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Brasil ganha 40 milhões de leitores

Aumento é registrado às vésperas do setor editorial fazer 200 anos

 

O Brasil ganhou mais de 40 milhões de novos leitores entre os anos de 2000 e 2007. Os dados são da pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, do Instituto Pró-Livro, que afirma que o índice de leitores com idade superior a 15 anos pulou de 26 milhões para 66,5 milhões no período. O levantamento foi publicado este ano, coincidentemente, o ano em que o Brasil comemora os 200 anos da historia do mercado editorial nacional com destaque na produção de livros mundial. No ranking da Euromonitor (empresa especializada em pesquisas de mercado) o país é o oitavo colocado e o maior produtor da América Latina. Perde para grandes potências, tais como China, Estados Unidos, Japão, Rússia, Alemanha e França, mas ultrapassa países desenvolvidos como Reino Unido, Itália e Espanha.

 

Apesar dos dados comprovarem que os brasileiros leiam mais, o País está longe de ser uma nação de leitores. A média da leitura entre a população é de apenas 4,7 livros por ano. "Nos países em desenvolvimento, esse índice chega até 12 livros por ano. O que comprova que estamos muito aquém do patamar que poderíamos e deveríamos estar", acredita o coordenador da pesquisa, Galeno Amorim. No entanto, para ele não há como negar que houve avanços. "Não no ritmo que precisávamos", lamenta. O país ainda precisa incluir 45% da população, que é considerada de não-leitores.

 

O professor do departamento de ciência da informação e documentação da UnB (Universidade de Brasília), Sebastião de Souza, partilha da mesma opinião de Amorim. Porém, acredita que não há como medir o grau de evolução da indústria nacional do livro sem considerar os fatores históricos aos quais o país passou. "A relação do brasileiro com o livro é tardia se comparada a outras nações. Somente após 300 anos de sua descoberta (em abril de 1500), é que o Brasil teve contato indireto com o setor editorial. Tudo começou em 1808 com a chegada da Família Real. Já nos países latino-americanos colonizados pela Espanha, esse contato foi imediato às suas descobertas", conta.

 

Além disso, não se pode esquecer que durante dois séculos o País dependeu do mercado editorial português. "Até as primeiras décadas no século XX, o comando do setor era de Portugal. As mudanças ocorreram a partir de 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial. As editoras nacionais começaram a crescer na década de 50 e só a partir de 1965 é que elas conseguiram supremacia no mercado", relata o coordenador da CBL (Câmara Brasileira de Livros), Oswaldo Siciliano.

 

A restrição do contato com o livro, de acordo com presidente da ABEU (Associação Brasileira de Editoras Universitárias), Valter Kuchenbecker, também emperrou o desenvolvimento da indústria no País. "O livro durante muitos anos foi considerado um artigo de luxo. Consumido exclusivamente pela nobreza e pelo clero. O produto chegou inclusive a ser considerado danoso e perigoso. Foi apenas na metade do século XX que se começou a ampliar a acessibilidade", afirma ele.

 

Outra questão também colocada como causa que justificaria a lenta evolução do mercado editorial nacional é o progresso tardio do índice de alfabetização no Brasil. "Sem educação, não se forma leitores", garante o coordenador-geral de Livro e Leitura do Ministério da Cultura, Jéferson Assumção. Segundo ele, no final do século XIX, 85% dos brasileiros eram analfabetos. "O índice em Portugal era de 35% e na Alemanha de 10%", compara. Assumção supõe que a indústria do livro iniciou sua caminha rumo ao desenvolvimento apenas nos anos 20 do século XX, com o amadurecimento educacional brasileiro e a criação do Ministério da Educação. "No início do século XXI, a taxa de analfabetismo absoluto no país caiu para 10%, o que reflete direta e indiretamente no aumento de leitores brasileiros".

 

Os resultados da pesquisa Retratos da Leitura do Brasil também comprovam a teoria de Assumção. O índice da leitura sobe entre os profissionais com maior escolaridade. Entre aqueles que possuem formação superior, a média passa para 8,3 livros/ano. O número é de 4,5 livros para quem tem Ensino Médio completo, 5 livros para quem cursou entre 5ª e 8ª série do Ensino Fundamental e 3,7 livros para quem tem até a 4ª série.

 

Mesmo com tantos empecilhos, o Brasil conseguiu evoluir e se destacou no ranking mundial da produção editorial. Segundo a CBL, o mercado editorial brasileiro movimentou, em 2006, R$ 2,9 bilhões com a venda de 310 milhões exemplares. No mesmo ano, foram produzidos 320 milhões de exemplares. "Do total de livros vendidos, mais de125 milhões foram destinados ao governo para a distribuição de material didático gratuito aos alunos de Ensino Fundamental", aponta Siciliano que acredita que esse consumo vai ser ainda maior com a expansão do programa governamental para estudantes do Ensino Médio. O estudo da Câmara apontou que o crescimento da produção do setor, se comparado a 1990, foi de 33,8%.

