topo_cabecalho
Câmara aprova cota de 50% em federais

Projeto, que agora será analisado pelo Senado, reserva metade das vagas em universidades federais para alunos da rede pública; vagas destinadas à rede pública terão de ser distribuídas a candidatos negros, pardos e indígenas, na proporção da população

A Câmara dos Deputados aprovou ontem, em votação simbólica, projeto que reserva pelo menos 50% das vagas em cada curso e turno de universidades federais para estudantes que tenham feito todo o ensino médio em escolas públicas.

Para entrar em vigor, o projeto precisa ser aprovado pelo Senado e sancionado pelo presidente Lula da Silva. Hoje, as instituições têm adotado diferentes modelos para aumentar o número de alunos da rede pública no sistema (como bônus e cotas, mas com distintos percentuais de reserva).

Pelo texto, as vagas destinadas à rede pública terão de ser distribuídas a candidatos autodeclarados negros, pardos e indígenas em uma proporção no mínimo igual à da população do Estado onde fica a faculdade, segundo o censo do IBGE.

A principal mudança feita pela Câmara com relação ao projeto do Senado foi a inclusão de um critério de renda para definir os beneficiados.

Por sugestão do deputado e ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza (PSDB), a base governista aceitou destinar metade das vagas reservadas à escola pública para alunos de famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo per capita. Por conta da mudança, o texto voltará ao Senado, onde já havia sido aprovado.

Em uma universidade com mil vagas, por exemplo, 500 cadeiras serão obrigatoriamente para estudantes que tenham cursado o ensino médio em escolas públicas, sendo que estas vagas serão distribuídas segundo a etnia. Ainda dentro destas 500 vagas, 250 serão para pessoas que venham de família com renda igual ou inferior a um salário mínimo por pessoa.

Caso as vagas não sejam preenchidas segundo os critérios estabelecidos, elas serão destinadas a outros estudantes egressos de escolas públicas.

Antes da aprovação do texto, o ministro Fernando Haddad (Educação) disse não se opor à inclusão do critério de renda na reserva de vagas, regra que não constava do texto do governo.

Defensor das cotas, diz não ver risco de os alunos mais pobres não conseguirem acompanhar os cursos. "Isso não ocorreu no ProUni. Alunos com bolsa integral têm desempenho melhor do que os não-bolsistas e os bolsistas parciais."

O Inep (instituto de pesquisas do MEC) afirmou não ter disponível o percentual de alunos das federais provenientes do ensino médio público.

Levantamento feito pelo Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, divulgado no início deste ano, mostrou que 22 das 53 universidades federais têm algum tipo de ação afirmativa (cotas ou bonificação no vestibular).

Escolas técnicas

O projeto aprovado também vale para instituições federais de ensino técnico de nível médio. Neste caso, os beneficiados serão os que tiverem cursado integralmente o ensino fundamental na rede pública.

Ainda de acordo com o texto aprovado, as universidades federais deverão implementar no mínimo 25% da reserva de vagas a cada ano e terão o prazo máximo de quatro anos, a partir da publicação da lei, para o cumprimento integral da regra.

O Executivo terá que fazer, depois de dez anos, uma revisão do novo sistema de cotas.

Para o sociólogo Demétrio Magnoli, "a cota para os estudantes do ensino público é um "bandaid" provisório para uma coisa inaceitável, que é o ensino privado ser muito melhor que o público. Por que temos que separar os estudantes em raças?".

Já o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), comemorou: "Aprovamos um texto de justiça social e étnica."

A constitucionalidade da política de cotas é questionada no Supremo Tribunal Federal pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino.

Associação de universidades critica projeto

A Andifes (associação que representa as universidades federais) informou ontem ser contrária ao projeto de reserva de vagas aprovado pela Câmara. O principal problema apontado pela entidade é determinar um modelo único de cotas para todas as instituições federais de ensino do país.

"Cada universidade está inserida em uma realidade. É ela que deve definir qual política a adotar, se é cotas ou bônus, e os percentuais. E elas já têm feito isso", afirmou o presidente da Andifes, Amaro Lins, reitor da Universidade Federal de Pernambuco.

"Estipular os 50% pode trazer efeito negativo para o ensino superior, pois pode haver cursos em que não haja uma quantidade suficiente de alunos preparados para preencher essa reserva", disse.

O secretário-executivo da entidade, Gustavo Balduino, criticou a inclusão da fixação de um critério de renda (um salário mínimo e meio) para o preenchimento de parte das cotas. "O valor representa uma coisa em São Paulo e outra no Norte, por exemplo. Você estará atingindo públicos diferentes com a mesma lei."

