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Professor da UFCG fala sobre a TV Digital brasileira

O professor e pesquisador da Unidade Acadêmica de Engenharia Elétrica do Centro de Engenharia Elétrica e Informática - CEEI, da UFCG, Dr. Marcelo Sampaio de Alencar (foto), vice-presidente da Sociedade Brasileira de Telecomunicações - SBrT, e presidente do Instituto de Estudos Avançados em Comunicações - IECOM, cuja sede é na Universidade citada, concedeu, recentemente, entrevista à jornalista Andrea Fioravanti Reisdörfer, do Departamento de Comunicação e Marketing do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia - CREA-RS, sobre TV digital brasileira, cujo texto será publicado na edição de janeiro de 2006 da revista Conselho em Revista, editada por aquele Conselho, cuja tiragem mensal é de 54 mil exemplares.

 

Veja a entrevista:

- Como é o sistema brasileiro de tv digital que está sendo desenvolvido?

É um sistema com muitas inovações em relação aos padrões existentes. Diversas das melhores características dos sistemas existentes foram incorporadas ao projeto do SBTVD.

- Quais as características e em que fase está esse projeto?

O projeto está na fase final de definição do modelo de referência, que será usado pelo Comitê de Desenvolvimento como orientação para a escolha de um padrão para o País. As principais características do sistema, que estão sendo pesquisadas, são:

a) Modulação: Apresenta três alternativas baseadas na tecnologia COFDM adotado tanto pelo DVB quanto pelo ISDB, cada uma focando diferentes aspectos de melhoria: codificação de canal (Univ.  Mackenzie), equalizador baseado em algoritmos de inteligência artificial (PUC/RS) e ganho por diversidade de percurso (Inatel).

b) Codificação de Vídeo: São duas alternativas, uma baseada em MPEG-2 High Profile (Unisinos) e outra em MPEG-4 (PUC/RJ e USP). 

c) Camada de transporte: Inclusão das funcionalidades necessárias para prover robustez e flexibilidade ao sistema, bem como os aspectos de interconexão da plataforma SBTVD a outras redes de telecomunicações, para possibilitar o acesso à Internet e outros serviços (Unisinos).

d) Terminal de Acesso: Define uma arquitetura que forneça flexibilidade, de modo a ter baixo custo, permitir aplicações mais sofisticadas e atuar como uma plataforma comum para os variados tipos de receptores que possam vir a existir (terminal fixo, móvel, portátil ou de faixa estreita) (USP, PUC/RJ).

e) Middleware: Uma arquitetura de aplicações para prover todas as funcionalidades necessárias aos serviços de cunho social e educacional (Unicamp, Iecom, RCASoft, UFC, UFPB e BRISA). 

f) Usabilidade: Para que o terminal de acesso não seja de difícil operação para pessoas idosas, com necessidades físicas especiais ou baixa alfabetização digital (UFSC). 

g) Sincronismo de Mídias: Possibilitando a reprodução de programas multimídia interativos e com roteiro não-linear em um ambiente com gravação (PVR) (PUC/RJ, UFPB). 

h) Segurança da Informação: Para propiciar tanto os serviços comerciais (t-commerce) quanto os sociais (envio de extrato de INSS, por exemplo) (Genius, CESAR). 

i) Canal de Interatividade: O grande diferencial do modelo de televisão digital brasileiro. Visa oferecer diversos serviços não definidos em outros padrões internacionais, como governo eletrônico (e-govern), votação eletrônica (e-voting), educação à distância, solicitação de programas específicos pelo usuário, dentre outros.  Diversas tecnologias estão sendo pesquisadas, incluindo RF, CDMA, GSM, ADSL, PLC e redes ad hoc (PUC/RJ, Unicamp, Iecom). 

j) Transcodificação de Vídeo: Uma aplicação inovadora, definida para realizar a conversão entre os padrões MPEG4 (OSI) e H.264 (ITU) (Iecom, Unicamp, UnB, Unicap, FITec, Semp Toshiba). 

