topo_cabecalho
ARTIGO: Recursos e desempenho das federais: respondo a verdade - por Paulo Renato Souza

Recursos e desempenho das federais: respondo a verdade

Paulo Renato Souza*


Na semana do último Natal, quando todos pensavam mais nas celebrações de fim de ano do que em qualquer outra coisa, o MEC divulgou os dados do Censo do Ensino Superior correspondente ao ano de 2006. O Jornal “Folha de São Paulo”, em sua edição de 30 de dezembro de 2007, destacou um aspecto bastante negativo da evolução das Universidades Públicas no período 2004 a 2006: caiu o número de concluintes, apesar de a matricula haver se expandido como nunca nos anos anteriores.

 

O Secretário de Ensino Superior do MEC, seguindo o cacoete do Presidente Lula, apressou-se em culpar o Governo Fernando Henrique. Cito o Secretário: “O número de concluintes agora reflete políticas adotadas no período anterior. Com falta de custeio e carência de recursos humanos, as universidades se sentiram pouco estimuladas a repensarem seus modelos acadêmicos e a combaterem a evasão. O resultado não poderia ser diferente da estagnação ou diminuição de formandos que observamos hoje”.

 

Na verdade, a matéria da Folha se referia ao conjunto das instituições públicas e não apenas às Instituições Federais de Ensino Superior - as Ifes, mas infelizmente ela é válida também para essas últimas. Concentremos, pois, a análise no caso das Federais, onde é possível associar políticas e resultados e verificar a base científica e factual da afirmação do senhor Secretário. Os dados de 2006 também nos permitem uma interessante comparação dos resultados obtidos nas Federais nos dois mandatos completos do Presidente Fernando Henrique e no primeiro do Governo Lula.

 

Tenho interesse, em primeiro lugar, em discutir a afirmação do Secretário de que no governo FHC teria havido “falta de custeio e carência de recursos humanos”. No mês de dezembro último fui convidado pelo TCU e pela Andifes a moderar uma mesa de discussão em seminário sobre o financiamento do ensino superior público, em que dois trabalhos foram apresentados: um do Professor Nelson Cardoso do Amaral, da Universidade Federal de Goiás, e outro de Paulo Rocha e Ricardo Fabrino, ambos da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento do MEC. Os dois trabalhos apontaram tendências muito semelhantes, nas quais se destacava uma suposta redução de recursos para as Federais, especialmente no período 2001 a 2003.  A Tabela 1 a seguir, extraída da apresentação do Subsecretário Paulo Rocha ilustra minha afirmação.

 

Como tive oportunidade de reclamar durante meus comentários, os dois trabalhos cometeram uma falha imperdoável em se tratando de especialistas e estudiosos das questões de financiamento para as universidades públicas: omitiram-se os recursos do Programa de Modernização das Universidades Federais, executado pelo MEC entre os anos 2000 e 2002,  que alcançou cifras inéditas e muito significativas. Esses recursos não podem ser omitidos em qualquer análise da evolução orçamentária e financeira das IFES e dos Hospitais Universitários, pois apesar de não terem sido apropriados em cada um dos seus orçamentos, foram contratados e executados pelo MEC, e os equipamentos com eles adquiridos destinados a cada uma das instituições, segundo os pedidos feitos por elas mesmas.  Além desse, houve outros programas de investimento como o de Informatização das Ifes, mas concentremo-os apenas no mais importante deles.

 

TABELA 1

 

 Ifes (com 5 Cefets e HCPA)

EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA – 1995-2006/ LOA 2007/ PPA 2008-2011

RECURSOS DO TESOURO (A PREÇO DE 2006) em R$ milhões

Ano

Pessoal ativo

Pessoal inativo

Benefício a servidor

Outras despesas custeio

Total

Despesas

De capital

OCC

Total Geral

(sem inativos)

