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Projetos ainda ignoram efeito estufa, diz Carlos Nobre

Por exemplo, o projeto de transposição do rio São Francisco, orçado em mais de R$ 6 bilhões, não leva em conta os cenários desenhados para as mudanças do clima no século

 

O aquecimento global e seus efeitos ainda não entraram no planejamento de longo prazo da infra-estrutura no Brasil, o que pode encurtar a vida útil dos empreendimentos e levar até mesmo ao desperdício de recursos financeiros.

 

Por enquanto, os estudos de impacto ambiental (EIA-Rimas) costumam ignorar as mudanças climáticas no século XXI, como prolongamento das secas e alterações no regime hidrológico.

 

A constatação é de Carlos Nobre (foto), pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos maiores especialistas brasileiros no assunto.

 

Nobre cita pelo menos três áreas em que esse tipo de preocupação deve ser considerada: recuperação e restauração de rodovias, construção de usinas hidrelétricas e navegabilidade das hidrovias.

 

Lembra ainda que o projeto de transposição do rio São Francisco, orçado em mais de R$ 6 bilhões, não leva em conta os vários cenários desenhados para as mudanças do clima no século.

 

"Um projeto que fala de água no São Francisco, necessidades hídricas do semi-árido e é permanente, teoricamente continuando a existir daqui a 200 anos, é muito importante ter a consideração de que o clima está mudando", afirmou Nobre, após palestra a técnicos da Defesa Civil no Ministério da Integração Nacional.

 

Ele diz já ter levado essa preocupação a agentes do setor elétrico, por exemplo, mas há bastante ceticismo em embutir os efeitos do aquecimento global no planejamento de grandes obras, porque, se ninguém mais pode negar que haverá conseqüências, ainda há muita incerteza sobre o grau de intensidade delas.

 

Nobre alerta para a necessidade de mudanças em processos de engenharia.

 

"Será que a malha rodoviária brasileira foi projetada para o clima atual e do futuro? Acho que não. Principalmente no Sul e no Sudeste, o aumento das chuvas tende a derrubar a qualidade das estradas."

 

"O planejamento da expansão da hidroeletricidade tem que começar a levar em consideração as mudanças climáticas, mesmo trabalhando com incertezas", diz Nobre. Ele lembra que cenários demonstram a diminuição de chuvas na Amazônia.

 

"O regime hidrológico já está mudando e vai mudar mais. Essa variável não entrou no planejamento de longo prazo."

 

Nobre explica que a diminuição da freqüência das chuvas deverá ocorrer juntamente com o aumento da força das precipitações, resultado do calor mais forte. Isso tende a elevar o assoreamento dos rios.

 

"Mesmo que o total anual (de precipitações) não mude, o assoreamento muda e há maior carregamento de sedimentos que vão parar no lago dos reservatórios."

 

No entanto, como os períodos de estiagem devem ser mais prolongados, poderá haver reflexos na capacidade de geração das usinas.

 

Por não conhecer em detalhes o projeto de construção das hidrelétricas do Madeira, Nobre prefere não fazer comentários taxativos sobre o empreendimento.

 

Segundo o Ministério de Minas e Energia, se as usinas do Madeira e de Belo Monte não forem construídas, a participação da hidreletricidade na matriz em 2016 cairia de 70% para 56%. Isso significa despejar na atmosfera 176 milhões de toneladas adicionais de gás carbônico.

 

Apesar dessas projeções, Nobre acha que todos os aspectos devem bem ser avaliados - inclusive o dos bagres. "Como ferrenho defensor da biodiversidade, vale a pena esperar um ou dois anos mais para impedir o desaparecimento de espécies? Acho que sim."


Data: 24/05/2007