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Artigo - A voz do dono e o dono da voz: democracia versus autocracia na UFCG

Amauri Fragoso de Medeiros

Antônio Berto Machado

Luciano Mendonça de Lima

 

Em sua edição do dia 12/11/08 o informativo “Em dia”, boletim eletrônico da UFCG, divulgou um artigo intitulado “Autonomia universitária, eleições e normalidade democrática”, que merece os devidos reparos, a bem da verdade dos fatos.

 

O texto tem como pano de fundo as eleições para Reitor e Vice-Reitor da UFCG, atualmente suspensas em função de uma série de contestações, tanto em sua legalidade jurídica, como em sua legitimidade política. Contudo, o autor faz um recuo ao tempo, com o objetivo explicito de justificar o caráter democrático e legal da ação política e administrativa do professor Thompson Mariz à frente da UFCG, desde a sua criação formal em 2002, passando por um segundo momento de consolidação e a atual fase de expansão.  

 

Tal como está expresso no artigo temos a impressão de que a Estatuinte, foi uma dádiva da então Administração Pro-tempore da instituição, encarnada na pessoa do professor Thompson Mariz, já que este podia unilateralmente convocar uma “comissão de notáveis” para desempenhar a referida tarefa e não o fez. Ora, quem acompanhou o processo de criação e instalação da UFCG sabe das muitas manobras comandadas pelo então Reitor Pro-tempore, e hoje candidato a Reitor pela terceira vez, para se perpetuar no poder. Quem não se lembra das trapaças de bastidores que ele utilizou para ser indicado bionicamente Reitor da UFCG por Fernando Henrique Cardoso? Mesmo depois de nomeado Reitor, sabe-se lá a que custo, o dito professor continuou conspirando para criar uma instituição à sua imagem e semelhança, ou seja, uma IFES com características clientelística, privatizante e antidemocrática. Para isso constituiu uma equipe de auxiliares diretos totalmente servis a sua vontade imperial. Nesse sentido, se dependesse de seu desejo, o estatuto da universidade teria sido confeccionado por tecnocratas de sua estrita confiança e, por conseguinte, fiéis cumpridores de seus desígnios. Se tal possibilidade não se efetivou, deve-se exclusivamente à pressão da comunidade universitária, que através da mobilização das três categorias e suas entidades representativas se organizou para fazer valer seus direitos e exigir a convocação de um colégio estatuinte. Diante de tal realidade, o Reitor Pro-tempore e seus prepostos não tiveram alternativa, a não ser curvar-se, mesmo que contrariados, à força viva da democracia interna.

 

Mesmo com a instalação da Estatuinte, o Reitor biônico e seus protegidos não se deram por vencidos, utilizando desta vez dos mais variados mecanismos para dificultar o trabalho de seus membros. Quem acompanhou o período de atividades da Estatuinte naqueles movimentados três meses do ano de 2002 deve lembrar-se de alguns destes fatos, desde a sua má vontade em oferecer as condições materiais mínimas para o funcionamento do colégio estatuinte até a tentativa de intimidação de seus componentes.

 

A propósito, não é de agora que o eterno candidato a Reitor da UFCG faz uso de auxiliares diretos para atingir adversários. Quem não recorda de um texto assinado pelo atual Secretário de Planejamento da UFCG intitulado “A farsa da estatuinte”, em que o autor intentava desmoralizar os componentes do colégio estatuinte, a começar de seu então presidente, o professor Edilson Amorim, hoje Vice Reitor e atual candidato à reeleição pela chapa situacionista?  Sintomaticamente o referido artigo veio à tona no exato momento em que os estatuintes discutiam importantes questões para o futuro da vida universitária da UFCG, a exemplo da relação da instituição com as fundações de direito privado, tipo ATECEL, Fundação Parque Tecnológico; a natureza e vinculação institucional do HU; o poder de veto e o caráter do voto do Reitor no Conselho Pleno etc.

 

Apesar de todos os constrangimentos e dos limites históricos e institucionais que a cercaram, a Estatuinte cumpriu com os seus objetivos, dotando a UFCG de um dos mais democráticos estatutos dentre todas as IFES brasileiras. Uma das características do mais importante arcabouço acadêmico e político da UFCG foi a priorização da horizontalidade do exercício da democracia, expresso nas decisões livres e coletivas de seus diversos colegiados, desde as Unidades Acadêmicas até o Conselho Pleno. Nessa perspectiva, a administração superior deveria ser apenas uma instância de articulação e executiva das deliberações colegiadas, o melhor antídoto contra a verticalização autoritária do poder/saber acadêmico encarnado na figura majestosa do Reitor.