1995

7.298

2.779

495

664

1.159

83

1.241

8.540

1996

6.186

2.635

427

687

1.114

140

1.255

7.440

1997

5.804

2.701

394

738

1.133

54

1.186

6.991

1998

5.676

2.912

347

880

1.228

8

1.236

6.912

1999

6.474

3.145

324

794

1.118

21

1.139

7.614

2000

6.523

2.654

306

817

1.123

79

1.202

7.724

2001

6.105

2.626

293

815

1.109

44

1.153

7.258

2002

6.687

3.369

279

642

922

37

959

7.646

2003

6.289

3.291

278

599

877

50

927

7.215

2004

6.936

3.557

346

753

1.098

95

1.194

8.130

2005

7.557

3.741

332

865

1.197

162

1.359

8.916

2006

8.457

4.072

327

1.011

1.338

175

1.514

9.970

LOA 2007

8.548

4.365

322

1.269

1.591

465

2.056

10.604

PPA 2008

8.795

4.233

562

1.511

2.073

689

2.762

11.556

PPA 2011

9.254

4.339

774

2.798

3.572

1.506

5.079

14.333

 

Relembrando a mecânica da operação: A distribuição dos recursos entre as universidades levou em conta critérios como número de alunos, pesquisa e número de cursos de graduação e pós-graduação. As universidades se candidataram a participar do programa mediante a apresentação de projetos de desenvolvimento institucional, que deviam, obrigatoriamente, contemplar a expansão e a melhoria dos cursos de graduação. De forma também inédita, as universidades tiveram a prerrogativa de escolher os equipamentos de que necessitavam. O MEC realizou um processo de licitação internacional, vinculando o fornecimento de equipamentos à oferta de financiamento de longo prazo. O Ministério se encarregou da compra e desembaraço dos equipamentos. No caso dos fornecedores nacionais, em alguns casos o BNDEs ofereceu financiamento aos fornecedores, em outros o MEC  adquiriu os equipamentos com os recursos orçamentários de que dispunha.

 

Inicialmente se havia previsto um montante total de 300 milhões de dólares para o Programa. Atrasos nas licitações e problemas orçamentários atrasaram um pouco sua execução, mas a verdade é que foi possível atender à grande maioria dos pedidos das universidades. A Tabela 2, a seguir mostra os valores efetivamente executados nesse Programa entre os anos de 2000 e 2002, correspondendo aos equipamentos efetivamente entregues às Instituições Federais e Hospitais Universitários.

 

Tabela 2

 

Programa de Modernização das Instituições Federais de

Ensino Superior 2000 - 2002

Valores Executados a preços correntes

Ano

Moeda Nacional

Moeda Estrangeira

Total

2000

20.755.477,00

147.462.674,00

168.218.151,00

2001

55.384.203,00

221.273.441,00

276.657.644,00

2002

21.334.808,00

0,00

21.334.808,00

TOTAL

97.474.488,00

368.736.115,00

466.210.603,00

 

Fonte: SIAFI

 

A Tabela 3 a seguir agrega esses valores dos anos 2000 a 2002 aos dados da Tabela 1, tomando o cuidado de convertê-los para valores a preços médios de 2006, tal como fizeram os autores da Tabela 1. Omitimos as linhas referentes aos anos posteriores a 2006 por se tratar de previsões orçamentárias e de planos plurianuais e não de valores efetivamente executados. Excetuando-se o ano de 2002 – ano de crise e inflação -, todos os demais anos da série revelam certa estabilidade e expansão dos recursos de custeio e investimento à disposição das Federais. Note-se que a cifra de 2001 não foi superada em qualquer dos anos no atual governo. Mesmo tomando apenas os dados de custeio propriamente dito (excluindo, portanto, os Benefícios a Servidor), os anos de 1998, 2000 e 2001 registram cifras bem superiores à tendência histórica e somente superadas no ano de 2006. A média dos gastos de custeio propriamente dito no primeiro mandato de FHC foi de R$ 742 milhões por ano, no segundo foi de R$ 767 milhões e no primeiro governo Lula apenas levemente superior: R$ 804 milhões, todas as cifras em valores constantes de 2006.

 

Tabela 3

 

Execução Orçamentária nas rubricas de Custeio e Investimento incluindo os recursos efetivamente executados do Programa de Modernização das IFES

1995 a 2006

Em R$ milhões a preços de 2006

 

 

Ano               

Benefícios a Servidor

Outras Despesas de Custeio

Desp. De Capital

no OCC

Programa Modern. das IFES

OCC total com Progr. Modern. IFES

1995

495

664

83

---

1.241

1996

427

687

140

---

1.255

1997

394

738

54

---

1.186

1998

347

880

8

---

1.236

1999

324

794

21

---

1.139

2000

306

817

79

265

1.467

2001 

293

815

44

409

1.562

2002

279

642

37

29

988

2003

278

599

50

---

927

2004

346

753

95

---

1.194

2005

332

865

162

---

1.359

2006

327

1.011

175

---

1.514

 

Fonte: Tabelas 1 e 2 - Deflator usado para os dados da Tabela 2: IPCA Preços Médios base 2006.

