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Grupo testa medicamento inspirado no vinho tinto

PUCRS vende patentes sobre droga contra doenças ligadas ao envelhecimento. Cientista descobriu erva que possui a substância em mais concentração que as uvas; estudo nos EUA sugere que molécula tem "efeito dieta"

A PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) vendeu duas patentes para a Eurofarma com a intenção de produzir um medicamento contra doenças relacionadas ao envelhecimento. O remédio terá como base o resveratrol -molécula que está presente no vinho e no suco de uva. Foi a primeira vez que a universidade teve patentes licenciadas para uma empresa.

A molécula ajuda a controlar a chamada homeostase, o equilíbrio entre as funções do organismo. Segundo os pesquisadores, o resveratrol, que é um antioxidante, ajuda a regular proteínas ligadas a essa função. Com a molécula isolada em um medicamento, porém, as pessoas deixam de ter o resveratrol como desculpa para ingerir bebida alcoólica.

Uma das patentes da PUCRS se refere à descoberta do professor da Faculdade de Química André Souto, que encontrou grande concentração da molécula na raiz de uma hortaliça chamada azeda. Ela possui cem vezes mais resveratrol do que o suco de uva ou o vinho.

Outra patente trata de uma formulação para aumentar a retenção desse composto no organismo, também elaborada por Souto. "A molécula tem um problema: é eliminada muito rapidamente", explica. "O desafio, então, foi inventar uma formulação que ficasse mais retida no organismo."

Segundo o pesquisador, um dos objetivos é testar a eficácia do remédio contra diabetes tipo 2, que é mais comum em idosos e está relacionada em certa medida ao desequilíbrio homeostático. Antes dos testes em humanos, serão feitos estudos da ação do fármaco em culturas de células e em cobaias.

Se o medicamento der certo, a PUCRS terá direito a 4% sobre as vendas, e esse valor é dividido com o pesquisador, que fica com 30%. Segundo Souto, o resveratrol pode abrir a porta para a chamada "medicina holística", que se propõe a tratar do organismo com um todo, e não de doenças específicas.

De acordo com Wolney Alonso, diretor de Inovação da Eurofarma, a expectativa otimista é colocar o remédio no mercado em 2013. Segundo ele, o campo de atuação da droga pode ser muito amplo, incluindo até mesmo doenças relacionadas à memória.

"Mas ainda faltam estudos sobre seus efeitos colaterais e sobre a quantidade máxima que pode ser ingerida", disse. Alonso diz que a molécula era um objeto de desejo em razão do chamado "paradoxo francês": a França tem uma incidência menor de doenças cardiovasculares do que a Inglaterra, por exemplo, apesar de ambos os países cultuarem uma dieta rica em gorduras. A explicação estaria no vinho (britânicos preferem cerveja).

Nova panacéia?

No início do mês, um estudo com camundongos publicado na revista "Cell Metabolism" mostrou que o resveratrol tem o mesmo efeito que o de uma alimentação com poucas calorias. Nesses animais, ele ajuda a controlar a diabetes e problemas nos vasos sangüíneos, melhora a coordenação motora, previne a formação de catarata e preserva a densidade óssea.

Um dos autores da pesquisa, Rafael de Cabo, do Instituto Nacional de Envelhecimento dos EUA, afirma que o resveratrol aumenta "a vida produtiva e independente". Seu colaborador David Sinclair, da Escola Médica de Harvard, disse ter ficado surpreso em observar como os efeitos foram amplos nos roedores -o resveratrol influencia toda uma série de doenças não relacionadas entre si, mas associadas à idade.

As equipes de Sinclair e Cabo compararam três grupos de cobaias. Um deles era alimentado normalmente, um tinha refeições supercalóricas e outro hipocalóricas. Já se sabia que uma restrição calórica de 30% a 50% nas cobaias poderia prevenir problemas do envelhecimento, mas o resveratrol revelou efeitos semelhantes, sem dieta especial.

EUA vendem suplementos que contém resveratrol

Nos EUA, suplementos alimentares que contém resveratrol já são vendidos -o que não ocorre no Brasil por uma diferença na legislação. Os suplementos alimentares no País têm de passar por testes clínicos, enquanto nos EUA basta provar que não têm toxicidade.

A descoberta do resveratrol não é recente. Em 1946, ele foi isolado a partir de uma planta asiática chamada Polygonum cuspidatum. Por volta da década de 1980, observou-se que a molécula estava presente também no vinho.

Agora, a PUCRS também pesquisa a ação de um fármaco com resveratrol para acelerar a recuperação de ossos.


(Folha de SP, 30/7)


Data: 30/07/2008