A entidade afirma que tentará convencer os senadores a barrarem ou ao menos alterarem o projeto aprovado.

Texto aprovado por deputados tem artigos contraditórios

A redação final do projeto de reserva de vagas, aprovado ontem na Câmara, deixou dúvidas sobre a necessidade ou não de vestibular para os cotistas. A pressa do presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), de aprovar a proposta por causa do Dia Nacional da Consciência Negra e a falta de atenção fez com que os deputados votassem o texto com artigos contraditórios -um deles deveria ter sido suprimido.

O relator da matéria, deputado Carlos Abicalil (PT-MT), disse que tinha sido retirada a parte que estabelecia que a seleção dos alunos oriundos de escolas públicas deveria ser feita com base no "coeficiente de rendimento, obtido através de média aritmética das notas ou menções obtidas no período, considerando-se currículo comum a ser estabelecido pelo Ministério da Educação".

A frase, no entanto, foi aprovada, assim como a que fala em "concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação". Na pressa, os deputados votaram emendas manuscritas e não perceberam a dubiedade. O relator não estava presente na hora da votação, mas, por telefone, disse que o texto votado estava equivocado.

Horas mais tarde, a Secretaria Geral da Mesa esclareceu que, apesar de a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) ter recomendado a retirada do artigo sobre o currículo comum, nada foi feito, nem na comissão nem ontem no plenário.

A confusão não deve atrapalhar a tramitação do projeto, que segue agora para ser votado em pelo menos duas comissões do Senado e no plenário. A assessoria de imprensa do MEC informou que é inviável adotar um currículo comum para o ingresso nas universidades federais já que cada Estado adota uma forma de avaliação. Disse ainda que trabalhará para que o artigo que trata do assunto seja retirado pelos senadores.

 

Ministro defende limite de renda

O ministro da Educação, Fernando Haddad, participou ativamente da negociação que permitiu a aprovação do projeto. De seu gabinete, por telefone, orientava o líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS). O tom da conversa era tenso: num dos diálogos, Haddad quase gritava, a ponto de ser ouvido na sala ao lado, onde jornalistas o aguardavam para uma entrevista.

Ele interrompeu a entrevista três vezes para falar com Fontana.

- A discussão é sobre o corte de renda. O ingrediente novo é esse. Acho cabível - afirmou o ministro.

Haddad defendeu que o limite de renda familiar fosse o mesmo do programa Universidade para Todos (ProUni): um salário mínimo e meio por pessoa, no caso de quem ganha bolsa de 100% para estudar em instituições privadas.

Em relação à resistência de universidades federais contra a definição de uma regra nacional de cotas, já que diversas instituições adotam modelos distintos de reserva de vagas, o ministro lembrou que foi acertado um prazo de transição de quatro anos, o que garantiu o apoio da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

Um critério para cada instituição

O programa Universidade para Todos (ProUni), que concede bolsas para universitários em instituições particulares, já adota critérios raciais e socioeconômicos para selecionar seus beneficiários. Universidades federais também fazem reserva de vagas em diferentes formatos, levando em conta ora um, ora outro ou mesmo ambos critérios.

O ProUni serviu de parâmetro para a definição dos critérios no projeto de lei de cotas das universidades federais aprovado ontem na Câmara. A lei do ProUni, promulgada em janeiro de 2005, estabeleceu a exigência de que os candidatos tenham cursado o ensino médio em escolas públicas ou tenham recebido bolsa integral em colégios particulares.

Mas, para ser selecionado no ProUni, os alunos precisam comprovar que são de famílias de baixa renda. A bolsa de 100% é dada a quem vive em lares com renda por pessoa inferior a meio salário mínimo. As bolsas parciais de 50% permitem rendimento mais elevado, de três salários mínimos por pessoa na família.

Do total de bolsas concedidas aos universitários no ProUni, um percentual é reservado a autodeclarados pretos e pardos. Esse percentual, a exemplo do que foi aprovado ontem, varia de estado para estado, conforme a proporção de pretos e pardos na população.

A Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira instituição federal a reservar vagas para negros: 20% dos novos estudantes a cada vestibular, desde 2004. Na UnB, não há critérios socioeconômicos, só raciais.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que reserva 30% das vagas para o sistema de cotas, é preciso ter freqüentado escola pública. Como no ProUni, parte das vagas são destinadas a alunos que se declarem pretos ou pardos. Outras instituições que reservam vagas são a Universidade Federal do Espírito Santo, a Universidade Federal da Bahia e a Universidade Federal de Santa Catarina. Elas têm sido alvo de ações na Justiça.


Data: 21/11/2008