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47% dos professores até 4ª série não têm diploma universitário

Lei previa exigência de nível superior para ciclo básico a partir de 2008, mas especialistas divergem sobre validade de item da LDB. Para não haver dúvida, o Conselho Nacional de Educação proporá alteração no artigo que dispõe sobre a graduação dos docentes

 

Quase metade dos professores dos anos iniciais da educação básica não tem formação de nível superior no Brasil. Eles são responsáveis por uma das etapas mais importantes para a qualidade de toda a educação básica: a alfabetização. É também na primeira série do ensino fundamental que as taxas de repetência são mais elevadas.

 

Se fosse seguida à risca uma das determinações da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da Educação, esses profissionais teriam problemas para participar de concursos de admissão. A LDB previa que, a partir do ano que vem, não poderiam mais ser contratados docentes sem nível superior concluído.

 

No ano da aprovação da lei, em 1996, dados do Censo Escolar do MEC mostravam que só 20% dos professores de pré-escolas e do primeiro ciclo (que vai até a 4ª série) do ensino fundamental possuíam diploma de nível superior. Desde então, o percentual chegou a 53%, incluindo nessa conta também os docentes em creches.

 

Mesmo com o avanço, 658 mil professores de creches (destinadas à faixa etária de zero a 3 anos), pré-escolas (4 e 5 anos) ou dos primeiros anos do ensino fundamental (6 a 10 anos) continuavam dando aula apenas com a formação média.

 

A LDB instituiu em suas disposições transitórias o decênio de 1997 a 2007 como a década da educação e fixou, no artigo 87, que, ao final desse período, só seriam admitidos "professores habilitados em nível superior". Como já existia antes da lei a exigência de formação superior para professores a partir da quinta série -85% de 5ª a 8ª e 95% no ensino médio são graduados-, essa era claramente uma determinação voltada para docentes de creches, pré-escolas e para os que davam aulas até a quarta série.

 

Especialistas são unânimes em defender que a formação de nível superior deveria ser obrigatória para todos os professores. Mas eles se dividem no momento de interpretar se a exigência da LDB passa a valer a partir do ano que vem ou não.

 

A confusão ocorre porque a mesma LDB, no artigo 62, admite como formação mínima para o magistério na educação infantil (creches e pré-escolas) e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental a formação em nível médio.

 

Na interpretação de Juçara Vieira, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, e de Regina de Assis, ex-integrante do CNE (Conselho Nacional de Educação), ao final do prazo de dez anos dado pela LDB, passa a valer a admissão de professores apenas com nível superior.

 

Presidente da Câmara de Educação Básica do CNE, Clélia Craveiro diz que já há um estudo para alterar o artigo 62. "Temos que mexer urgentemente na lei para deixar claro que não há uma etapa mais e outra menos importante no ensino. Por enquanto, o entendimento do CNE é que o artigo em vigor é o 62 [que permite formação em nível médio]."

 

Premiada, Luciene diz que trabalho é, às vezes, tido como "menos importante"

 

Luciene Silva de Sousa, 28, não se contentou com a formação em nível médio e, nos últimos dez anos, conciliou seu trabalho de professora na educação infantil com o investimento em sua qualificação. Nesse período, formou-se em pedagogia, fez especialização em uso de tecnologias para a educação infantil e, finalmente, concluiu mestrado em políticas públicas com ênfase no uso da informática na educação infantil.

 

Tanto esforço rendeu frutos neste ano, quando ela recebeu do Ministério da Educação o Prêmio Professores do Brasil, que destacou 20 trabalhos de todo o país que contribuíram para melhorar a qualidade da educação no país.

 

Luciene conta que o conhecimento adquirido na universidade foi fundamental para o sucesso obtido pelo projeto Figurinhas da Infância, em que os alunos da Escola Estadual de Ensino Fundamental República, em Quintino (zona oeste do Rio de Janeiro), são incentivados a colecionar e trocar figurinhas cujos personagens retratados são as próprias crianças.


Ela afirma, no entanto, que o trabalho do professor de séries iniciais é, muitas vezes, considerado menos importante do que o exercido pelos outros profissionais da área.

 

"Em quase todas as escolas que trabalhei, pude perceber que, quanto menor a idade dos alunos, menos valorizado é o trabalho do professor. Acho isso errado. O professor da creche precisa ser tão bem formado e valorizado quanto um do ensino médio. Há professores leigos que são excelentes e outros com nível superior que não são tão bons, mas, em geral, o que percebi, pela minha experiência, é que ter uma formação melhor ajuda muito no trabalho em sala de aula."

 

Qualificação precisa melhorar, dizem especialistas em ensino

 

Os especialistas em educação consultados pela Folha concordam que, independentemente da legalidade ou não da exigência de nível superior para docentes dos primeiros anos do ciclo, é preciso melhorar a qualificação dos professores que dão aulas em pré-escolas, creches e até a quarta série.

 

"Na maioria das carreiras, há exigência de nível superior. O mesmo tem que acontecer com os professores. Um recém-saído do ensino médio ainda é muito jovem para se responsabilizar pela educação dessas crianças. No entanto, em muitas escolas, são esses os escalados para assumir as turmas de primeira série [onde ocorre a alfabetização]", diz Artur Costa Neto, do Conselho Municipal de Educação de São Paulo.

 

"É inegável a necessidade de ter professores mais qualificados. A formação mínima para toda a educação básica tem que ser de nível superior", afirma Clélia Craveiro, do CNE.


Juçara Vieira, presidente da CNTE, defende também que o professor dos anos iniciais tenha salários compatíveis com os do ensino médio.

 

"É por isso que estamos trabalhando para a aprovação de um piso nacional do magistério que valorize esse profissional. Para nós, só existem dois níveis de educação: o básico [que inclui as creches e pré-escolas, todo o ensino fundamental e o nível médio] e o superior", afirma Juçara.

 

Para Regina de Assis, que hoje preside a MultiRio (Empresa Municipal de Multimeios da Prefeitura do Rio de Janeiro), o Brasil deve seguir o exemplo de países mais desenvolvidos e dar mais importância à formação dos professores que trabalham nos primeiros anos da educação básica.

 

"A mídia, por exemplo, é hoje um poderoso instrumento que ajuda a educar ou a deseducar. Os professores precisam estar preparados para lidar com essas questões, que a cada dia são mais complexas".

 

(Folha de São Paulo, 22/10)


Data: 22/10/2007