavam com freqüência o que chamavam de "aprovação automática" da gestão dos tucanos Mário Covas e Geraldo Alckmin.

Maria Izabel Noronha, presidente da Apeoesp (sindicato dos professores de SP), diz não ter ficado surpresa com o fato de um estudo mostrar que não há perda na qualidade. "Considero o sistema um avanço por ser menos excludente. O que criticamos foi a forma autoritária com que foi implementado em São Paulo, sem a preocupação de formar o profissional e dar a ele insumos para trabalhar adequadamente."

No Rio, o ponto alto do debate ocorreu neste ano, quando quase todos os candidatos à prefeitura -com exceção da candidata de situação- criticaram a ampliação do sistema de ciclos na gestão Cesar Maia (DEM). O eleito, Eduardo Paes (PMDB), inclusive prometeu acabar com o sistema em seu primeiro ato de governo.

Também no Rio, o sindicato dos professores foi uma das principais vozes contrárias. "Se houver um trabalho para que o ciclo seja praticado, ele é eficaz. Mas o que aconteceu no Brasil é que vários governos aproveitaram essa idéia apenas para maquiar a má qualidade do ensino, já que a reprovação e o abandono diminuem se você não repetir nenhum aluno", afirma Vera Nepomuceno, diretora do sindicato.

Segundo ela, tanto no sistema seriado quanto no de ciclos há cada vez mais alunos chegando ao ensino médio com problemas que deveriam ter sido sanados na alfabetização. "Com o ciclo, no entanto, o problema é mais camuflado, mas ele não é o vilão da história."

(Folha de SP, 15/12)


Data: 15/12/2008