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Cursos "inadequados" formam 1 em cada 4 médicos do país

Dados do Enade mostram que 2.600 alunos cursaram faculdades mal avaliadas Os cursos tiveram notas 1 e 2 em indicador do MEC, que leva em conta uma prova, o perfil do corpo docente e a satisfação dos alunos

 

Levantamento divulgado ontem pelo Ministério da Educação revela que 27 cursos de medicina do país "não têm condições de funcionar", nas palavras do próprio governo.


Nessas escolas, cerca de 2.600 alunos se formam anualmente, o que representa 1 a cada 4 médicos que terminam o ensino superior na área.

 

Os cursos mal avaliados tiveram notas 1 e 2 em um novo indicador criado pelo MEC, o CPC (Conceito Preliminar de Curso), que vai de 1 a 5. Ele contabiliza desempenho e evolução dos alunos no Enade 2007 (antigo Provão), perfil do corpo docente (como titulação dos professores) e a satisfação dos estudantes, com base no questionário do Enade.

 

Nos anos anteriores, o ministério considerava apenas o desempenho e a evolução dos universitários na prova.

 

Em medicina, foram analisados 153 cursos. Apenas quatro obtiveram a nota 5, que significa "referência na área".

 

Outras 15 áreas também foram avaliadas, a maioria ligada à saúde (odontologia, veterinária, fisioterapia, nutrição, entre outros). Analisou-se ainda agronomia, zootecnia e tecnologia em agroindústria.

 

Do total de 3.239 cursos, 25% obtiveram notas 1 ou 2, grande parte de instituições privadas, e 21,4% ficaram entre 4 e 5 (1.211 não tiveram nota, por impossibilidades estatísticas).

 

A Unesp teve o maior número de notas máximas (seis cursos). Por outro lado, a Universidade Estadual Paulista também teve curso mal avaliado (educação física em Rio Claro, com conceito 2). USP e Unicamp não participam do Enade, por não concordar com a metodologia adotada.

 

Maior universidade do país, a Unip teve o maior número de "sem condições": 26 cursos com nota 2. A Uniban, também entre as maiores instituições do país, chegou a ter nota 1.

 

Para calcular o número de estudantes formados nos cursos de medicina, a Folha usou o último Censo da Educação Superior, com dados de 2006 -o de 2007 ainda não está disponível.

 

O ministro da Educação, Fernando Haddad, disse que, com base nos novos indicadores, a fiscalização dos cursos será mais rígida. O próximo passo será enviar uma comissão de especialistas às instituições que tiraram notas 1 e 2.

 

O Inep, órgão do MEC responsável pela avaliação, pretende começar as visitas em um mês. Elas vão verificar se as condições das escolas diferem da mostrada pelos indicadores.

 

Uma das maiores reclamações das universidades é o boicote dos estudantes. Caso o conceito continue baixo, o MEC diz que abrirá processo para analisar o fechamento do curso.

 

Crítica

 

"As escolas que tiraram conceito 1 deviam ser fechadas. Não reúnem a menor condição para o ensino da medicina", diz Antonio Carlos Lopes, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e ex-presidente da Comissão Nacional de Residência Médica do MEC.

 

Entidades que representam instituições de ensino superior privadas disseram que não são contrárias a avaliações, mas se posicionaram contra a criação do novo conceito de avaliação, o conceito preliminar, que consideram "improvisado".

 

"Ninguém critica a avaliação, que é uma necessidade. A crítica trata da fórmula, do formato e da metodologia [utilizada no novo conceito]", afirmou José Roberto Covac, advogado do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, que diz reunir 80% das instituições do setor. Em nota, o fórum afirma que, se o Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) não for totalmente implementado, instituições de ensino superior "serão obrigadas a mudar seus projetos para transformarem-se em cursos preparatórios sobre Enade".

 

Uma das melhores instituições já teve nota C no antigo Provão

 

Um dos quatro melhores do país pelo novo indicador do governo, o curso de medicina da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) já amargou nota C no Provão, substituído pelo Enade em 2004.

 

Para a coordenação da faculdade, investimentos em infra-estrutura e qualificação dos docentes explicam a evolução.

 

"No segundo Provão, melhoramos e atingimos conceito B. Depois chegamos à nota máxima no primeiro Enade", disse o professor Antônio José de Amorim, coordenador do curso, implantado em 1980.

 

Segundo ele, a taxa de alunos por professor é baixa -1,5- e quase 40% dos docentes têm doutorado. Projetos de aprimoramento incluem a construção de novo prédio para o curso e de um segundo hospital universitário. "Com isso, poderemos dobrar as 40 vagas anuais."

 

O planejamento abrange ainda mudanças na grade curricular. "Nossa intenção é que os estudantes possam ter alguma atuação na rede pública de saúde desde os primeiros semestres, como em postos, em policlínicas e no PSF [Programa de Saúde da Família]."


Dois dos melhores cursos de medicina do país são de universidades federais gaúchas: a UFRGS (Universidade Federal do RS) e a UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre).

 

Na Famed (Faculdade de Medicina), da UFRGS, 90% dos alunos fazem iniciação científica durante o curso. São 70 alunos por semestre.

 

Em 2007, os 265 professores da instituição de 110 anos publicaram 800 artigos em revistas, segundo o diretor da faculdade, Mauro Czepielewski.

 

Já na UFCSPA, o diferencial, segundo a reitora Miriam da Costa Oliveira, está na estrutura da instituição e na "formação humanitária" do aluno.

 

A quarta faculdade a obter 5 no CPC (Conceito Preliminar de Curso) foi a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

(Folha de São Paulo)


Data: 07/08/2008