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Fósseis provam que o Sertão já foi oceano

Ao desenterrar fósseis de ouriços, animais de água salgada, cientistas deixaram de lado qualquer dúvida existente sobre o fato de que o mar, há milhões de anos, invadiu o interior do Nordeste

Pesquisadores da Universidade Regional do Cariri (Urca) desenterraram fósseis de duas espécies de ouriços e comprovaram que o Sertão, sim, já foi um imenso mar.

"Se restava alguma dúvida sobre a inundação do oceano no interior do Nordeste, agora isso está enterrado", diz o geólogo Alexandre Feitosa Sales. É que os ouriços são animais aquáticos exclusivos de água salgada.

O Atlântico começou a banhar o Nordeste há cerca de 120 milhões de anos. Na região do Araripe, entre o Ceará, Pernambuco e Piauí, os fósseis marinhos foram datados em 110 milhões.

O mar entrou pelo caminho aberto no meio de um antigo continente, chamado gonduana, que estava se partindo ao meio. A separação deu origem à América e à África, além de criar o Atlântico Sul.

"Durante tempestades o mar depositava os organismos marinhos, que posteriormente eram fossilizados", descreve Sales, que realizou a pesquisa para o doutorado em geologia pela USP. O fenômeno ocorreu no período cretáceo, durante a era mesozóica.

Além dos ouriços-do-mar, chamados pelos especialistas de equinóides, a equipe de Sales se deparou com mais de cinco tipos de gastrópodes (búzios) e mais de 10 bivalves, moluscos formados por duas conchas.

O levantamento da Urca, realizado em 2005, foi uma das pesquisas apresentadas à Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco, na sigla em inglês) para a transformação da área num geoparque.

Geoparques são áreas que têm suas riquezas geológicas e paleontológicas reconhecidas pela Unesco. No mundo são 52.

O Araripe Geopark é o primeiro do tipo na América Latina. Tem cinco mil km² e envolve 16 municípios do Ceará. A sede é no Crato.

O pedido de reconhecimento da área como geoparque, pela Unesco, foi feito em junho de 2005, com o envio de uma proposta técnica. A equipe da Urca encaminhou o trabalho de Sales e dezenas de outros sobre a biodiversidade escondida sob as rochas da região.

Um ano depois, três consultores da organização visitaram o lugar. O reconhecimento do Araripe e de outros 11 geoparks ocorreu três meses depois, durante encontro da Rede Mundial de Geoparques da Unesco, em Belfast, na Irlanda do Norte.

São conhecidas mais de 30 espécies de peixe, pelo menos 23 tipos de pterossauros (répteis alados), três de dinossauros e 150 de insetos na Chapada do Araripe.

"Há ainda sapos, tartarugas, crocodilos, escorpiões, aranhas e invertebrados marinhos, como os equinóides", afirma Sales. "Mas acreditamos que isso é muito pouco, ainda, diante da diversidade fossilífera que a região guarda."

Um terço de todos os pterossauros descritos no planeta tiveram seus fósseis descobertos no local, que abriga mais de 20 ordens de insetos fossilizados, com idade estimada entre 70 e 120 milhões de anos.

Os fósseis se concentram na chamada Formação Santana, que se espalha por 250 km de extensão por 50 km de largura. A camada onde os animais e plantas petrificados são achados alcança 200 metros.

A implantação do Araripe Geopark inclui a sinalização de nove geotopes. Trata-se de locais onde os visitantes podem entender com mais facilidade a evolução geológica da região.

Outros 59 geotopes também foram catalogados, mas para pesquisas. "A instalação de placas em nove geotopes é só o começo. Com o tempo tudo será sinalizado", adianta Sales.

A proposta da Urca, que tem apoio do Governo do Ceará e prefeituras, é fazer do turismo científico uma instrumento de geração de renda na região.

"No lugar de comprar fósseis, que é uma atividade ilegal, o visitante agora pode contemplar a área e adquirir suvenires."


(Jornal do Commercio, Recife, 21/10)


Data: 22/10/2007