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Opinião - Che Guevara: cinema e imagem - Parte 1

Opinião - Che Guevara: cinema e imagem - Parte 1

Por Wagner Braga

 

No documentário “Che Guevara: 30 anni dopo”(Giorgio Mari, 1997, 73 min), Eduardo Galeano é interpelado sobre possíveis equívocos da estratégia política de Ernesto Guevara. O escritor assinala que não teria condições de fazer tal análise, salientando que a maior virtude de Guevara também foi seu grande pecado. Sugere que Guevara tornou-se refém de sua coerência, do compromisso histórico de lutar pela emancipação dos povos oprimidos. Sob esse prisma, pode ser visto como um excepcional caso de integridade que contrariou a lógica prevalecente na América Latina: um homem que resguardou a sintonia entre teoria e prática. Galeano enfatiza a coerência de Guevara ao jamais separar suas palavras de ações efetivas, sua incessante tentativa de concretizar seus ideais, procurando superar sem hesitação, mesmo em condições adversas, os terríveis desafios impostos pela realidade.

 

Em tempo de exacerbação do individualismo, a imagem de Guevara surge como antítese da compulsão por interesses e vantagens privadas. Desponta como um emblema de desprendimento, de solidariedade e de coletivismo. Configura a decisão de um ministro de estado que abdicou do bem estar pelo sofrimento, que deu conseqüência prática ao pensamento: “que importam os perigos e sacrifícios de um homem ou de um povo, quando está em jogo o destino da humanidade”. A imagem de Guevara transparece a negação de valores e de praticas restritivas, tão marcantes na ideologia, na cultura e na educação na atualidade.

 

Essa imagem, tão difundida e tão denegrida, causa ânimo e desconforto. Sensibiliza os que têm esperança em um projeto social mais equânime, desestabiliza os próceres da barbárie, que apostam no recrudescimento da injustiça e das desigualdades.

 

Sem sombra de dúvidas, a imagem de Guevara remete a posturas bastante distintas. Apesar de sua vulgarização pelo marketing, não perdeu a carga de virulência. É um ícone dos movimentos sociais, da crítica ao capitalismo.

 

Guevara está presente em duas fotos mais vistas no mundo. A exposição de seu cadáver, na pequena lavanderia em Vallegrande, Bolívia,(Freddy Alborta, 1967), e na foto de Alberto Korda, em Havana. A foto de Alberto Korda, foi batida numa tarde cinzenta e fria, incomum em Cuba. É um corte de fotograma retratando a expressão indignada de Che, situado em segundo plano num palanque tendo ao fundo palmeiras. Foi obtida durante manifestação de protesto contra atentado terrorista realizado em Havana, em março de 1960. O relato da obtenção dessa imagem síntese está documentado em “Una foto recorre el mundo”, (Pedro Chaskel, IAC, 2000, 12 min), Pode ser lido em entrevista “Alberto Korda desvenda Che”, na Revista Íris, edição 507, em 1997.

 

Essa imagem tem sido explorada de diferentes modos. Por meio de artifícios publicitários para  comercialização de produtos frugais e como síntese de um ideário político. Estampada em bandeiras, estandartes, faixas, muros, cartazes, panfletos, mobiliza contingentes populacionais em todo o mundo. Incorporada por correntes de diferentes convicções como expressão de dignidade, abnegação e desprendimento. Deixa patente a admiração pelo Che, por personalidades polêmicas, a exemplo de Mike Tysson e de Maradona, sem identidade com as lutas, que a tatuaram em seu corpo. A vida de Guevara também foi retratada pelo cinema.

 

O cinema tem focalizado de diferentes modos a vida de Guevara. Filmes de ficção ou documentais, oscilam entre abordagens extremamente mistificadoras e venais. Ora, apresentam Guevara como um mito, ora procuram desfigurar sua trajetória política. Neste segundo caso, duas versões são exemplares, o filme de Richard Fleischer, “Che; uma causa perdida” (que será exibido brevemente por rede de TV a cabo) e “Guevara: Anatomia de un mito”, (Luis Guardia, 2005, 72 min), documentário como tantos outros voltados à desfiguração da imagem de Guevara, foi produzido pelo Instituto de la Memória Histórica Cubana contra el Totalitarismo, entidade sediada em Miami. O primeiro, realizado dois anos após sua morte, procurou capitalizar pulsões da juventude e distorcer o significado da luta de Guevara. Sua exibição gerou reações controversas. Em alguns países foi censurado graças à presunção de que a simples divulgação da imagem de Guevara poderia ter desdobramentos imprevistos, suscitar reflexões, resgatar sua luta e provocar convulsões sociais. Em outros, cinemas foram depredados por simpatizantes de sua causa, repudiando a  vergonhosa desfiguração do personagem. Em 1968, também foi filmado “El che Guevara”, dirigido por Paolo Heusch, na Espanha.

 

Hoje, há algumas dezenas de filmes centrados na imagem de Che. Desde, “O diário da motocicleta” de Walter Salles, 2004, recuperando o processo de formação de sua consciência política no percurso de viagem pela América Latina, em 1953, ao documentário sueco, “Sacrificio: Who betrayed Che Guevara?” (Erik Gandini e Tarik Saleh, 2001), que gira em torno de Ciro Bustos, argentino acusado de ter informado, sob tortura, a presença de Che na Bolívia. Entre os filmes eminentemente documentais, arrolamos entre outros: “Che” (Maurice Dugowson, 1997, 95 min); “Mi hijo el Che”, (Fernando Birri, 1985, 90 min); “Che Guevara”, (Ferrucio Valerio, 2004, 54 min); “Hasta la victoria siempre” ( Santiago Alvarez, 19 min); “Entre leyendas”, (Rebeca Chavez, 1988, 27 min); “4 de outubro de 1967”,(Rebeca Chavez, 1988, 27 min) e “Il camino del Che”, (Jean Cormier, 1997, 55 min)

 

Muitos desses filmes, pertencentes ao Instituto de Artes e Cinema de Cuba- IACC, estão sendo distribuídos comercialmente ou podem ser obtidos pela Internet.


Data: 02/10/2007