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Cultura também evolui por seleção natural, diz estudo

Pesquisa desmente a idéia de que não pode haver uma teoria geral da cultura humana, dizem autores

 

Teorias criadas para o estudo da genética podem ser aplicadas, com sucesso, na compreensão de mudanças culturais, diz um trabalho que será publicado online, durante esta semana, no website da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Os autores do artigo alertam, no entanto, que sua descoberta não implica a determinação da cultura pelos genes, e sim que ambos os fenômenos - evolução biológica e evolução cultural - seguem dinâmicas semelhantes.

 

Elaborado por dois biólogos da Universidade Stanford, nos EUA, o trabalho analisou a evolução do design canoas usadas por nativos de ilhas da Polinésia e de Fiji, no Oceano Pacífico. Os pesquisadores dividiram as características das canoas em dois grupos: as que são "testadas pelo ambiente natural" - afetando a capacidade de o barco realizar uma travessia em segurança - e as puramente ornamentais.

 

A constatação foi de que o ritmo de mudança nas características funcionais das canoas é lento, enquanto que a parte ornamental sofre mudanças mais rápidas e atinge maior variedade. O artigo afirma que esse processo pode ser explicado por um mecanismo equivalente à seleção natural biológica, que tende a eliminar mutações que prejudicam a reprodução de uma espécie. No caso das canoas, "mutações" de design que prejudicam a chance de sobrevivência das pessoas a bordo também logo desaparecem, o que reduz o ritmo de adoção de mudanças.

 

Já a rápida alteração das características ornamentais pode ser considerada análoga ao fenômeno biológico das chamadas "mutações sinônimas", que causam pouca ou nenhuma diferença na proteína codificada pelo gene - ou, no caso das canoas, na funcionalidade do barco.

 

A diferença entre mutações sinônimas e não-sinônimas "é um dos modos usados por geneticistas de população para identificar quais genes estão sob a ação da seleção natural, do mesmo jeito que usamos a diferença entre características funcionais e decorativas das canoas para ver se as primeiras estão sob pressão seletiva", explica um dos autores do estudo, Paul R. Ehrlich.

 

"Este achado indica que a mudança cultural, como a evolução genética, pode seguir padrões derivados de uma teoria", diz o artigo, destacando que a conclusão contraria a idéia de que "crenças e comportamentos humanos não seguem padrões previsíveis" e por isso estariam fora da esfera da análise teórica.

 

"Seleção, deriva, migração e mutação são todas idéias (biológicas) que podem ser importadas, desde que com o devido cuidado" para o estudo da cultura, afirma Ehrlich. "Mas é importante notar as grandes diferenças. Por exemplo, genes herdados dos pais não podem ser rejeitados pelos filhos, mas características culturais podem", lembra. "E idéias, diferentemente dos genes, podem ser passadas para trás, dos filhos para os pais".

 

Outras características culturais que, segundo Ehrlich, também poderiam ser compreendidas a partir de conceitos derivados da biologia evolucionária são a arquitetura das pirâmides - que representam a forma mais simples de se erguer edifícios de pedra, e aparecem em diversas culturas diferentes -  e a agricultura. "De todos os exemplos, a agricultura é a que mais provavelmente afeta a sobrevivência e a reprodução, e portanto a que tem chance de ter sido afetada pela seleção", pondera.

 

O pesquisador lembra ainda que "vários estudos sobre a disseminação da agricultura mostram que ela se espalhou principalmente pela maior taxa de crescimento populacional dos povos agrícolas", o que seria um sinal da seleção natural em ação.

 

(O Estado de S. Paulo)


Data: 21/02/2008