 

Tomando, entretanto, o conjunto dos gastos de custeio e capital, incluindo o Programa de Modernização, observamos que a média anual de recursos dedicados às Federais no segundo mandato de FHC foi 40 milhões de Reais maior do que a média anual do primeiro mandato de Lula, como se verifica na tabela 4 abaixo:

 

Tabela 4

IFES: Média anual do total de recursos de custeio e investimento executados

nos três últimos períodos governamentais a preços de 2006

Em R$ milhões a preços de 2006

 

Período

Media anual do OCC total incluindo o Programa de Modernização das Ifes

1995 – 1998

1.230

1999 - 2002

1.289

2003 - 2006

1.249

Fonte: Tabela 3

 

A análise das tabelas desmente cabalmente, portanto, a firmação do Secretário de Ensino Superior: não houve durante o governo FHC “falta de custeio” ou uma redução substancial nos recursos de custeio e investimento para as Ifes – ao contrário.

 

Na questão dos recursos humanos, realmente temos uma visão divergente sobre o que sejam as reais necessidades das Federais. O Governo FHC jamais deixou de atender às necessidades de reposição de docentes. Foram 5 processos de autorização de abertura de concursos para professores, cada um com mais de 2.000 vagas autorizadas entre 1995 e 2001, totalizando 10.972 vagas para repor principalmente as aposentadorias. O número de docentes em efetivo exercício elevou-se levemente ao longo do período: eram 44.500 em 1995 e 45.900 em 2002. O que melhorou muitíssimo foi a qualificação do corpo docente das federais: a proporção de mestres e doutores que era de apenas 55% passou para 71% e a de doutores que era de 21% passou para 39% do total de docentes durante o governo FHC.

 

O número de alunos de graduação aumentou, entretanto, significativamente no período: de 352 mil em 1995, para 532 mil em 2002. Com isso a relação aluno/professor que era de apenas 7,9 em 1995 passou a 11,6 em 2002. Esse indicador em 2006 havia caído para 10,8, mostrando que no período recente cresceu mais o número de professores que o de alunos nas Universidades Federais. Na minha visão esse é um problema, pois os indicadores de ótimas universidades de pesquisa no exterior nunca assinalam cifras inferiores a 16 alunos por professor. Não proponho demitir professores, quero ter mais alunos com o mesmo número de professores, objetivo que não foi até agora perseguido pelo atual governo. De qualquer forma, não se pode acusar o governo anterior que autorizou quase 11.000 concursos e melhorou significativamente a qualificação do corpo docente, tolerando ainda uma relativamente baixa proporção de alunos em relação a professores, de haver permitido uma situação de “carência de recursos humanos” como afirma o Senhor Secretário – ao contrário.

 

Analisar as causas efetivas da queda nas conclusões nas Universidades Federais é tarefa complexa e que deveria ser levada a cabo com muita seriedade e isenção pelas autoridades do MEC. Não tenho a pretensão de realizar esse trabalho no espaço desse artigo. Quero aduzir, porém alguns elementos que podem servir como pistas para pesquisas mais profundas. A Tabela 5 a seguir mostra a evolução das matrículas e das conclusões em cada um dos períodos do Governo FHC e no primeiro governo Lula.

 

Tabela 5

IFES: Crescimento percentual nas Matrículas e Conclusões

1994 - 2002

 

 

Período

Crescimento nas Conclusões

Crescimento nas Matrículas

Crescimento nas Matrículas Noturnas

2002 – 2006

2002 – 2003

17 %

18 %

11 %

7 %

14 %

11%

1998 – 2002

 

35 %

30 %

60 %

 

1994 – 1998

 

24 %

12 %

20%

1994 – 2002

 

67 %

46 %

93 %

 

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados dos Censos do Ensino Superior do Inep.