 

Infelizmente aquele espírito democrático que fundamentou os trabalhos da Eestatuinte e materializado no Estatuto foi se esmaecendo com o tempo, em função, dentre outros fatores, da ação deletéria da Reitoria, que em aliança com setores da universidade, passou a manipular maiorias artificiais no interior dos órgãos colegiados da UFCG, especialmente seu órgão de deliberação máxima, o Colegiado pleno, que em vez de ser uma caixa de ressonância da comunidade universitária se transformou, com as honrosas exceções de praxe, em objeto de manipulação e barganha por parte da administração superior.  Nesse sentido, ao contrário do que afirma o dito autor, quem vem sistematicamente transformando o Estatuto e demais instrumentos reguladores da democracia interna da UFCG em “letra morta” é o Magnífico a quem o “ilustre” professor hoje serve em cargo de função gratificada, a Secretaria de Projetos Estratégicos, órgão diretamente ligado a Reitoria. Esse processo se expressa em atos rotineiros da vida cotidiana da nossa instituição, porém ganha ares de dramaticidade em períodos eleitorais, tanto o anterior de 2004 (que, diga-se de passagem, o Reitor postergou ao máximo para realizá-lo, sendo necessário, uma vez mais, uma grande mobilização cívica e acadêmica na UFCG), como também o que estamos acompanhando estarrecidos em 2008.

 

E aqui entramos no segundo grande desacordo em relação ao artigo do “distinto” professor. Como se sabe, desde o momento em que o processo eleitoral em curso foi alvo de contestação por parte de setores internos e externos à UFCG, as entidades representativas dos professores, discentes e técnicos administrativos começaram a se mobilizar no sentido de garantir a democracia interna, brutalmente atingida depois do golpe que culminou com o fim da paridade e a ação indiscriminada no uso da máquina institucional a favor da candidatura oficial, ação essa mais uma vez chancelada pelo Reitor candidato, seu vice e demais prepostos. Diante desse quadro, de forma transparente e pública a ADUFCG e demais entidades convocaram uma reunião para a última sexta-feira próxima passada, 07/11/08, na busca de alternativas para superação do impasse em que estamos enredados. Depois de uma ampla discussão entre os presentes chegou-se à conclusão que o atual processo eleitoral deveria ser anulado, em função de inúmeros vícios éticos, políticos e legais acumulados com o tempo. Nesse sentido, sugeriu-se a elaboração de uma nota pública a ser entregue ao Reitor em exercício para que o mesmo tomasse a iniciativa de convocar uma reunião do colegiado pleno para discutir a possibilidade de transferência da nova consulta eleitoral para as mencionadas entidades. Esse modelo foi recentemente adotado por uma das mais importantes e tradicionais IFES do Brasil, a UNB. Lá, em setembro passado, também tivemos um processo eleitoral bastante parecido com o da UFCG. Depois de uma ampla mobilização da comunidade universitária o Colegiado pleno, numa atitude altiva e democrática, resolveu entregar a condução da consulta eleitoral as entidades de classe, incluindo aí a ADUNB. Assim, por exemplo, se contornava o imbróglio jurídico representado pela Lei Paulo Renato de 1995, alvo também de demandas por parte de um grupo de docentes. Depois de um acirrado pleito, que contou com a participação de sete candidatos, a lista tríplice foi remetida para o presidente da República, que nomeou o mais votado, eleito com o voto paritário dos três segmentos. Para que não reste nenhuma dúvida sobre a lisura e legalidade do processo, o ministro do Supremo Tribunal de Justiça Gilmar Gomes, uma das maiores autoridades jurídicas do país e professor daquela instituição, votou normalmente, reconhecendo com esse gesto a legalidade e legitimidade do processo. Quer dizer, nem por isso o mundo acabou, como querem aqui apregoar os catastrofistas de sempre.    

 

Por todas essas razões é que, ao contrário do que pensa o professor em apreço, não consideramos esse um ato “autocrático” por parte das entidades (especialmente a ADUFCG, alvo preferencial da fúria do articulista em foco, mal disfarçando com isso o seu reacionarismo político e sua arrogância intelectual), que estaria a vilipendiar a autonomia do colegiado pleno e a normalidade democrática na UFCG. O que vilipendiou, achincalhou e aviltou a democracia universitária foi o golpe, empreendido na “calada da noite”, contra a paridade e o uso acintoso da máquina a serviço da candidatura oficial, contando para isso com a chancela de ocupantes de cargos de confiança, a exemplo do mencionado “mestre”, que durante o período que esteve à frente dos destinos do campus de Cuité, na condição de Diretor Pro tempore, chegou a convocar os três segmentos da comunidade, inclusive com a interrupção de atividade de aula, para se reunirem com os membros da chapa da “A UFCG não pode parar”, uma atitude eleitoreira das mais deslavadas.

