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Universidades com mais recursos. E maiores responsabilidades

Ex-secretário de Educação a Distância do Ministério da Educação (MEC), o físico Ronaldo Mota, 52 anos, assumiu em maio a Secretaria de Educação Superior do órgão em meio ao anúncio de um programa que promete revolucionar o ensino superior federal: o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). A meta do governo é investir R$2 bilhões no setor entre 2008 e 2011. "Nós queremos que as universidades repensem sua formação acadêmica, baseando-se nos modelos nacionais e internacionais. Isso, ao longo dos anos, significará que as instituições terão um orçamento que, em alguns itens, quase dobrará", explica.

 

Segundo o dirigente, propostas como a implantação de um banco de professores equivalente, que permitirá às instituições suprir a perda de funcionários de forma imediata, e a mobilidade estudantil vão dar uma cara contemporânea à universidade brasileira. "As universidades têm a obrigação de estarem acompanhando isso e desenvolvendo atividades pioneiras. Temos todos os elementos para garantir um futuro muito positivo para a educação superior", afirma Mota, que reconhece, porém, que a incapacidade para fechar cursos com baixo rendimento nos exames de avaliação é o calcanhar-de-aquiles do governo no setor. "Essa é a nossa grande deficiência e temos gastado boa parte do nosso tempo tentando corrigir isso", admite.

 

Em entrevista, o secretário fala sobre o impacto do Reuni no ensino superior nacional, o estado atual da Reforma Universitária e comenta declarações do ex-ministro da Educação, Cristovam Buarque, sobre a ineficiência da área educacional no país.

 

Qual a importância do Reuni para o ensino superior?

 

Ronaldo Mota - Certamente é o maior investimento que temos, nas últimas décadas, tendo por foco principal os cursos de graduação das universidades federais. Ele nasce para consolidar algo que já está em curso. O que temos hoje são experiências muito boas que ocorrem de formas isoladas em algumas instituições. Este programa vai permitir que nós tenhamos uma grande troca de experiências no país e estímulo para que as universidades que ainda não estão lidando com a reestruturação acadêmica possam fazer isso corretamente. Tudo vai ser feito de forma que a autonomia da universidade seja respeitada. Nada será feito de forma obrigatória, mas voluntária, e a definição do modelo adotado será realizada pela própria instituição. Nós queremos que as universidades repensem sua formação acadêmica, baseando-se nos modelos nacionais e internacionais. A Universidade Federal do ABC, por exemplo, já nasceu atuando desta forma. Ela é uma instituição reestruturada academicamente, num modelo que racionaliza a utilização dos seus docentes, permite itinerários acadêmicos inovadores, condizentes com o mundo moderno. Boa parte dos nossos cursos de graduação foram moldados há mais de meio século. Cumprem um papel importante mas precisam ser repensados, dado que vivemos uma dinâmica acentuada. A característica do que o mundo do trabalho tem exigido dos profissionais tem mudado rapidamente. As universidades têm a obrigação de acompanhar isso e desenvolver atividades pioneiras. A Federal do ABC é uma das experiências que estão em curso neste sentido no país.

As universidades vão discutir internamente suas próprias propostas e enviá-las ao MEC.

 

O processo de aprovação será automático?

 

Não há nada automático. As propostas serão analisadas do ponto de vista do mérito. Nós contamos com uma comissão altamente qualificada, que mostrou às universidades diretrizes nas quais as idéias devem ser baseadas. Elas devem atender a um conjunto de critérios e exigências e cada uma delas poderá apresentar as propostas no seu tempo. Quando isso for apresentado elas poderão dispor de até 20% do seu orçamento global para custeio, investimento e pessoal. Agora a aprovação se dará através de uma avaliação por parte desta comissão. No final, este montante ainda deverá ultrapassar os 20%, que devem ser direcionados exclusivamente para investimento. E vale ressaltar que estes recursos também não serão utilizados para pagamento de aposentados. Tudo aquilo que envolver pessoal, custeio, não temos como somar gradativamente ao longo dos anos. Então, por isso, estes recursos devem ultrapassar os 20%. Isso, ao longo dos anos, significará que as instituições terão um orçamento que, em alguns itens, quase dobrará. O custeio das universidades federais, em 2003, correspondia a algo em torno de R$350 milhões para as mais de 50 instituições. Nós estamos chegando este ano a R$1,2 bilhão. Ao final do Reuni, este valor ultrapassará os R$2 bilhões. Em uma década é bastante possível que nós passemos de R$350 milhões para R$2 bilhões. Isso é importante porque as instituições federais estão longe de serem improdutivas, pelo contrário. O que podemos garantir é que elas não estão sendo utilizadas em seu máximo potencial, por falta de investimentos e de uma política de longo prazo. O Reuni permite os dois. O potencial destas instituições pode ser maximizado e este é o espírito do Reuni. Todo este investimento está sendo feito porque os dados comprovam que, no Brasil, temos um conjunto de jovens talentosos que só não estão no ensino superior por limitação de oferta de vagas públicas. Além disso, nós temos a questão da territorialidade. Esta expansão está sendo realizada em direção ao interior. Não adianta para o país termos boas instituições apenas nos grandes centros urbanos. Nós precisamos atingir regiões mais remotas.

