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ONGs propõem zerar desmate em 7 anos

Frear destruição da Amazônia, que coloca o Brasil entre os 5 maiores poluidores do mundo, exigiria R$ 1 bilhão ao ano. Pacto apresentado ontem é o 1º a estabelecer meta de contenção da fronteira agropecuária, e tem apoio até do governador de MT

O desmatamento na Amazônia pode ser zerado em sete anos se o governo federal redefinir suas políticas para a região e colocar R$ 1 bilhão por ano num fundo destinado a compensar financeiramente os produtores rurais que abrirem mão de cortar árvores. A proposta foi feita ontem em Brasília por um grupo de nove organizações ambientais e tem a adesão de três governadores amazônicos.

Batizado de Pacto pela Valorização da Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Amazônia, o plano estabelece, pela primeira vez, metas de redução da expansão da fronteira agrícola: o ritmo de desmatamento seria cortado 25% no primeiro ano, 25% no segundo, 30% no terceiro ano e assim por diante até os 100%, a partir da taxa atual, de 14.000 km2.

O raciocínio é que a agricultura brasileira pode se manter competitiva só com as terras que já foram desmatadas -cerca de 600.000 km2- e que o desmatamento é um mau negócio em termos de produtividade e também de estratégia: as 200 milhões de toneladas de carbono emitidas anualmente pelo corte raso na Amazônia agravam o aquecimento global e colocam o Brasil na posição de quarto maior poluidor.

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, nas Nações Unidas, que o Brasil está produzindo um plano nacional de combate à mudança climática. "O objetivo é que o pacto contribua para que o Brasil possa ter um plano", disse à Folha Paulo Adário, do Greenpeace. "Estamos vivendo um momento na Amazônia que permite ousadias desse tipo. Se não agirmos agora, podemos perder esse momento."

Adário se refere à queda na taxa de desmatamento em 2005, 2006 e provavelmente 2007; e, principalmente, ao debate sobre aquecimento global influenciado pela publicação do último relatório do IPCC (o painel de climatologistas das Nações Unidas), neste ano. Ao lado de Adário, ontem na Câmara dos Deputados, estava Blairo Maggi -um dos maiores sojicultores do mundo, que o Greenpeace chamava de "estuprador da floresta".

"Eu sei que, algum tempo atrás, a figura do governador Blairo Maggi era ligada ao desmatamento; eu já fui dado como um Nero da Amazônia. Mas sempre tive a consciência tranqüila e sou parceiro deste movimento." Ele disse que vai assinar o pacto e pediu ajuda da União para aumentar o número de fiscais no seu Estado. Também presentes estavam o governador do Amapá, Waldez Góes, e o secretário do Meio Ambiente do Amazonas, Virgílio Viana.

Cide ambiental

A proposta das ONGs se baseia em um estudo encomendado a uma equipe independente de economistas, que propõe a criação de um Fundo Amazônico de Governança. O fundo seria usado para compensar produtores rurais que mantiverem a floresta em pé, por exemplo. "Se um produtor tem o direito de desmatar 20% de sua propriedade e só desmata 5% ele poderia se candidatar a receber recursos desse fundo", explica Paulo Barreto, do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).

O projeto prevê que 70% do dinheiro -ou R$ 700 milhões por ano- venha do Orçamento da União. A contribuição dos Estados da Amazônia Legal também aumentaria, com a criação de uma Cide ambiental (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico Ambiental) -tributo que incidiria sobre atividades que prejudicam o ambiente, como o agronegócio e a indústria madeireira- e com o comprometimento de um ponto percentual a mais do ICMS para a redução do desmatamento.

A proposta prevê também recursos privados para atingir o montante de R$ 7 bilhões. Eles viriam, principalmente, do mercado de carbono: o IPCC considera a redução do desmatamento uma solução barata para a crise do clima e países ricos poderiam pagar para que países com florestas reduzissem seu desmatamento. O governo brasileiro propôs criar um pagamento voluntário pelo carbono que deixa de ser emitido por essa redução.

O BNDES entraria com a estruturação de um fundo de doações, nacionais e internacionais, e de um que antecipe a receita de créditos de carbono. Segundo o presidente do banco, Luciano Coutinho, uma das áreas em que o órgão poderá atuar é no incentivo a atividades econômicas que se sobreponham a atividades que desmatam a floresta.

A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) se comprometeu a analisar o projeto. Porém, mostrou-se reticente em relação ao estabelecimento de metas anuais de desmate.


(Folha de SP, 4/10)


Data: 04/10/2007