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Educação não é mercadoria, diz Ronaldo Mota

Secretário de Educação Superior adverte que a livre concorrência sem regulação do Estado pode degradar o ambiente acadêmico e a formação das pessoas

Os padrões definidos pela grande escala, que prometem ganhos excepcionais aos investidores, não têm respostas para os crescentes desafios do ensino. Essa é avaliação do secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Ronaldo Mota, para a frenética movimentação de capitais que vem marcando o mercado das instituições privadas de ensino, com diversas aquisições e lançamento de ações em bolsa. "A educação superior será cada vez mais cara num futuro cada vez mais exigente."

Mota adverte que a livre concorrência sem regulação do Estado pode degradar o ambiente acadêmico e a formação das pessoas. Na sua visão, educar não é apenas transmitir conhecimento, mas formar, permanentemente, profissionais que saibam interagir, criticar, trabalhar em equipe e inovar, entre muitos outros desafios. "Num mundo que muda constantemente, são exigidas respostas que não são dadas pelos padrões homogêneos da grande escala."

Mota diz que o governo não está preso à aprovação do projeto que muda a regulação do setor, parado na Câmara. Ele garante que o MEC vai atuar na sua esfera de competência e está atento à eventual queda de qualidade nessa onda de aquisições de instituições brasileiras por grupos estrangeiros. São de competência do MEC a análise dos documentos de transferência de controle das sociedades mantenedoras e a supervisão da qualidade do ensino.

Na avaliação de Mota, o Brasil não precisa de capital estrangeiro especulativo. O secretário reafirma que educação não é mercadoria. "A ausência do Estado degrada a educação. Há indícios de que esse movimento leva à deterioração do ensino. Mas isso é muito recente e ainda não podemos confirmar." Para o secretário, os empresários sabem que, sem a regulação do Estado, haveria uma guerra comercial que faria prevalecer a má qualidade. "Seria um desastre."

O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) é autor de um projeto que proíbe a participação estrangeira nas universidades privadas, mas Mota explica que a posição do governo é diferente, porque tolera parcela de 30% de capital estrangeiro nas instituições.

O secretário afirma que entende a motivação do parlamentar paulista. Argumenta que, na aviação, há proibição de controle das empresas por capital estrangeiro. Portanto, pergunta Mota, por que não discutir isso também no que se refere a instituições de ensino?

A carência de engenheiros que o Brasil enfrenta é um exemplo que Mota cita para questionar a lógica privada na educação superior. Ele imagina que, a prevalecer o interesse privado, a falta desses profissionais poderia continuar igual por muitos anos.

Na sua avaliação, cabe ao Estado pensar no futuro da sociedade, com a liberdade de ação assegurada pelo fato de poder abdicar de ganhos imediatos. "Não podemos ficar apenas com a lógica privada", na qual "a visão de longo prazo é rara".

O projeto de lei que vai regulamentar o setor educacional continua sem tramitação na Câmara dos Deputados, mas isso não significa que a ação do governo esteja cerceada quando há uma situação a ser resolvida com urgência. Mota cita o exemplo das providências tomadas pelo MEC em relação aos cursos de direito, medicina e pedagogia, no sentido de reduzir vagas em excesso.

A Constituição Federal
, no artigo 209, garante que o ensino é livre para a iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: cumprimento das normas gerais da educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo poder público. Mota comenta, baseando-se em sua experiência, que muitas instituições privadas preferem ler essa norma apenas em sua primeira parte, aquela que garante a liberdade de movimentos.

Na comparação com outros países, o secretário comenta que são poucos os que têm uma participação da iniciativa privada em termos comparáveis aos do Brasil. Diz que, recentemente, o Chile passou a discutir a questão. De modo geral, segundo Mota, o setor público cresce mais que o privado na educação superior. "Temos uma fatia de 25%, mas a meta prevista no Plano Nacional de Educação [PNE] é de 40% em 2010."

Mota afirma que, na França e na Alemanha, investidores estrangeiros praticamente não entram na educação superior porque as restrições são enormes. Nos Estados Unidos e na Austrália, prevalece uma regulação mais leve. Tanto que esses dois países são os mais agressivos nas negociações internacionais sobre o comércio de serviços.

 

(Valor Econômico, 11/7)


Data: 11/07/2008