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Um idioma extinto a cada duas semanas

Quando os portugueses desembarcaram no Brasil, havia cerca de 1.270 línguas faladas por índios. Hoje, o número é 85% menor - restam, aproximadamente, 180 idiomas

A diversidade lingüística do Brasil vai muito além dos regionalismos. Variações locais como macaxeira, mandioca e aipim, por exemplo, nada são perto da riqueza de idiomas no país.

Estão notificadas, incluindo o português, cerca de 215 línguas faladas em território nacional. No mundo, esse número chega a 7 mil. A cada 14 dias, no entanto, um idioma desaparece. O alerta foi feito pela Organização das Nações Unidas, que definiu 2008 como o Ano Internacional dos Idiomas.

No Brasil, as línguas mais ameaçadas de extinção são as indígenas. As perdas ocorrem há séculos. Quando os portugueses desembarcaram no Brasil, havia cerca de 1.270 línguas faladas por índios. Hoje, o número é 85% menor - restam, aproximadamente, 180 idiomas.

A coordenadora do setor de cultura da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, Jurema Machado, alerta sobre os prejuízos da extinção lingüística. "Não se trata apenas de perder um sistema de códigos. A língua revela uma visão de mundo, traz conhecimentos próprios daquela sociedade", diz.

Enquanto o Brasil perdia muitos idiomas nas aldeias, ganhava alguns com a imigração. A chegada de japoneses e europeus, a partir do século 19, resultou em línguas novas, como o talian, trazido do norte da Itália. Hoje, a língua, que sofreu adaptações no Brasil, é falada por quase dois milhões de pessoas no Rio Grande do Sul.

Existe até uma entidade, a Associação dos Radialistas em Talian, que produz programas no idioma. A hunsrückischi, formada a partir da vinda de alemães, é outra língua de imigração com número expressivo de falantes no oeste de Santa Catarina, Paraná e parte do Mato Grosso.

Há, ainda, duas línguas crioulas no país, nascidas com o processo de escravidão e atualmente faladas no Amapá. "Pessoas de diferentes idiomas, que eram colocadas numa mesma senzala para não se comunicarem, acabaram inventando um sistema. Quando nasceu a primeira geração de filhos, eles gramaticalizaram isso", explica o lingüista Gilvan Müller, coordenador do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística (Ipol) e professor da Universidade Federal de Santa Catarina.

Das 2.480 escolas indígenas em funcionamento no país, cerca de 1.870 oferecem ensino bilíngüe. A coordenadora geral de Educação Escolar Indígena do Ministério da Edcuação, Susana Grilo, explica que muitos povos perderam o uso da própria língua, o que dificulta o uso em sala de aula. "Muitas comunidades acabaram adotando o português", diz.

Outra dificuldade, segundo ela, está na escassez de material didático específico. "Muita coisa já foi feita com o apoio do ministério, como livros escritos pelos próprios indígenas, mas ainda há carência nesse aspecto", afirma.

Idiomas

Nono lugar no ranking de países com maior número de idiomas, o Brasil abriga a segunda cidade mais plurilíngüe do mundo. São Gabriel da Cachoeira, cuja área (109 mil km²) é maior do que a de Portugal, e tem população de 36 mil habitantes, convive com 23 línguas, a maioria indígena. Em 2004, a Câmara de Vereadores do município amazonense elevou três idiomas - tukano, nheegatu e baniwa - ao posto de línguas oficiais, ao lado do português.

"Agora, nos bancos, há fila para quem fala tukano, baniwa e nheegatu. A idéia é cobrar nos concursos públicos o conhecimento dessas línguas para que o servidor atenda bem o cidadão do município. Isso se traduz em respeito aos direitos lingüísticos das pessoas", diz Gilvan Müller, coordenador do Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística (Ipol).

(O Estado de Minas, 13/3)


Data: 18/03/2008