A melhor educação do mundo
A Finlândia é 1.ª no ranking da maior avaliação internacional, a mesma em que o Brasil está nas últimas colocações
Brasil e Finlândia já eram extremos opostos e a educação os afastou ainda mais. Frio, rico e com só 5 milhões de habitantes, o país escandinavo se tornou nos últimos anos o maior sucesso educacional do mundo.
Foram sucessivos primeiros lugares na mais conceituada avaliação internacional para estudantes feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Pisa. Quente, pobre e com 35 vezes mais gente, o Brasil foi um dos últimos.
Os finlandeses aguardam sem muita ansiedade o resultado completo do Pisa de 2006, que será divulgado oficialmente na terça-feira. Uma prévia dada na semana passada pela OCDE já mostrou o país como o melhor colocado na prova de ciências, uma das quatro do exame.
Campeã das duas primeiras avaliações, em 2000 e 2003, a Finlândia deixou para trás colegas do continente como Alemanha, França, Suíça, e os orientais Coréia, Japão e China. O Pisa - cuja sigla em inglês vem de Programme for International Student Assessment - avalia adolescentes de 15 anos também em leitura e matemática. No último exame foram incluídas questões de uma área interdisciplinar: solução de problemas.
Educadores do mundo inteiro viajam ao norte da Europa em busca do segredo da Finlândia. Visitam escolas, conversam com professores, conhecem estudantes. O país chamou a atenção no mês passado (novembro) quando um estudante de uma escola perto de Helsinque matou oito pessoas, feriu dez e se suicidou.
Especialistas não vêem relação entre o massacre e o sistema educacional. Haveria, sim, uma disposição à depressão na população, principalmente por causa do inverno longo e rigoroso.
Na Finlândia, a educação é bancada pelo governo em todas as mais de 3.500 escolas de ensino fundamental, chamadas de algo como “escolas de compreensão”. As raras particulares também recebem dinheiro e não cobram mensalidades. Livros, transporte e refeições são gratuitos, independentemente da classe social.
A criança entra obrigatoriamente aos 7 anos na escola e sai aos 19. Só 5% não continuam os estudos e ficam longe das universidades, todas públicas também. No Brasil, nem 40% dos jovens cursam o ensino médio; e só cerca de 10% fazem o ensino superior.
“Somos um país pequeno, a educação para todos é quase um slogan aqui. E não tem motivo para não ser”, diz a responsável pelas relações internacionais do National Board of Education da Finlândia, Riitta Lampola. São 586.381 alunos no ensino fundamental finlandês ante 33 milhões no brasileiro.
O número de escolas no Brasil é 45 vezes maior. Mesmo assim, a Finlândia investe 6,1% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em ensino - enquanto no País, são 3,9%, um dos mais baixos índices do mundo. Os finlandeses são uns dos que mais gastam com o ensino médio: US$ 7.441 por aluno ante US$ 1.033 no Brasil. São justamente os estudantes desse nível de ensino que fazem o Pisa.
Romance no almoço
“Você fala sueco?”, pergunta Otto Seppänen, de 10 anos, enquanto almoça e lê um romance juvenil sobre um imigrante latino em Nova York, envolvido com gangues. Ele se vê cercado de estrangeiros curiosos. Otto estuda na escola pública Metsola, na periferia de Helsinque. Como todas do país, que é bilíngüe, tem aulas em finlandês e sueco.
A Finlândia foi parte da Suécia por 600 anos até ser conquistada pela Rússia em 1809. A independência veio há exatos 90 anos. Mas Otto conhece bem a geografia européia, quer saber mesmo onde fica o Brasil, o México. Apesar de ser hora do almoço, a refeição é feita na própria sala de aula, o professor projeta rapidamente o mapa mundi numa tela e Otto fica contente em ver a América Latina.
