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Sistema de cotas raciais ainda não reverte desigualdades no ensino superior

Secretário do MEC reconhece que efeitos das políticas afirmativas só serão sentidos a longo prazo

Das 55 universidades federais do país, 16 adotam hoje algum sistema de reserva de vagas para negros em seus processos seletivos. Apesar dos avanços nas políticas afirmativas para a inserção de pretos e pardos no ensino superior, a disparidade ainda é grande quando se compara o acesso dos brancos à mesma etapa de ensino.

Em 2007, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 3,9% da população de pretos e pardos com mais de 25 anos tinha ensino superior completo. Entre os brancos, o percentual é três vezes maior: 12,6%.

Na avaliação do secretario de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (MEC), André Lázaro, os efeitos das políticas afirmativas só serão sentidos a longo prazo. Ele compara que em 1997 a relação entre brancos e negros que freqüentavam o ensino superior era de 5,6 e caiu para 2,6 em 2007.

"Essa relação está melhorando, ainda que não na velocidade desejada. Ainda não responde às necessidades da população negra, mas a gente nota uma tendência de melhoria", aponta.

Este ano, a Universidade de Brasília (UnB), primeira instituição federal a implantar o sistema, formou sua primeira turma. Quatro anos depois, os estudantes negros acreditam que o diálogo sobre o tema dentro da universidade melhorou. Humberto Borges, 18 anos, aluno do primeiro semestre do curso de Letras, diz que nunca sofreu preconceito por ser cotista.

"Os estudantes que entraram em 2004 sempre relatam que no início havia uma discriminação muito forte. Hoje eu vejo que existem muitas pessoas contrárias ao sistema, o debate é sempre polêmico, mas isso não muda a forma como a gente é tratado", explica.

Raquel Viana, 19 anos, também cotista e estudante de Biblioteconomia, acredita que a redução desse preconceito é fruto do bom desempenho dos cotistas. Estudos da UnB apontam que a nota dos alunos é igual ou superior ao dos estudantes que entraram na universidade pelo sistema tradicional.

"No começo, dizia-se que o nível do ensino e a qualidade do que era produzido pela universidade cairia. Com a comparação das notas esse discurso foi quebrado. Somos cotistas e as nossas notas são iguais ou ainda melhores que as do restante dos alunos", compara Raquel.

O secretário Lázaro defende que um dos principais méritos desse sistema é não vitimar mais gerações. "Um dos méritos da ação afirmativa é não dizer a uma geração que ela aguarde enquanto o país melhora. A diferença da escolaridade média entre a população branca e a negra está estável há três gerações", indica.

Para reverter de fato as desigualdade, o secretário do MEC acredita que são necessárias ações mais fortes. Um passo seria a aprovação de um dos três projetos de lei que estabelecem a obrigatoriedade da reserva de vagas nas universidades públicas e tramitam no Congresso Nacional. O mais antigo está na Câmara há nove anos.

"O Brasil está sendo muito tímido no enfrentamento da desigualdade racial e eu acho que isso é uma expressão de uma sociedade racista que não consegue olhar a questão de frente. O Brasil não consegue aceitar o problema, e se ele não existe, como você vai ter solução?", questiona.

A estudante Luiana Maia, 19 anos, aluna cotista do curso de História da UnB, defende que um dos principais méritos dessa política é apresentar o problema à sociedade.

"As cotas são uma ação afirmativa e, por isso, temporárias, para que a gente possa inserir os negros na sociedade. Elas não resolvem todo o problema, mas são um primeiro passo. O sistema ajuda a ter mais conversas, mais discussões a respeito. Quando a gente coloca os motivos e a necessidade do sistema as pessoas conseguem entender melhor. Mais ainda, as cotas ajudam a entender essa sociedade em que a gente vive", diz Luiana.

Política de cotas divide país em negros e brancos, defende antropóloga

Para a antropóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Yvonne Maggie, a reserva de vagas para negros nas universidades públicas ou em qualquer outra instituição é uma medida errônea e perigosa porque parte do princípio da crença em raças, o que segundo ela é inexistente.

"As cotas para negros carregam em si o veneno em lugar de solução porque para diminuir o racismo, elas constituem, fundam, a idéia de raça, dividindo os estudantes por força de lei em negros e brancos para assegurar direitos", explica.

Maggie é uma das intelectuais que em abril entregaram uma carta ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo o fim da política de cotas. Ela aponta que essa divisão contribui para a segregação. "As pessoas dizem que a sociedade brasileira já é dividida, mas ela não é dividida legalmente em negros e brancos, as leis são universais para todos. As políticas de cotas fazem essa segregação", defende.

A pesquisadora alerta que em episódios anteriores em que o Estado "obrigou" as pessoas a se definirem de acordo uma categoria, os resultados foram negativos. " Todas as vezes em que o Estado se meteu a definir a raça das pessoas produziu muito mais dor do que alívio, a começar pelo holocausto", argumenta.

Maggie acredita que os resultados desse tipo de intervenção podem ser "a morte e a carnificina" quando um dos grupos usa essa categorização como uma arma para defender seus direitos "Foi assim com o nazismo, foi assim em Ruanda", cita.

Para o coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília, Nelson Inocêncio, os movimentos e indivíduos que são contrários à política de cotas estão "alienados" ao processo. "Você começou com um movimento de uma ou outra universidade implantando o sistema e hoje são várias, ou seja, a tendência é o crescimento. Quem está refratário, não só está contra como também não está fazendo a leitura do processo. De certa forma, está alienado porque ignora algo que está se adensando de maneira efetiva", defende.

Para Inocêncio, um país não pode defender a democracia enquanto não enfrenta a questão do racismo. "Não adianta se falar em democracia e não perceber que existe um contingente de quase a metade da população que está excluído de um processo cidadão. É paradoxal falar de democracia sem combater o racismo", defende.


(Agência Brasil)


Data: 18/11/2008