- Qual é a atual situação do projeto da tv digital brasileira?

A televisão digital brasileira está prestes a começar. As primeiras experiências e demonstrações públicas de resultados do projeto já estão sendo realizadas em diversas cidades do País.

O projeto SBTVD se desenvolve de forma satisfatória. São 105 instituições   envolvidas, entre universidades, centros de pesquisa, indústrias e emissoras, agrupadas em 20 consórcios, com os trabalhos técnicos coordenados pelo CPqD. São centenas de pesquisadores envolvidos, coordenando vários grupos de pesquisa e formando especialistas para trabalhar no futuro sistema de televisão digital.

Já foram gerados mais de 150 relatórios somando mais de 15 mil páginas, abordando todas as áreas da televisão digital. Várias universidades, mostrando grande despreendimento, trabalharam de graça por muito tempo, enquanto os recursos não eram liberados.

- Como funcionam os sistemas japonês, americano e europeu e o que difere o sistema brasileiro desses modelos?

Em termos de televisão digital, os Estados Unidos adotaram o padrão ATSC (Advanced Television System Committee), os europeus criaram o DVB (Digital Video Broadcasting) e o Japão esenvolveu o ISDB (Integrated Services Digital Broadcasting).

Os objetivos comuns aos diversos sistemas são: manter as mesmas faixas de freqüência hoje utilizadas (por exemplo, 6 MHz no Brasil), aumentar as resoluções espaciais vertical e horizontal, melhorar a representação de cores, apresentar uma razão de aspecto de 16x9, para aproximar o formato da tela de cinema (o aparelho analógico usa uma razão de 3x4), som multicanal de alta fidelidade e transmissão de dados.

O sistema ATSC utiliza o formato de 1920 x 1080 pixels, com varredura entrelaçada de 60 campos/s ou de 1280 x 720, com varredura progressiva de 30 quadros/s. O vídeo usa codificação MPEG-2, criado pelo Grupo de Especialistas em Vídeo, e o áudio segue o padrão Dolby AC-3, versão o padrão usado em salas de cinema ou em equipamentos de som de alta
qualidade.

A informação original, com taxa de 1 Gbit/s é comprimida para 19,3 Mbit/s e depois codificada, para proteção contra erros, com um codificador Reed-Solomon, mesmo código utilizado no DVD, e outro de treliça. O sinal resultante é modulado em 8-VSB para trasmissão em um canal de 6 MHz.

VSB é a técnica de modulação usada no PAL-M e NTSC atuais. É um sistema, assemelhado com o SSB. Foi usado, em vez do SSB, no início da televisão, por conta da enonomia de faixa em relação ao AM (para a transmissão de vídeo) e porque sua geração demandava equipamentos menos precisos e mais baratos que os necessários para o SSB. Hoje, não haveria essa restrição - e o ATSC poderia ter usado um sistema mais moderno de transmissão.

No DVB a carga útil do sinal de teledifusão é formada por vídeo e áudio codificados em MPEG-2. O sistema de transmissão usa COFDM, com 1705 portadoras (sistema 2k) ou 6817 portadoras (sistema 8k). A multiplexação por divisão em freqüência (FDM) também não é uma técnica nova, mas aparece no DVB e no ISDB com sinais digitais ortogonais, ou seja, sem interferência entre eles.

Para a proteção contra erros o padrão DVB usa o código Reed-Solomon, concatenado com um código convolucional, do tipo usado em comunicações móveis celulares, como o sistema CdmaOne (IS-95) da Qualcomm, puncionado (alguns bits são suprimidos). As faixas de transmissão podem ser ajustadas para 6, 7 ou 8 MHz. A utilização de intervalos de guarda entre os símbolos das várias portadoras garantem mais robustez em relação à interferência intersimbólica.

O ISDB utiliza a codificação da carga útil do sinal com MPEG-2 e modulação COFDM. A proteção contra erros é provida por código Reed-Solomon concatenado com código convolucional. O sistema permite integração hierárquica de serviços, para que receptores de menor banda e complexidade possam ter acesso a versões de mais baixa qualidade do sinal.