Os números mostram que nos três únicos países da região que participaram do Pisa 2003, Brasil, México e Uruguai, a maioria das crianças não consegue sequer fazer uma operação matemática simples, como interpretar uma tabela, somar colunas. Na Finlândia, mais de 80% dos alunos estão nos níveis mais altos de aprendizagem.
Em leitura, também quase todos os finlandeses entendem ambigüidades, formulam hipóteses, avaliam criticamente textos elaborados. No Brasil, só 25% têm as mesmas habilidades.
“É até covardia comparar os dois países', diz o educador da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Fernando Almeida, que visitou a Finlândia. “A educação lá é fruto de um conjunto de qualidades culturais, econômicas e políticas da sociedade”, completa. Na sua opinião, para o Brasil melhorar é preciso parar de culpar só a escola ou o professor. “Escrever e ler bem emergem de coisas como cultura, cidadania, preocupação com a curiosidade da criança”, diz.
Desde 1920, não há analfabetos na Finlândia. Nessa época, o Brasil tinha menos de 20% população nas escolas. Pesquisas mostram que os finlandeses compram, em média, 18 livros por ano. Entre os programas mais assistidos na TV estão apenas documentários e noticiários.
A programação estrangeira não é dublada e sim, legendada, para que as línguas se tornem familiares. E o professor ainda é um dos profissionais mais reconhecidos e admirados da sociedade - como um dia foi no Brasil.
A professora de inglês Eeva Sallamaa fica sem jeito em falar de salário. Revela que existem insatisfações, mas faz 20 anos que não há greves na educação no país. O governo informa que um professor em início de carreira ganha 2.500 (R$ 6.300), 25 vezes mais que o menor salário dado a um professor no Brasil.
As remunerações mais altas passam de 6 mil. Na Finlândia, para entrar numa sala de aula é preciso ter título de mestre. O pré-requisito não é cumprido nem pelas universidades brasileiras. Nas escolas do País, há professores que nem sequer cursaram o ensino superior.
É raro um aluno que repete de ano numa escola finlandesa - o sistema é a progressão continuada, tão criticada no Brasil. E o que fazer com as crianças que não aprendem? As que têm mais dificuldade recebem aulas especiais, respondem as professoras.
Mas todas acabam aprendendo, completam. “A população é homogênea, não há muitos imigrantes, pouca desigualdade social. O desempenho acaba sendo mais homogêneo também”, diz o educador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Eduardo Chaves. As notas nas escolas finlandesas incluem auto-avaliações dos alunos “Quando são muito pequenos, fazem desenhos para expressar o que aprenderam”, conta Eeva.
Acolhimento
“No Brasil, as pessoas reclamam que a escola não tem quadra coberta, laboratório. Não vi isso na Finlândia. O que há são salas de aula acolhedoras, em que os alunos se sentem bem”, resume a secretária de Educação de Natal, Justina Iva, que esteve no país. É comum escolas públicas finlandesas ganharem prêmios de arquitetura.
A Metsola tem salas amplas, muitas janelas, um projeto que se integra à natureza e até móveis de design consagrado. Nas classes, há sofás, instrumentos musicais, computador, livros e outros materiais, todos à mão.
De cabelos curtos e roxos, a jovem diretora da Metsola, Suvi Pylkkanen, explica que o calendário escolar é elaborado pelo professor. Ele determina os métodos pelos quais seus alunos aprenderão o currículo básico nacional. O professor decide até quantas horas cada criança deverá ficar na escola. O Ministério da Educação finlandês dá total autonomia aos municípios e às escolas.
“A confiança nos professores é enorme. A responsabilidade dada a eles é maior do que a média de todos países da OCDE”, afirma o diretor do Instituto de Pesquisas Educacionais da Universidade de Jyväskylä (norte de Helsinque), Jouni Välijärvi. No país campeão no Pisa, há avaliação sem competição. “Somos contra rankings de escolas”, explica Riitta. “Elas são muito diferentes para se dizer qual é melhor ou pior.”
(O Estado de SP, 2/12)
Data: 03/12/2007
|