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Universidade pública se associa a shopping para ampliar campus

Federal de Pelotas receberá 15% do lucro de empreendimento coordenado por uma das fundações que a apóiam

A Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, construirá a extensão de seu câmpus junto a um shopping center. Não se trata apenas de usar espaço do shopping, como já ocorre com algumas instituições particulares. Por meio de uma fundação que apóia a universidade, a instituição federal receberá mensalmente parte dos lucros do empreendimento em troca da cessão de parte de um terreno para a construção das lojas.

A associação não foi contestada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), onde o processo foi parar, e é bem vista na cidade de 340 mil habitantes, localizada 250 quilômetros ao sul da capital Porto Alegre. Mas deixou parte da comunidade universitária apreensiva, tanto por misturar educação com comércio quanto por nunca ter sido exposta claramente a docentes e alunos.

Conhecido como Shopping do Porto, o projeto foi lançado em março deste ano e prevê a recuperação de prédios abandonados do antigo Frigorífico Anglo e a construção de novos edifícios num terreno de 12 hectares à margem do Canal São Gonçalo, região degradada da cidade.

O complexo abrigará as instalações da reitoria da UFPel e de algumas unidades acadêmicas e, em espaços contíguos, 152 lojas, 6 salas de cinema, supermercado e parque de diversões. A inauguração está prevista para abril de 2009.

O projeto é comandado pela Fundação Simon Bolívar (FSB), uma das três fundações de direito privado que apóiam a universidade. A FSB arrematou o terreno em um leilão judicial por R$ 700 mil no final de 2005. Cedeu parte dele para a UFPel, que já começou a reformar e construir suas novas instalações. Em seguida, procurou parceiros para o empreendimento comercial.

A Construtora Arce, de Curitiba, entrou como sócia investidora-incorporadora. A VS Planejadora e Administradora de Shoppings, do Rio, será a administradora.

Repasse de lucros

O custo do projeto, R$ 70 milhões, será bancado pelos investidores privados e pelos lojistas. A FSB ficará com 15% do lucro do empreendimento, estimado em R$ 500 mil mensais, com o compromisso de repassá-lo à UFPel.

"A universidade ganhou o espaço e se beneficiará da manutenção, vigilância e acessos aos prédios, além da receita transferida pela fundação", informa Plínio Conter, assessor da reitoria. O TCU não fez objeção à doação do terreno de uma fundação de direito privado a uma universidade pública.

O empreendimento é questionado por parte da comunidade acadêmica, tanto por ter sido decidido sem debates, quanto por misturar educação e comércio. "Não dá para dizer que há irregularidades, mas também não há transparência", comenta o professor de Ciências Políticas e ex-presidente da Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino Superior (Andes), Luiz Carlos Lucas.

O professor aposentado Sérgio Barum Cassal, presidente da Associação dos Docentes da UFPel (Adufpel), considera "estranha" a mistura da universidade com um centro comercial. "Talvez seja interessante para a iniciativa privada, mas do ponto de vista educacional, o movimento de um shopping center não parece compatível com um ambiente de estudos", avalia Cassal.

O reitor da UFPel, Antônio Cesar Gonçalves Borges, e a diretora-presidente da FSB, Lisarb Crespo da Costa, não responderam aos contatos do Estado solicitando entrevistas. O Ministério da Educação informou que não comentaria o assunto.

Instituições particulares

O fenômeno teve início nos anos 2000. Instituições de ensino superior passaram a espalhar seus câmpus pela cidade com a estratégia de se aproximar do trabalho ou da casa do aluno. Dentro dessa filosofia, a UniverCidade abriu cursos numa estação do metrô ( Estação Carioca), no centro do Rio. Ali pode-se estudar Análise de Sistemas, Direito, Ciência da Computação.

A Estácio de Sá, 190 mil alunos matriculados (eram 80 mil em 2001), é a que mais se destaca nessa estratégia de pulverizar seus câmpus. Tem 26 unidades no Rio e outras 12 no Estado - nem todas em locais muito ortodoxos. A instituição abriu cursos em shopping centers, junto a uma academia de ginástica e até no Terra Encantada, parque temático na zona oeste.

A única reclamação dos alunos do câmpus Terra Encantada era a gritaria da garotada no brinquedo Cabhum, que simula uma queda de um prédio de 22 andares. Hoje já não atrapalha tanto - o parque passou a funcionar apenas de sexta a domingo.

Entre as justificativas para instalar cursos em shopping centers estão a comodidade para os alunos, que têm a infra-estrutura de lanchonetes, caixas eletrônicos e estacionamento, e maior segurança, garantida pelo complexo comercial.

Em São Paulo, a Universidade São Marcos mantém salas de aula no Shopping Sílvio Romero, no Tatuapé, zona leste.

 

(O Estado de SP, 13/5)


Data: 13/05/2008