A mobilidade do aparelho é uma vantagem inconteste dos sistemas DVB e ISDB frente ao ATSC americano. Os consumidores já se acostumaram com o telefone portátil e podem se interessar por um aparelho de TV que possa ser levado para os estádios, para rever jogadas polêmicas, equipar automóveis ou mesmo frotas de ônibus urbanos e interurbanos. Um novo nicho de mercado poderá surgir, curiosamente não previsto pelos americanos, que tanto investiram no desenvolvimento de comunicações móveis nas últimas três décadas.

O sistema brasileiro tem a proposta de garantir mobilidade, interatividade, televisão digital padrão (SDTV) ou de alta definição (HDTV), mantendo a mesma banda passante atual de 6 MHz. Além disso, a interatividade vai garantir acesso à Internet, governo eletrônico (e-govern), possibilidade de votação eletrônica e muitas outras funções não disponíveis nos outros padrões.

- Quando se afirma que o sistema brasileiro terá um pouco de todos os outros sistemas, está correto?

O sistema brasileiro tem as melhores características dos padrões comerciais em operação, com novas características ainda não implantadas em outros sistemas.

- Hoje no Brasil há tecnologia para implantação da TV digital?

Sim. Com os investimentos previstos pelo Ministério das Comunicações, com recursos do Funttel, a segunda fase do projeto possibilitará, ainda em 2006, a transferência de tecnologia desenvolvida nos institutos de pesquisa e universidades nacionais para a indústria.

- Quando efetivamente o sr. acredita que a tv digital começará a funcionar no Brasil?

As primeiras transmissões experimentais já estão sendo feitas. O Ministério das Comunicações estipulou que até o mês de junho, durante a Copa do Mundo, as transmissões serão realizadas com programação ao vivo. A inauguração da televisão digital no Brasil está marcada para o dia 7 de setembro de 2006. Entretanto, a partir da experiência de outros países, a introdução da televisão digital no País levará anos.

- Esse sistema poderá funcionar exclusivamente no Brasil ou poderá ser adotado em outro país?

O Governo Federal está iniciando conversações com outros países, como a Argentina, para o desenvolvimento de um sistema comum para a América Latina. Certamente, o SBTVD será proposto pela Anatel como um dos padrões adotados pela União Internacional de Telecomunicações (UIT).

- O projeto do sistema brasileiro vai ao encontro do que os pesquisadores, os laboratórios de pesquisa e entidades da área defendem? Ou seja, há uma concordância quanto à tecnologia que estão utilizando para desenvolvê-lo?

Há concordância entre os pesquisadores, institutos e universidades em relação do modelo brasileiro de televisão digital.

- Qual a sua avaliação  quanto ao sistema brasileiro?

Minha avaliação, como um pesquisador que se envolveu com quase todas as fases do projeto, desde a pesquisa, ensino da matéria, trabalho de regulamentação na Comissão Brasileira de Comunicações da Anatel, coordenação da parte de comunicações do SBTVD, participação no Comitê Consultivo do SBTVD e participação na política científica da Finep para a área de comunicações, em especial para televisão digital, é que o projeto é um sucesso.

- O que será necessário para o consumidor ter acesso a tv digital caso seu aparelho não esteja apto a receber este tipo de sinal?

Bastará ao consumidor adquirir ou alugar um receptor (set top box), equivalente ao que se usa para recepção de sinais em televisão por assinatura, e conectá-lo ao seu aparelho analógico.

- De que forma acontece essa transmissão digital e quais as melhorias em relação ao atual sistema de transmissão?

A transmissão, no formato que está sendo discutido pelos consórcios, é terrestre. A idéia é manter a televisão no formato atual, gratuito para os telespectadores. Em relação ao processo de modulação, a proposta é usar a multiplexação ortogonal por divisão em freqüência (OFDM), como no DVB-T e ISDB-T, que permite mais robustês na recepção do sinal, em condições adversas.

