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Fome de conhecimento

Nordeste conquista poder de compra, mas continua muito atrasado na área do ensino

 

Festejada nas últimas semanas, a explosão do consumo no Nordeste esconde uma face perversa do desenvolvimento da região: a população aumentou seu poder de compra, mas ainda amarga um atraso de quase duas décadas na educação. Apesar do movimento acelerado das caixas registradoras nos nove estados nordestinos — que hoje só perdem em volume de compras para o Sudeste —, a região ainda caminha a passos lentos para deixar a lanterna dos rankings nacionais de alfabetização, tempo de escolaridade e expectativa de conclusão do Ensino Fundamental. Por exemplo, de cada dois analfabetos brasileiros, um vive no Nordeste, de acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.

 

Além disso, na região, o percentual de pessoas com mais de 15 anos que não sabem ler chega aos 20,7%, contra 6% no Sudeste e 10,4% na média brasileira. O país já superou esse patamar de um quinto de analfabetos há 17 anos, no Censo de 1991. A parcela de nordestinos que não conseguem compreender um texto, o chamado analfabetismo funcional, atinge 34,4%. E o tempo médio de escolaridade na região é de apenas 6,3 anos, contra 7,8 anos no Sudeste.

 

— Os números mostram uma defasagem enorme em todos os índices educacionais da região. O Brasil tem uma dívida histórica com o Nordeste, e parece ainda não saber como pagá-la — resume a gerente de Indicadores Sociais do IBGE, Ana Lúcia Sabóia.

 

Nem a metade termina os estudos

 

Um dos principais obstáculos no caminho para reduzir a desigualdade é o baixo índice de conclusão do Ensino Fundamental. O Nordeste conseguiu reduzir a distância em relação às outras regiões no percentual de crianças matriculadas nas primeiras séries, mas só 38,7% delas conseguem o primeiro diploma sem recorrer a supletivos ou outros programas de aprendizagem acelerada, segundo estimativas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). No Sul, o índice chega a 69,1%. Na prática, isso significa que um jovem catarinense tem duas vezes e meia mais chances de se formar do que um sergipano, por exemplo.

 

A repetência também prejudica os jovens nordestinos: os privilegiados que conseguem concluir a 8ªsérie leva memmédia 11 ,1 anos, contra 9,6 anos no Sul. O analista Paulo Corbucci, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), classifica os índices de alarmantes.

 

— Isso mostra uma realidade bastante cruel. Mais de 90% das crianças nordestinas entram na escola, mas nem a metade delas consegue terminar o Ensino Fundamental.

 

O que os números revelam é uma baixa eficácia do modelo de ensino — afirma o pesquisador, coautor do capítulo sobre educação do último Boletim de Pesquisas Sociais do Ipea.

 

Criança na escola não garante ensino

 

Se levar as crianças até a frente do quadro negro já é difícil, exames do Ministério da Educação mostram que a desigualdade se agrava na hora de avaliar a qualidade do ensino oferecido aos nordestinos.

 

Dos 1.242 municípios brasileiros com pior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) na primeira fase do Ensino Fundamental, 820 ficam na região.

 

O número equivale a 66% de todas as cidades consideradas prioritárias pelo governo federal.

Alagoas, Rio Grande do Norte e Bahia ocupam as três últimas posições no ranking nacional do índice, que combina provas de português e matemática ao tempo médio que os alunos levam para concluir os estudos.

 

— A pobreza ajudou a elevar o índice de escolarização das crianças mais novas, porque boa parte delas vai atrás da merenda ou dos programas de transferência de renda que exigem comprovação da matrícula.

 

O aumento do número de crianças de 4 a 14 anos na escola não reflete necessariamente uma melhora no ensino. Basta ver que boa parte delas chega à 1asérie sem saber ler — lembra a gerente de Indicadores Sociais do IBGE.

 

A baixa oferta de vagas na educação de jovens e adultos, o antigo supletivo, também dificulta a evolução dos indicadores nordestinos.

 

Entre 2005 e 2006, a região praticamente não aumentou o número de matrículas nesses cursos, que variou apenas 1,65%. No mesmo período, a média nacional de expansão foi de 9,91%. Além de acusar a falta de vagas, o boletim do Ipea ressalta que o governo perde tempo ao deixar de articular boa parte desses cursos às aulas de alfabetização.

 

A combinação entre o atraso histórico, a escassez de novos investimentos e a própria natureza do setor torna mais difícil o desafio de superar a defasagem nordestina.

 

A redução da desigualdade no bolso ainda vai demorar a produzir efeitos nos bancos escolares, admite o presidente do Inep, Reynaldo Fernandes: — A educação demora mais a responder à evolução dos outros indicadores sociais. A economia pode melhorar hoje, mas o ensino leva algumas gerações para apresentar resultados consistentes.

 

(O Globo, 26/05/08)


Data: 26/05/2008