 

Passos para avançar mais

 

Os resultados são positivos, mas não suficientes para garantir o direito dos 77,1 milhões de brasileiros considerados não-leitores de terem acesso aos livros. Segundo a pesquisa do Instituto Pró-leitura, as principais razões alegadas pelos cidadãos que não leram no último ano são: a falta de tempo, o analfabetismo, o desinteresse e a falta de acessibilidade (que neste espectro representa a carência financeira, de bibliotecas ou livrarias). Portanto, para que o Brasil possa atingir a sua meta, será preciso vencer mais esses desafios.

 

Na opinião do membro da academia de Letras, José Mindlin, o primeiro passo é mudar a mentalidade cultural do brasileiro. "Muitos ainda encaram os livros apenas como uma ferramenta de conhecimento. Mas eles também podem se transformar em atividades de lazer", assegura. Embora o estudo tenha apontado que a leitura tem significado positivo para três em cada quatro brasileiros, a atividade encontra-se em quinto lugar no ranking das ações que os cidadãos gostam de praticar no tempo livre. Os livros perdem espaço para a televisão, os discos, o rádio e até o descanso.

 

O coordenador-geral de Livro e Leitura do Ministério da Cultura reconhece essa problemática e garante que o governo já investe em campanhas de conscientização da sociedade. "Trabalhamos junto às escolas, sobretudo nas primeiras séries para a formação dos nossos futuros leitores. A parceria junto às universidades é outra ponta de atuação. A preocupação, nessa fase, é formar leitores culturais", conta Assumção. Além disso, ele ressalta a importância da conscientização familiar. "A campanha também é forte nos lares, já que as mães são as principais influenciadoras nesse processo de formação", acrescenta ele.

 

Além de criar uma nova mentalidade na população, o diretor da CBL, aponta que o acesso ainda figura como obstáculo significativo nesse processo. Segundo Retratos da Leitura do Brasil, o principal canal de ingresso no mercado editorial da população é a livraria, seguida das bancas de jornal, sebos e bibliotecas. Mas, para Siciliano, esses caminhos ainda são muito precários. "As livrarias, por exemplo, não estão presentes em todos os municípios do Brasil. Hoje, existem apenas 1.500 estabelecimentos. O ideal, para atingir toda a população, é que existissem pelo menos 10 mil", calcula ele.

 

As bibliotecas também não cobrem todo o território brasileiro. De acordo com Assumção, são mais de 330 regiões do país que não possuem bibliotecas. "No início do século XXI esse déficit era de 1.170. Não podemos desconsiderar a evolução. Mas trabalhamos para zerar essa falta", declara.

 

No entanto, o problema das bibliotecas do Brasil não é só da quantidade, mas também da qualidade. Na opinião de José Mindlin os acervos da maioria dessas instituições estão desatualizados, além de não contarem com a tecnologia disponível hoje no mercado. "O leitor vai lá uma ou duas vezes, se não encontrar o que procurava não volta mais. Isso o desestimula a procurar a leitura", opina ele. "Para se ter uma idéia, nos Estados Unidos, 30% dos exemplares produzidos são adquiridos pelos acervos públicos. Já no Brasil, esse índice é de 1%", compara o acadêmico.

 

A internet, para o professor Souza, surgiu para cobrir parte desse déficit. "Ao contrário do que muitos imaginavam, ela não representa nenhum risco para o livro. A rede veio para estimular a leitura no brasileiro e ainda contribuir com a acessibilidade ao livro", avalia. Hoje, se não há uma livraria ou uma biblioteca perto da sua casa ou trabalho, é possível adquirir um livro pela meio virtual. Além disso, é possível também baixar alguns exemplares gratuitamente através da internet. Segundo a pesquisa, cerca de sete milhões de brasileiros recorreram ao método. "No entanto, não há risco da medida substituir o livro. A leitura no computador é bem diferente da do papel", enfatiza Souza.

 

Por fim, ainda há a questão do preço de livro que para alguns brasileiros é o principal fator que os afastam da leitura. Segundo Assumção, o livro ainda é um privilégio de poucos, já que o valor do produto está muito além do poder aquisitivo do brasileiro. "O governo desonerou a indústria de livros para tentar diminuir os preços do produto. O custo para os produtores diminui cerca de 9%, mas esse valor não foi repassado ao consumidor", critica o coordenador.

 

Siciliano, porém, discorda de Assumção e afirma que o preço está relacionado ao baixo consumo do produto. "O custo do livro varia de acordo com o número de exemplares impressos. Infelizmente, ainda temos que trabalhar com tiragens pequenas. Além do mais, não é o preço do livro que deve ser discutido e, sim, o poder aquisitivo do brasileiro, que é muito pequeno", argumenta.

 

Para o presidente da ABEU a solução para resolver essa questão é a organização de toda a cadeia produtiva dos livros. "Desde o setor gráfico até os livreiros precisam se unir em prol de um único ideal. Não dá para continuar cada um a lutar por metas individualistas. Com isso a indústria se fortaleceria e cresceria naturalmente", diz ele.

 

(Portal Universia)


Data: 11/09/2008