 

Como vai funcionar a autonomia administrativa que permitirá aos reitores contratar professores sem a autorização do governo?

 

O irmão gêmeo do Reuni é o banco de docentes equivalente. Ele é um grande avanço do ponto de vista da gestão. Na verdade, este modelo poderá ser estendido a outros setores da administração pública. Significa dizer que a universidade, no gozo de sua autonomia, poderá determinar o que é o contingente máximo de professores que a instituição tem. Ocorrendo uma aposentadoria, hoje o processo é muito longo para repor esta perda. Agora, vai se definir o universo de professores que estão associados a uma universidade. Havendo uma vacância, no dia seguinte o reitor poderá contratar um professor substituto durante o período em que realiza, com tranqüilidade, um concurso público. Este banco também poderá crescer em 20% ao longo do processo do Reuni e cada substituto que as universidades têm hoje gerou um professor equivalente. Este banco já foi formado através de uma portaria interministerial, do MEC e do Ministério do Planejamento. Hoje, as universidades já sabem o seu número de professores equivalentes correspondentes. O setor público só tem modelos semelhantes de gestão na Advocacia-Geral da União e no Ministério das Relações Exteriores. Desta maneira, o papel do professor universitário das instituições federais está definitivamente listado como uma função de Estado.

 

Qual a importância da adoção da mobilidade estudantil, que vai permitir que os alunos possam mudar de instituição aproveitando créditos e disciplinas?

 

Cada universidade vai pensar o seu modelo. Mas não é o fato de que ela tenha autonomia para pensar que vai fazer com que ela pense sem ouvir as demais. Embora queiramos uma diversidade do sistema isso não significa que as instituições não vão dialogar entre si. É importante a troca de experiência e o diálogo, porque será possível que o estudante possa cumprir créditos em outra instituição. A mobilidade estudantil e de docentes é um ingrediente presente nas melhores experiências do mundo. Existe um programa na Europa, o Erasmus, que atinge dois milhões de alunos europeus que estão transitando em outras universidades. Eles diagnosticaram que isso é muito importante na atividade acadêmica de qualquer profissional. O conhecimento do novo, ter vivido em outro lugar e o processo de adaptação são elementos contemporâneos. O bom profissional deve estar preparado para enfrentar novos desafios - e esse é o espírito da mobilidade. Nós estamos criando o Sistema Brasileiro de Transferência de Créditos, que será a maneira de você estimular isso. Eu tenho confiança de que este sistema poderá se expandir para o restante do país. Nós não podemos chegar atrasados nisso e acho que, pelo contrário, o país será pioneiro neste tipo de experiência.

 

A educação a distância pode se tornar uma saída, apesar do receio quanto à qualidade deste tipo de ensino?

 

É normal que haja preconceito contra qualquer atividade inovadora, mas precisamos tratar preconceitos nos baseando em indicadores. E nós já temos indicadores, através dos programas de avaliação, que mostram que a educação a distância não deixa nada a dever à presencial. O Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), na sua última versão, já tratou alunos presenciais e a distância. As áreas examinadas não apontam diferença perceptível ou apontam ligeira vantagem para os alunos da educação a distância. E isso ressaltando o fato de que, no país, a educação a distância tem sido implementada com um marco regulatório que ainda demanda aprimoramento. O grande mérito da educação a distância é o papel transformador que ela está tendo na presencial. O fato de você ter na mesma instituição as duas modalidades, vai gerar transformações definitivas na presencial. O país caminha em direção a uma educação flexível, que incorporará os bons elementos da educação presencial com as ferramentas indispensáveis da educação a distância. A educação a distância faz uso positivo dos bons elementos da presencial e vice-versa. No futuro, o aluno, ao fazer a matrícula, terá ao seu dispor parte das disciplinas de forma presencial e parte a distância. A partir das suas características e do seu momento, ele selecionará disciplinas presenciais e a distância. Isso é muito interessante e é bom saber que o país está na fronteira destas duas áreas e temos todos os elementos para garantir um futuro muito positivo para a educação superior.

 

Algumas das medidas anunciadas no Reuni estão na Reforma Universitária, que aguarda votação no Congresso Nacional. O fato de o governo ter retirado o pedido de urgência para a votação da proposta significa que desistiu da sua aprovação?