 

Comecemos pelas Matrículas. Durante todo o período do governo FHC elas cresceram 46%, sendo 12% no primeiro mandato e 30% no segundo, cumulativamente. No primeiro governo Lula a expansão foi de 11% nos quatro anos, mas dois terços desse aumento (7%) ocorreu no ano de 2003, na gestão do Ministro Cristóvão Buarque e ainda como conseqüência das políticas adotadas até 2002. Nos três anos seguintes, a matrícula cresceu apenas 4% no total, muito abaixo até mesmo do crescimento populacional do país. É interessante destacar que o mesmo fenômeno se observa nas matrículas noturnas. Elas cresceram 20% e 60% nos dois governos FHC – sendo 93% no total acumulado - e apenas 14% no primeiro governo Lula, sendo 11% apenas no ano de 2003, onde as mesmas políticas do período FHC tinham certa vigência. Não deixa de ser irônico que um governo que se quer popular tenha aumentado as matrículas noturnas nas universidades federais em menos de 3% no total nos últimos três anos!

 

No item das Conclusões, as tendências gerais são as mesmas: crescimento de 35% e 24% em cada um dos períodos FHC e 17% no primeiro governo Lula, sendo 18% apenas em 2003. Ou seja, o número de conclusões nas Federais foi menor em 2006 do que havia sido em 2003! Apenas para referência, nas três Universidades Estaduais Paulistas, as conclusões aumentaram em 31% entre esses dois anos.

 

O que explica comportamentos tão díspares de um período para o outro? No meu entender são basicamente duas políticas que foram alteradas ou abandonadas a partir de 2003. Em primeiro lugar, em 1998 foi introduzida a Gratificação de Estímulo à Docência, a GED que vinculava uma parte significativa da remuneração dos docentes ao seu desempenho avaliado segundo critérios objetivos fixados por cada universidade. Os critérios variavam, mas quesitos como o número de aulas por semana, o número de aulas nos cursos noturnos, as publicações dos professores e outros eram itens incluídos na maioria das instituições. A partir de 2003 essa prática foi abandonada e a gratificação passou a ser igual para todos independente do desempenho.

 

Em segundo lugar, a distribuição de recursos de custeio para as universidades desde 1999 estava baseada em uma matriz de desempenho na qual tinha peso elevado o número de alunos matriculados, o de alunos nos cursos noturnos, os programas de pós-graduação e indicadores de eficiência medidos entre outras coisas pela relação entre o número de alunos e o de formandos em cada ano. Essa matriz, que substituíra com larga vantagem a anteriormente utilizada, que priorizava as índices históricos de participação de cada universidade, também foi abandonada a partir de 2003.

 

Não pode passar sem registro o fato de que os indicadores de expansão nas matrículas e nas conclusões foram melhores no segundo mandato do Presidente FHC em relação ao primeiro. Por outro lado, as políticas mencionadas foram adotadas em 1998 e 1999 e foram vigentes até 2003, sendo depois abandonadas. Todos esses elementos sugerem que as políticas de distribuição de recursos de custeio e de remuneração dos docentes em função de critérios de desempenho das Universidades devem ter tido um impacto apreciável na evolução recente das Federais e podem explicar também a evolução das conclusões em relação ao total de matriculados.

 

Porque essas políticas foram abandonadas? No meu entendimento por uma visão populista da gestão das instituições de ensino superior públicas, incompatível com o desempenho acadêmico e com o bom uso dos recursos públicos. Agora, um pouco tarde, o MEC parece ter acordado para os méritos de algumas das políticas adotadas no governo FHC. Batizado de REUNI o governo lança como grande novidade um programa de incentivos ao desempenho das universidades federais pelo qual serão aquinhoadas com mais verbas as instituições que melhorarem seu desempenho em função de indicadores tais como a relação aluno por professor.

 

Em princípio, qual a diferença com a antiga matriz de distribuição de recursos de custeio? Mais um programa copiado e rebatizado! Entretanto, ao que tudo indica o atual governo não retomará a política de remuneração de professores em função de indicadores de desempenho. Isso significaria confrontar o interesse do corporativismo das bases de sua sustentação política.

 

 

* Paulo Renato Souza é Deputado Federal por São Paulo. Foi Ministro da Educação no governo FHC, Reitor da Unicamp e Secretário de Educação no Governo Montoro. E-mail: dep.paulorenatosouza@camara.gov.br ; site: www.paulorenatosouza.com.br.

 

 (Andifes)


Data: 30/01/2008