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Brasil tem perdido grandes talentos em matemática, alerta presidente da SBPC

Turbulência dos grandes centros e falta de motivação dos professores da rede pública teriam influência na péssima situação do ensino de matemática no país, segundo Marco Antonio Raupp

De acordo com o presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, PhD em matemática pela Universidade de Chicago, a escola não deveria ser um sistema de exclusão. Para ele, a defasagem no aprendizado de matemática entre alunos de escolas públicas faz com que o Brasil perca, a cada ano, grandes talentos. "Não só estamos tirando as oportunidades dessas pessoas, mas estamos perdendo talentos escondidos nessas instituições."

O Sistema de Avaliação Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), divulgado no dia 13, revelou que mais de 80% dos alunos das escolas estaduais de São Paulo não atingiram os conhecimentos em matemática esperados pela Secretaria de Educação. Como o senhor vê esses resultados?

- Esses resultados são extremamente preocupantes. Somando esta a outras avaliações, como o Pisa, temos dados bem alarmantes. Por outro lado, existem indicadores que nos mostram uma outra situação. Nas Olimpíadas de Matemática, realizadas entre as escolas da rede pública, a novidade é que é das escolas de cidades de interior que saem os melhores resultados. E o que significa isso? Eu acredito que as escolas menores, por trabalharem numa dimensão menor, conseguem trabalhar melhor esses estudantes. Isso mostra também que talentos existem para todos os lados. O que está faltando é um grande esforço na educação básica e um verdadeiro mutirão na educação fundamental, especialmente nas ciências matemáticas. Na educação superior, especialmente na pós-graduação, já foi feito um esforço grande com a criação da Capes. Com isso, o Brasil alcançou resultados muito mais satisfatórios perante outros países. Agora, com relação à situação específica de São Paulo, alguma coisa aconteceu. Pode ser uma visão tradicionalista minha, mas essa história de passar aluno direto de ano, com a progressão continuada, talvez tenha influenciado.

Onde o senhor acha que está o maior problema e como fazer para reverter esse quadro?

- Acho que o que muda são bons professores, com talento para ensinar matemática. Não adianta infra-estrutura se não tiver bons professores. A matemática é um ensino sujeito à lógica numérica, como ordenar e estruturar variáveis quantitativas. É preciso muita lógica para saber ensinar o aluno a pensar e para isso é preciso também muita calma. Essa turbulência na vida da periferia dos grandes centros urbanos é prejudicial, assim como a falta de tempo para poder pensar. A escola tem que criar um ambiente favorável para o aluno pensar, e isso depende muito mais de bons professores do que de infra-estrutura. Não adianta ensinar muita coisa, mas ensinar bem as coisas fundamentais para fazer o aluno se desenvolver. A matemática se aprende com bons professores, que ajudam os alunos a usar os conceitos que devem ser usados. Vê-se por aí tentativas pedagógicas de ensinar matemática sem muita dor, sem muito esforço e começa a se inventar metodologias que acabam fugindo do ponto. Em vez de estudar aritmética, por exemplo, eles estudam a teoria dos conjuntos. Isso é altamente prejudicial, pois eles acabam se afastando das técnicas que realmente interessam. Ninguém me tira da cabeça que matemática tem que ser ensinada assim, concentrando-se nos conteúdos. Para isso melhorar, tem que ser feito um grande esforço, colocando no sistema professores competentes e motivados e que tenham a capacidade de despertar o interesse dos alunos nos conteúdos. A organização da escola e do sistema escolar é fundamental para funcionar direito.

A violência cada vez mais presente nas escolas também pode ser considerada um fator desmotivante.

- Definitivamente. A violência e a turbulência das periferias das grandes cidades sem dúvida atrapalham o processo de aprendizagem, enquanto o ambiente do interior parece mais tranqüilo e propício ao desenvolvimento da educação.

O mau desempenho dos alunos em matemática pode fazer com que a procura por cursos na área de exatas seja menor nos próximos anos? O que isso acarretaria ao país?

- Na sua grande maioria, as Universidades acolhem pessoas vindas de escolas particulares, portanto, essas áreas acabam não sendo tão afetadas. O que está havendo é uma exclusão de oportunidades para os alunos de escolas públicas. E escola não deveria ser sistema de exclusão. Estamos perdendo talentos também. Não só estamos tirando as oportunidades dessas pessoas, mas estamos perdendo talentos escondidos nessas instituições. Isso acarreta em enorme prejuízo social. Não se pode pensar em desenvolvimento sem incluir uma sociedade de massa desenvolvida e sem resolver esse problema social, e a educação é certamente um deles.

Qual é a importância da matemática para a formação desses jovens?

- É preciso saber três coisas fundamentais na vida para operar minimamente dentro de uma sociedade moderna: ler, escrever e fazer contas. É como falar, ler e escrever. A Matemática é a fala, a leitura e a linguagem do quantitativo.

(Assessoria de Comunicação da SBPC)


Data: 18/03/2008