 

Eu sei que tem uma corrente que acha que já que a reforma não passa no Congresso, pode ser implantada em partes e isso não é correto. O contrário sim. O processo de discussão da reforma foi tão profundo que impregnou um conjunto de ações decorrentes. A proposta do professor equivalente, por exemplo, foi discutida dentro do governo na época da reforma e não foi aprovada internamente. Posteriormente, nós conseguimos chegar a um acordo sobre a questão. Portanto, o debate da reforma foi muito profícuo, gerou um conjunto de iniciativas da comunidade que agora estão sendo normatizadas. Quanto ao Congresso, o governo fez o seupapel de formular uma proposta e solicitar urgência na sua votação. A pedido das associações de alunos e professores, o governo retirou o regime de urgência. A conseqüência disso é que agora não cabe ao Executivo ir além do limite para apressar o processo de discussão. Nós temos pressa e gostaríamos que o projeto fosse discutido logo, mas precisamos aguardar o Congresso.

Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, o ex-ministro da Educação, senador Cristovam Buarque (PDT-DF), acusou o governo de privilegiar o ensino superior e disse que a área educacional não é prioritária no país.

 

Qual é a sua opinião sobre essas questões?

 

O MEC atual se caracteriza por defender uma visão sistêmica, que vê a educação como um todo. Claramente, nós temos um problema grave na educação básica e no ensino médio. O fato de diagnosticarmos isso não significa que seja só esse o foco. Uma parte principal deste problema é a formação de professores e nós os formamos no ensino superior. Portanto, a melhoria da educação básica está relacionada a investimentos no ensino superior. Um dos elementos para melhorarmos a educação superior no país é melhorando o nível dos alunos que chegam à universidade. Isso implica melhorar a educação básica. Qualquer visão que desconecte as modalidades de ensino causa um prejuízo grande para se entender a educação como um todo. Já em relação à prioridade, existem várias maneiras de se entender o tema. Uma delas é medir a quantidade de recursos que se investe. Não há nenhum estudioso atento da educação que não confirme que estamos vivendo o melhor momento de todas as décadas próximas na área educacional, porque nunca se investiu tanto. É verdade que a participação da educação no Produto Interno Bruto, apesar de estar em crescimento, ainda não é a ideal para o que o país pretende. Ela é insuficiente, mas é mais do que havia no passado.

 

Porque os técnicos-administrativos das universidades, parados há mais de dois meses, ainda não voltaram ao trabalho?

 

Dos vários setores do Poder Executivo, a carreira que pior remunera os seus trabalhadores é a dos técnicos das federais, que forma um contingente muito grande, cerca de 150 mil. Portanto, a reivindicação é justa e a greve uma decisão autônoma, que tem trazido prejuízos. Mas é importante ressaltar que o Ministério do Planejamento e o MEC abriram mesas de negociações com um cronograma que previa que até meados de agosto seriam apresentadas propostas, que estão sendo analisadas pela categoria. Nós sabemos que as propostas não atendem totalmente os anseios, mas contemplam boa parte dos pedidos. E temos expectativa de que, eventualmente, possamos ter um final para a greve. Da mesma forma, há uma mesa de negociações com os professores das universidades federais, com reuniões marcadas e propostas a serem apresentadas. A educação precisa de mais recursos, mas precisamos guiar estes movimentos de uma forma que não prejudique a questão de podermos ter uma educação de qualidade.

 

Quais são hoje as principais carências do ensino superior?

 

A educação tem que cumprir o seu papel. Não há exemplo de país desenvolvido que tenha crescido sem ter investido em educação. A partir dela, você gera melhores condições dos profissionais que atuam em todas as áreas, gera tecnologia, deixando o país mais competitivo. A partir dela você melhora a vida da população. Para que isso aconteça, precisamos ter uma visão sistêmica e, em especial na educação superior, precisamos de uma política consistente de ampliação da oferta de vagas e de garantia de qualidade. Nós esperamos que, através do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior, possamos garantir cada vez mais qualidade para o setor e realizar um processo de inclusão social das camadas mais pobres. Um país só se transforma em nação a partir de vários ingredientes. E um deles é que a educação possa chegar aos seus diferentes pontos.

 

O senhor concorda que hoje a principal dificuldade do MEC é o fechamento dos cursos mal avaliados pelo Sinaes?

 

Integralmente. Se eu pudesse apontar nossa maior fragilidade eu diria que é a nossa incapacidade de, a partir do processo avaliativo, gerar um processo regulatório. Não é somente identificar que alguns cursos tenham deficiências. Nós precisamos aprimorar nossa capacidade de, a partir disso, ter uma ação concreta que gere melhorias. E, no limite, se não gerar, que proceda ao fechamento de um curso ou de uma instituição. Essa é nossa grande deficiência e temos gastado boa parte do nosso tempo no MEC tentando corrigir isso.

 

 

(Folha Dirigida,  21/08/2007  - Bruno Vaz)


Data: 22/08/2007