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Brasileiro com Aids vive mais

Sobrevida no país dobra. Mas vírus se propaga entre pessoas acima de 50 anos

As pessoas com diagnóstico de Aids estão vivendo hoje mais no Brasil. Os últimos números sobre a epidemia divulgados ontem pelo Ministério da Saúde mostram que, graças à distribuição de remédios e a novos antiretrovirais, a expectativa de vida mediana após o diagnóstico é de nove anos, o dobro do tempo registrado antes do uso dos coquetéis de medicamentos.

O estudo informa que mais da metade dos pacientes diagnosticados em 1998 e 1999 continuam vivos. Mas, entre os casos identificados em 1996, metade resultou em óbito em menos de cinco anos. Segundo o ministério, a duplicação do tempo de sobrevida se deve às melhorias no diagnóstico, atendimento e acesso a tratamento.

O novo perfil da distribuição da doença confirma a tendência de estabilização de novos casos no país. E mostra um novo risco: o crescimento de casos entre heterossexuais, homens e mulheres, com mais de 50 anos. Os brasileiros estão fazendo sexo até mais tarde, mas esse grupo é o mais refratário a medidas de prevenção de contágio da Aids — essa faixa da população é o alvo da campanha publicitária deste ano. O crescimento de casos entre jovens homossexuais também preocupa.

Tricô, baralho e muito mais

A diretora do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, Mariângela Simão, diz que há distorções nesses dois grupos sobre o risco de contrair o HIV. Mariângela frisa que as pessoas também têm uma visão errada sobre a letalidade da doença, já que os medicamentos aumentaram a sobrevida.


A Aids continua a ser letal

—Cerca de 70% da população de mais de 50 anos é sexualmente ativa, talvez até mais. As pessoas acham que os coroas não transam. Acham que só fazem tricô e jogam baralho. Mas, na verdade, eles fazem isso e depois rola muito mais — disse o ministro da Saúde, José Temporão.

A propaganda para estimular o uso do preservativo nessa faixa etária levou em consideração que essas pessoas não vivenciaram a epidemia na juventude e não se consideram em risco. No caso de jovens homossexuais, a suspeita é que a qualidade do tratamento pode ter reduzido a preocupação com a proteção. A incidência de Aids (casos notificados por 100 mil habitantes) entre homens acima de 50 anos ficou em 20,6 em 2006.

Dez anos antes, era de 11,7. Entre mulheres dessa faixa etária pulou de 3,7, em 1996, para 11,4, em 2006.

— O perfil dos casos mostra que é uma epidemia claramente heterossexual — disse Mariângela Simão, sobre o grupo com mais de 50 anos.

Segundo o ministério, na faixa etária de 50 anos ou mais, apenas 22,3% usaram camisinha na última relação sexual, contra 57,3% na faixa etária de 15 a 24 anos. O governo comprou 1 bilhão de camisinhas para distribuição gratuita este ano e 1,2 bilhão para 2009.

Em todo o país, 0,6% da população de 15 a 49 anos tem Aids. Há no Brasil 506,5 mil casos e 205,4 mil mortes acumuladas. Em 2007, a taxa de incidência nacional ficou em 17,8 casos por cada 100 mil habitantes e o coeficiente de mortalidade ficou em 5,8 para cada 100 mil habitantes.

O fornecimento gratuito do coquetel de antiretrovirais e o bom nível de adesão são responsáveis pelo aumento da sobrevida. Entre aqueles que usaram os medicamentos, 65,7% continuaram vivos após nove anos, em comparação com 12,6% que não o fizeram. A sobrevida também é maior entre mulheres.

O aumento da sobrevida, porém, pode esconder a realidade de mortes precoces, geralmente por diagnóstico tardio. Segundo Mariângela, dos cerca de 11 mil óbitos anuais, 3 mil são de casos identificados havia um ano. Os dados de sobrevida mediana se referem ao tempo de sobrevivência de metade dos pacientes, não ao tempo médio total.

Mortalidade no Rio está entre as mais altas

O Rio de Janeiro está entre os três estados em que a situação do diagnóstico e tratamento de Aids é considerada preocupante pelo Ministério da Saúde. Segundo o ministério, além do Rio, o Rio Grande do Sul e Mato Grosso têm índices de mortalidade pela doença muito acima da média nacional.

— Esses três estados apresentam, persistentemente, coeficientes mais altos do que a média do Brasil, que é de 6 óbitos para 100 mil habitantes. No Rio temos uma questão que está posta na mídia: há dificuldade de estruturação de serviços de saúde. Há um pequeno número de unidades de atenção básica, que são a porta de entrada para o sistema de saúde — disse Mariângela Simão, diretora do Programa Nacional de DST e Aids.

A taxa de mortalidade no Rio foi de 9,9 para 100 mil em 2006 (1.579 mortes) e 9,3, segundo os dados preliminares de 2007. É menor apenas que a do Rio Grande do Sul, onde esse número foi 12,8 em 2006 (1.380 mortes).

— Há evidências também (no Rio) de que o acesso ao diagnóstico é mais complicado. A dificuldade nem sempre é geográfica, temos regiões metropolitanas com áreas muito descobertas. Na capital, por exemplo, estamos, junto com a prefeitura, utilizando com mais intensidade o teste rápido — afirmou Mariângela. No Norte e Nordeste, há um ligeiro aumento histórico na incidência de Aids, apesar da tendência de estabilização nacional. O Sul tem a maior incidência, devido à antiguidade da epidemia na região.

Outro fator que chama a atenção do governo é a possibilidade de que a epidemia de Aids no Norte do país ganhe características “caribenhas”, devido à transmissão entre as populações quem migram nas fronteiras com as Guianas, especialmente a Guiana francesa, onde a situação é mais crítica.

Do coma a uma vida normal, em 17 anos

Desde que recebeu seu diagnóstico, há 17 anos, Claudinei Alves Pereira, 37, já passou pelo elenco de dificuldades que fazem parte da vida de pacientes de Aids. Aos 20 anos, ficou em estado semivegetativo devido a uma tuberculose e chegou a pesar 46 quilos. Usuário de drogas, à época recorreu a elas depois de ser desenganado por médicos.

Perdeu o emprego como chefe de cozinha, passou pelo AZT e hoje milita no movimento social de pessoas com Aids.

— Falar de sobreviver é coisa dos anos 80. Hoje nós vivemos com Aids, e vivemos bem. Mas ainda não dá pra falar de sobrevida ótima. Há ainda problemas — afirma Claudinei. — Temos os antiretrovirais gratuitos, mas ainda faltam tratamento e acompanhamento mais completos para outros problemas médicos voltados para pessoas que vivem com Aids.

A qualidade de vida, segundo ele, esbarra também na inserção no mercado de trabalho. Empregadores resistem a contratar soropositivos, muitas vezes por preconceito ou falta de informação.

— Faltam políticas públicas de informação voltadas ao mercado de trabalho — aponta ele. — O empregador engaveta o currículo quando se menciona alguma necessidade de saúde especial relacionada à Aids. E não há como não informar isso para o futuro chefe.

(O Globo, 26/11)


Data: 26/11/2008