Características corporais são mais valorizadas pelos gays, afirma orientador

Simulações que aproximam as pessoas mesmo em consideráveis distâncias geográficas são cenários de um mundo onde o corpo é apenas uma informação. Partindo desse pressuposto, analisar as estratégias de manipulação de impressões e de construção de identidades através de descrição de características corporais e outras relativas à identidade pessoal dos internautas é a que se propõe projeto de pesquisa em andamento no mestrado em Ciências Sociais da UFCG.

A idéia do trabalho surgiu da observação de que elementos como o corpo também viraram informação, passaram a ser dados de relativa importância nas relações interpessoais que são criadas, radicalizadas ou procuradas pela internet. Segundo o mestrando Francis Bezerra, já nos estudos preliminares se pode perceber que a descrição do corpo e de outras características pessoais é valorizada ou diminuída em sua riqueza de detalhes para agradar ao outro, àquele a quem se procura envolver ou com quem se quer compartilhar informações ou experiências – muitas delas, resumindo-se simplesmente ao contato on line, na internet. 

O trabalho chama atenção também para o fato de que grande parte das novas relações de amizade tem seu início ou tomam maior dimensão a partir do mundo virtual. Francis disse ter observado em contato com outras pesquisas, a exemplo de uma realizada no Rio Grande do Sul, que a internet promoveu um novo sistema de coesão das amizades. “Onde as afinidades são estabelecidas, em primeira instância, nas salas de bate-papos”. 

A construção de grupos de amigos, seguindo a lógica do trabalho, vem se tornando mais freqüente no universo da rede mundial de computadores. Salas específicas por cidade, idade, sexualidade e interesses são pontos de encontro que vêm substituindo em escala crescente bares, praças, pátios de escolas e outros lugares públicos tidos como de encantos. Daí, o que se aproximava por olhares e outras expressões vem sendo conquistado por definições e representações textuais.

 Mídia

A influência da mídia é preponderante, pois, além de consumir, os usuários da internet também produzem informações. E no que se refere ao corpo, a sua representação, Francis aponta que elas são baseadas nas imagens do que se difunde como perfeito. “Ele é definido a fim de atender exigências tanto de interesses referentes ao belo culturalmente definido e idealizado, quanto à sexualidade funcional”, reforçou, ao comentar que as descrições não são feitas apenas a partir da própria realidade, seguindo muitas vezes os modelos de beleza midiáticos.

Nessa busca de atender à expectativa do interlocutor, preenchendo satisfatoriamente um questionário primário de apresentações, que se transformam muitas vezes em representações, o usuário das salas de bate-papo podem viver a experiência de ser o autor e ator de uma outra estória sua.

Além da problemática da informação sobre o corpo, do corpo-informação, a pesquisa também reflete, num espelho mágico de indagações, distâncias abertas pelo desligamento do mundo real, antes percebido no mundo da religião e no universo da arte. “A diferença é que virtualmente as pessoas conduzem suas ações, guiam sua trajetória, e são levadas ao exercício da experiência. Pois, um fato a contra-gosto pode ser recriado”, explicou o mestrando, ao comparar as desilusões causadas nesses processos. “Não bateram as afinidade, os cacos ficam por lá”, comentou.

Essa possibilidade de recomeçar, sem o desgaste das desilusões e desapontamentos, seguindo o raciocínio do autor da pesquisa, pode proporcionar sobrevidas às tentativas de encantos e encontros que atendam às necessidades de um corpo em constante mutação virtual, procurando se encaixar em demandas indicadas pelos lugares sociais dos interlocutores, o que abre infinitas possibilidades de moldagem das informações, as quais vão aludir a realidades nem sempre efetivas, mas invariavelmente desejadas.

A pesquisa

Iniciada em março deste ano, a pesquisa sobre Identidades, corporalidade e interações sociais na internet está em fase de revisão da bibliografia e de levantamento de dados em salas de bate-papo.  Segundo o professor-doutor Lemuel Guerra, orientador do mestrando, a amostra de usuários da internet tem sido realizada a partir da seleção por gênero, idade e orientação sexual (no caso das autorizadas). “Recorremos também à observação participante, onde o pesquisador entra na sala e atua como indivíduo comum”, explicou.

As observações são feitas em vários horários, inclusive para verificar como o tempo se relaciona com os conteúdos das falas, os freqüentadores e outras variantes que, segundo Lemuel, vão das referentes à localização sócio-demográfica à reação e significados dos contatos on line. Ele salientou que, nas observações, a análise fica restrita ao que os participantes colocam fora do “reservado” (Nos bate-papos, há a possibilidade de se reservar o diálogo entre os interlocutores).

 Perguntado sobre o que se pode deduzir com os dados até então coletados, Lemuel apontou que uma hipótese já se configura como bastante comprovada, a de que a orientação sexual dos indivíduos se relaciona com níveis diferentes de pressão em relação às variáveis da construção da corporalidade e da identidade corporal, isto é, “os indivíduos homossexuais tendem a valorizar, mais do que os heterossexuais, dados tais como os referidos à relação peso – altura, à idade, à presença ou ausência de pêlos no corpo, dentre outras; sendo entre os gays, mais rapidamente solicitadas e aparentemente mais  definidoras dos níveis de decepção e de satisfação, do que entre os não-gays”.

As questões que demandam informações corporais no espaço on line  costumam definir os rumos da interação entre os indivíduos, podendo significar o interesse por mais ou menos intimidade (checagem de informações) o que dará continuidade ou ruptura do contato. “É claro que tudo ainda é muito provisório, mas vale a pena antecipar as prováveis cenas dos próximos capítulos”, instigou Lemuel.

(Marinilson Braga e Kennyo Alex – Ascom/UFCG)