 

Não satisfeito com tantas desfeitas, o dito docente prossegue em seu texto insinuando que os membros da chapa de oposição “Por uma UFCG autônoma, pública, democrática e socialmente referenciada” estariam por trás de toda essa orquestração.  Quanto a isso, gostaríamos de esclarecer que desde o último dia 06/11/08 retornamos as nossas atividades acadêmicas, políticas e sindicais, ao contrário dos “patrões” do referido professor, que mesmo tendo concluído seus períodos de afastamento para concorrer às eleições, não reassumiram seus cargos de direção na UFCG, que estranhamente continua sendo gerida pelo Pro-Reitor Administrativo, o professor Alexandre Gama. Assim sendo, nada impede que, na condição de ex-candidatos e professores sindicalizados, tenhamos participado de reuniões abertas e convocadas democraticamente para discutir e encaminhar, em conjunto com outros colegas e companheiros de militância acadêmica e política, propostas para a solução dos nossos problemas, a exemplo do “limbo” eleitoral em que estamos mergulhados. Reconhecer tais fatos não tem nada a ver com a conotação maniqueísta que o nosso oponente quer nos imputar.

 

Por fim, não satisfeito com tantas desfeitas, o professor ainda lança ao final de seu artigo, de forma raivosa e leviana, uma série de acusações contra a oposição, acusando-nos, dentre outras coisas, de desrespeitarmos a comunidade universitária por termos feito uma campanha denuncista e sem propostas; que a nossa renúncia e a tentativa de impugnação do candidato Thompson Mariz foi feita com o objetivo exclusivo de “melar” a eleição. Nesse caso, o nosso esforço em responder tais calúnias não será dirigido tanto ao referido professor, que não tem autoridade moral e acadêmica para cobrar nada de ninguém, e sim à comunidade universitária da UFCG (especialmente àqueles setores que não se curvaram a vontade do poder), que alimentava uma crescente esperança no pleito do dia 05/11/08 e que viu seus intentos frustrados em função dos acontecimentos que culminaram com a suspensão do processo eleitoral. É para ela que reafirmamos que a nossa candidatura surgiu lastreada numa longa história de dedicação acadêmica e militância cotidiana em defesa de uma UFCG democrática, pública, de qualidade, sociamente referenciada e compromissada com as grandes questões de nosso tempo, consubstanciado na nossa Carta Programa. Nesse sentido, sentimos orgulho de termos cumprido um papel pedagógico nos diversos debates e visitas que fizemos aos campi da instituição durante a campanha, escutando in loco as aspirações de professores, técnicos administrativos e alunos, na busca de soluções para nossos gravíssimos problemas. Esses certamente não serão resolvidos pela ação messiânica de um Reitor travestido de Super-Homem ou Salvador da Pátria qualquer, mas si de forma coletiva e organizada. Por isso mesmo é que para nós não valeria apenas ganhar uma eleição a custa dos nossos princípios, da nossa coerência e da nossa história. Desse modo, a partir do momento em que a paridade foi rompida, transformando estudantes e funcionários em cidadãos de 2ª categoria, anunciamos antecipadamente em todos os lugares que percorremos que, caso a mesma não fosse restabelecida, renunciaríamos à nossa candidatura. Por razões legais e políticas, entramos com uma ação na justiça buscando impugnar a candidatura do professor Thompson Mariz. Fomos impelidos a isso porque a comissão eleitoral não cumpriu as suas obrigações, quando deveria ter indeferido tal candidato no ato mesmo da inscrição, no dia 03/10/08. Nesse meio tempo, o juiz substituto da 6ª Vara Federal de Campina Grande entendeu por bem acatar os nossos argumentos (a saber, o terceiro mandato, a falta de qualificação para disputar o cargo e 45 irregularidades apontadas pelo TCU na gestão Pro-tempore do candidato Reitor), publicando a sentença no dia 04/11/08. Se quiséssemos poderíamos ter sido eleitos em chapa única, no pleito marcado para acontecer no dia seguinte. Contudo, ao contrário dos nossos oponentes, cumprimos com a palavra empenhada e efetivamos o ato da renúncia, na esperança de recomeçarmos um novo processo com paridade e sem o uso escandaloso da máquina funcionando a pleno vapor a favor da situação. Assim, quaisquer que sejam os desdobramentos do presente processo nos próximos dias, estaremos vigilantes e lutando por nossas idéias e princípios e em defesa da democracia interna.

 

Exigir que o “emérito” professor tivesse conhecimento de tais fatos talvez fosse pedir demais. É que ele não acompanhou todo o processo aqui descrito, pois durante a maior parte do tempo em que se desenvolveu a campanha esteve viajando pela África (não se sabe bem com que fim), financiado com dinheiro público de todos nós. Só na véspera do pleito é que retornou ao país, ainda por cima pousando de paladino da moralidade e dos bons costumes acadêmicos.

 

 

Amauri Fragoso de Medeiros é professor da UAF e ex-candidato a Reitor na Chapa “Por uma UFCG autônoma, pública, democrática e socialmente referenciada”.

 

Antônio Berto Machado é professor da UAE e ex-candidato a Vice Reitor na Chapa “Por uma UFCG autônoma, pública, democrática e socialmente referenciada”.

 

Luciano Mendonça de Lima é professor da UAHG e ex-Coordenador de Campanha da Chapa “Por uma UFCG autônoma, pública, democrática e socialmente referenciada”.


Data: 17/11/2008