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Projeto de transposição das águas remonta ao Império

Em abril de 2005, o Ibama concedeu licença prévia para o início das obras

A transposição do São Francisco é um "sonho" que data do Império. Sob a gestão de Lula, novamente levantou-se a bandeira do desenvolvimento do Nordeste a partir das águas do rio para programas de irrigação e abastecimento humano.

Comandada pelo Ministério da Integração Nacional, a previsão oficial é usar 2% do volume total de água, com vazão mínima de 26 m3/s e máxima de 127 m3/s. São dois gigantescos canais construídos no coração do sertão. O eixo Norte liga Pernambuco ao Ceará; e o eixo Leste, cujo canal tem início em Floresta (PE), deve retirar água da barragem de Itaparica na Bahia e levar até a Paraíba.

Em abril de 2005, o Ibama concedeu licença prévia para o início das obras. Hoje, quase três anos depois, o cenário pouco mudou. O coordenador da Transposição no Ministério da Integração Nacional, Rômulo Macedo, afirma que respeita a reivindicação dos índios trucás para que o governo demarque as terras, mas não entende a insatisfação da tribo.

"Eles [os trucás] são os maiores beneficiados com a transposição. Na ilha de Assunção, onde moram, a pista era toda de barro e hoje está com estrada. Construímos casas que antes não existiam, há o projeto paralelo de revitalização da bacia hidrográfica pelo qual estão tendo saneamento básico, que sempre foi uma demanda antiga", enumera. "Se todas as tribos disserem que a terra é deles sem comprovação, então não vai sobrar mais nada no Brasil", ironiza.

O coordenador do escritório da Transposição em Monteiro (PB), Lusbene Cavalcanti Júnior, classifica como "impropérios" as argumentações contrárias à transposição. "Esse pessoal não sabe o que é beber água barrenta, amarela, não conhece a realidade do sertão."

Lusbene cita um dos pilares mais fortes de quem defende o projeto: a evaporação. "Sem a adução que a transposição irá trazer, o sol leva boa parte da água nos açudes, é uma maldade completa."

Para as lideranças da CPT (Comissão Pastoral da Terra) no Nordeste, o custo da transposição é um despejo de dinheiro público perigoso e desnecessário. Roberto Malvezzi, da CPT em Juazeiro (BA), diz ser perigoso porque os maiores beneficiados serão fazendeiros que lidam com fruticultura irrigada, carcinicultura (criação de crustáceos) e outras atividades com demanda de alto volume de água.

"O argumento de matar a sede é falacioso, mas conquista o público leigo pelo tom emotivo. Não somos contra o desenvolvimento econômico, como dizem os pró-transposição; mas é preciso estabelecer prioridades. Recursos públicos devem ser usados para benefício humano, não para um punhado de gente com grandes empreendimentos econômicos. Todo mundo sabe da existência da indústria da seca, é como se ganha voto no sertão, não vai mudar nada", contesta Malvezzi, ao contabilizar quase 500 alternativas viáveis elaboradas pela ANA (Agência Nacional das Águas), órgão do próprio governo, custando metade do valor calculado pela transposição para resolver o problema.

O diretor de engenharia e construção da Chesf (Companhia Hidroelétrica do São Francisco), José Ailton de Lima, explica que inicialmente o órgão foi contra as obras porque poderia perder volume de água para geração de energia nas hidrelétricas, mas hoje os técnicos entendem que a relação custo-benefício vale a pena.

"O melhor de todo o projeto é a geração de segurança hídrica para a região, pois antigamente acreditava-se que apenas açudes resolviam o problema, hoje o cenário é outro. Só o desperdício com a evaporação é maior do que todo o volume de água que a transposição pode tirar do rio. No Nordeste, essa perda (por evaporação) chega a 17% da água acumulada em açudes. Pior, hoje o governo não tem controle sobre as águas, tem açude público sendo controlado por aglomerados econômicos ou grupos de fazendeiros, sem fiscalização ou regularização alguma", afirma.

(Folha de SP, 26/12)


Data: 26/12/2007