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Governo investiga receita de sucesso no ensino de 37 cidades

Valorização da leitura e acompanhamento rigoroso do aluno estão entre as características comuns às redes com bom desempenho

 

A biblioteca da escola é transportada de um canto para o outro por um jegue guiado por alunos, professores e diretores. Os "mestres" passam por avaliações e estão sujeitos a ter de freqüentar aulas de reforço.

 

Um representante visita a casa do aluno que falta dois dias consecutivos para saber o motivo da ausência. Iniciativas como essas de Alto Alegre do Pindaré (32 mil habitantes, interior do Maranhão) foram elencadas no estudo "Redes de aprendizagem -Boas práticas de municípios que garantem o direito de aprender", elaborado por uma parceria entre o Ministério da Educação, o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).

 

O trabalho, que será apresentado hoje pelo ministro Fernando Haddad, elenca 37 redes municipais que, segundo o trabalho, influenciaram de fato no aprendizado dos alunos, já que o contexto socioeconômico foi isolado da análise.

 

A intenção era identificar escolas que encontraram soluções para problemas comuns a outras escolas, segundo a secretária de Educação Básica, Maria do Pilar Lacerda. O próximo passo, disse, é divulgar as experiências bem-sucedidas. "Levar a experiência como um pacote fechado não funciona, mas é possível ver que Formosa [município de Goiás entre os 37] tem uma formação sólida de professores e um foco na aprendizagem. É ver que tem gente que, nas mesmas condições, dá conta e resolve."

 

A tarefa, no entanto, não deve ser fácil, de acordo com o professor Cândido Gomes, da Universidade Católica de Brasília. "O que é bom deve ser replicado, mas a educação é como árvores, têm raízes.

 

Não sai de um lugar para outro com muita facilidade, mas, se houver a mesma vontade política e gestores capazes, não há dúvida de que se conseguirão resultados positivos", disse.

 

Metodologia

 

Entre os critérios de escolha estão a nota quatro no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que varia de um a dez, e o desempenho acima do esperado em relação a redes com condições socioeconômicas semelhantes. Apenas 103 dos 2.346 sistemas municipais passaram por esses dois filtros. Desses, 37 foram escolhidos de acordo com a representatividade "regional e populacional" e visitados por pesquisadores no final de 2007.

 

Ainda que se destaquem de seus contextos socioeconômicos, nenhuma das redes selecionadas está nos padrões do mundo desenvolvido, que tem Ideb igual ou maior que seis, mas todas estão acima da média nacional, que é de 3,8. Foram ouvidos pais, alunos, professores, funcionários e dirigentes municipais.

 

Conforme mostra o estudo, os técnicos identificaram fatores comuns nessas 37 redes, como planejamento didático e pedagógico, olhar individual sobre o aluno, acesso à educação infantil (0 a 5 anos), valorização da leitura, gestão participativa e ao mesmo tempo exigente, com avaliações dos profissionais, integração entre as escolas da rede municipal e valorização do professor.

 

Embora também seja mencionada a importância dada à formação dos professores, o trabalho mostra que há realidades distintas. Enquanto em Sud Mennucci (SP) 92% dos professores têm nível superior e em Sete Barras (251 km de SP) o índice chega a 100%, em Presidente Dutra (BA) eles tinham só o ensino médio completo.

 

Já a valorização da leitura foi citada por 29 das 37 redes como fator de sucesso.

 

Alunos de Sete Barras têm provas todo mês, reforço e apostilas de rede privada

 

Fatores que parecem simples, mas ausentes em boa parte das redes públicas do país, levaram a rede municipal de Sete Barras (251 km de SP) a ser considerada um dos exemplos pelo MEC. Avaliação dos alunos, recuperação, material didático organizado e formação dos professores são as ações apontadas pelos educadores locais como a explicação para os bons resultados.

 

Os alunos da cidade, de cerca de 15 mil habitantes, fazem provas mensalmente e passam por avaliação semestral da prefeitura. Os exames buscam diagnosticar as dificuldades dos estudantes para que, em seguida, sejam formadas turmas para reforço escolar.

 

Nas últimas férias de janeiro, por exemplo, foi montado um grupo de estudantes da terceira série para receber aulas extras para melhorar a escrita. Há ainda a recuperação durante o ano.

 

Para organizar o conteúdo a ser ensinado, a prefeitura optou por um sistema polêmico, o de apostilas feitas por um grupo privado (Objetivo). Parte dos educadores do país afirma que o sistema massifica o ensino e prejudica uma formação mais humanista dos alunos.

 

"Antes, cada professor definia o que ia ensinar. Agora, está tudo organizado", diz a secretária da Educação, Edna Kabata.

 

Outro ponto destacado pela secretária é a formação dos professores -os 78 docentes da rede possuem nível superior.

 

"Aqui não tem invenção. É giz e lousa, mas tudo está organizado", diz a diretora da escola Durval de Castro, Ena Maria de Morais. A unidade, ainda sem laboratório de informática, teve notas na quarta série superiores aos da oitava do sistema estadual de São Paulo, em português, na Prova Brasil 2005 (exame do governo federal).

 

Aluno da quarta série, Vinicius Fujimoto, 10, afirma que não tem problemas para acompanhar as aulas. Mas conta que precisa se dedicar. "Temos bastante lição de casa. Quando não fazemos, levamos bronca."

 

Para evitar que os professores tenham muitas faltas, a prefeitura adotou um bônus que é pago de acordo com a assiduidade do docente. No ano passado, os que não faltaram nenhuma vez chegaram a ganhar quatro salários extras.

 

Os professores ganham cerca de R$ 1.000 mensais, sem contar as gratificações.

 

Sud Menucci

 

Em Sud Menucci (614 km de SP), outra cidade listada pelo MEC, uma torre de 40 metros permite aos moradores o acesso gratuito à internet banda larga via rádio. A cidade tem 7.714 habitantes. "Longe de tudo", conforme a própria secretária da Educação, Sandra Muniz, a cidade, "com a internet, pôde se abrir para o mundo".

 

Ontem à tarde, na escola municipal Professor Victor Pandilha, 22 alunos do ensino fundamental navegavam na rede orientados por uma professora.

 

Em 2001, 14,1% dos habitantes de Sud Menucci eram analfabetos. Hoje, são 7,25% (a maioria tem mais de 50 anos).

 

A prefeitura buscou convênios com faculdades da região para incentivar a presença dos jovens em cursos técnicos e universitários. Para freqüentar as aulas, o aluno recebe auxílio de 50% da mensalidade (divididos entre município e a entidade), mais transporte.

 

(Folha de São Paulo, 25/3)


Data: 25/03/2008