- Que tipo de mudanças o sr. acredita que a tv digital provoca na vida das pessoas? Se fala em interatividade de que forma isso vai acontecer?

A interatividade será, provavelmente, a mudança mais notável. As emissoras vêm estimulando a interatividade há mais de uma década, com o uso de telefone ou da Internet para votações em alguns programas. Esse procedimento será feito no próprio aparelho de televisão digital, por meio do controle remoto, por exemplo.

Efetivamente, a vantagem da televisão digital em relação ao sistema analógico atual será a ausência de ruído, pelo menos como se conhece hoje, no sinal digitalizado. Esse tipo de efeito, será substituído pela formação de blocos ou pelo congelamento da imagem. Quando a imagem não tiver qualidade adequada, será simplesmente descartada. O efeito de multipercurso, que dá origem aos "fantasmas" da televisão convencional, será minimizado no sistema digital.

Será também mais fácil copiar os filmes - com a mesma qualidade do original - o quem deve deixado os produtores preocupados. Afinal, a experiência com o Napster provou que consumidores ávidos podem ser muito expertos.

- O Brasil está pronto tecnologicamente para a tv digital?

O País está pronto do ponto de vista tecnológico para a televisão digital. Os pesquisadores já estão formando profissionais para trabalhar na área. Algumas empresas estão envolvidas na fase atual da pesquisa e terão certamente vantagens competitivas em relação aos concorrentes.

- Como o sr. avalia o fato do Brasil ter demorado tanto, em relação há outros países, para fazer essa mudança para sistema digital?

Não vejo como um problema, até porque os países que adotaram padrões o fizeram com custos muito elevados, com diversas experiências frustradas, como no Japão e Estados Unidos, que tentaram desenvolver padrões analógicos de televisão de alta definição. Os Estados Unidos, por exemplo, tem tentado introduzir a televisão digital desde 1995, com pouco sucesso. Recentemente, a Federal Communication Commission (FCC), a Anatel de lá, teve que impor regras rígidas para implatação do sistema, como colocar rótulos nos aparelhos analógicos informando que eles não terão mais uso após 2007, para garantir a venda de aparelhos digitais. Eles também estão forçando as emissoras a produzir programas em alta definição.

- Quais são os resultados dos primeiros testes?

Os resultados dos testes no País foram promissores e coroados de sucesso. Os sub-sistemas estão funcionando e deverão ser integrados em breve.

- O que representa para o desenvolvimento econômico e social do País ter seu próprio sistema?

Representa garantir um certo grau de autonomia para o País nessa área de forte conteúdo tecnológico. Representa a formação de um contingente de pesquisadores e profissionais em televisão digital. Representa a economia de bilhões de dólares que seriam pagos em direitos de patente a empresas no exterior. Representa a construção de fábricas no País, o incremento na produção de conteúdo nacional pelas emissoras e produtoras independentes. Representa a possibilidade de acesso à Internet para milhões de cidadãos brasileiros. Representa também uma nova realidade de pesquisa na área, com novas possibilidades que ainda nem sequer foram imaginadas.

- Há quanto tempo e por quantos profissionais e entidades vem sendo pesquisada e desenvolvida a TV digital brasileira?

O projeto começou em 2004, com a publicação dos editais pela Finep e submissão dos projetos (Requisições Formais de Propostas - RFPs). Os recursos, entretanto, só foram liberados a partir de maio de 2005, o que provocou atraso considerável no projeto. Os coordenadores dos consórcios conseguiram, apesar de tudo, entragar praticamente todos os produtos nos tempos devidos.

São 105 instituições envolvidas, entre universidades, institutos de pesquisa, indústrias e emissoras, agrupadas em 20 consórcios, com os trabalhos técnicos coordenados pelo CPqD. Estima-se que mais 1200 pesquisadores estejam direta ou indiretamente envolvidos, incluindo os estudantes.


Data: 19/12/2005