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Solução para o clima acirra conflito entre ricos e pobres

IPCC define amanhã o quanto de gases do efeito estufa precisa ser cortado. Reduzir CO2 sai mais barato para países pobres, mas cota de culpa dos ricos é maior; diferença é solução, e não problema, diz pesquisador

À medida que o mundo se aproxima de um acordo eficaz para combater a mudança climática, o conflito político entre países ricos e pobres tende a se acentuar.

O IPCC, o agora célebre painel do clima das Nações Unidas, faz agora os ajustes finais na terceira e última parte de seu Quarto Relatório de avaliação, o AR4.

Nesta etapa, em que é debatida a mitigação do aquecimento global por meio da redução das emissões dos gases do efeito estufa, o confronto ficou mais evidente.

O sumário executivo do texto, que será apresentado na manhã de sexta (noite de hoje no Brasil) em Bancoc, é aguardado com ansiedade pelos governos.

Isso porque é ele que fixará os termos do combate às emissões de gases-estufa que precisa ser feito pelo acordo internacional que substituirá o Protocolo de Kyoto -que expira em 2012.

A contribuição do Grupo de Trabalho 3 do IPCC dirá quanto é preciso retirar de CO2 e outros gases do ar para evitar que o mundo mergulhe muito nos cenários trágicos -derretimento de geleiras, falta d'água, e eventos climáticos extremos-, em parte, inevitáveis.

Problema e solução

O fato de os países pobres deterem o maior potencial de redução de emissões é uma fonte de conflito, mas pode também ser parte da solução.

Mesmo sem adotar metas obrigatórias, eles poderiam colaborar oferecendo aos ricos seus baixos custos de implantação de novas tecnologias, mais limpas.

"Pode-se pensar num regime internacional no qual as reduções se façam mais em países em desenvolvimento. Assim teríamos países ricos fazendo reduções na China em vez de a China reduzir emissões", diz Roberto Schaeffer, da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele é um dos três brasileiros co-autores do Grupo 3 do IPCC.

Outra opção seria adotar metas de redução para classes média e alta de países como o Brasil, mas sem prejudicar a população pobre que não consome energia por falta de dinheiro.

O debate sobre como estabelecer responsabilidades e metas é intenso. Segundo Suzana Kahn Ribeiro, também professora da Coppe e uma das autoras principais do documento, até agora o IPCC já recebeu mais de mil comentários e observações dos diplomatas que acompanham a reunião em Bancoc, na Tailândia.

Eles vão desde exigências da China para que o texto expresse sempre as emissões per capita (os chineses são o segundo maior poluidor mundial, mas como o país é pobre, cada um de seus habitantes emite muitíssimo menos que um americano médio, por exemplo) até propostas para que se inclua vacinas especiais que diminuam o metano emitido pelo arroto das vacas como medida de combate ao efeito estufa.

Entre as principais ações capazes de mitigar as emissões de carbono mencionadas pelo IPCC estão as medidas de eficiência energética.

São estratégias -muitas vezes simples- para otimizar transportes (carros que bebem menos) e edificações (lâmpadas e eletrodomésticos econômicos). Muita coisa sai de graça, pois economizar energia poupa dinheiro.

"Em todos os setores da economia você pode fazer as coisas de forma mais eficiente", diz Schaeffer. Mas há limites para aproveitar esse potencial.

"O peso da energia no custo de alguns setores é baixo, e no setor residencial as pessoas não são movidas apenas por eficiência ou dinheiro. Há barreiras não-econômicas [como o design dos produtos] que ditam as escolhas dos consumidores."

Regulação intensa

Uma das medidas que o novo relatório do IPCC pode inspirar é a adoção obrigatória de índices mínimos de eficiência energética para eletrodomésticos.

"É claro que, numa segunda fase, você passa incorrer em custos positivos. E isso implica em sair de um cenário econômico totalmente liberal para um de regulação intensa", avalia Luiz Pinguelli Rosa, coordenador da Coppe e secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.

Daí a resistência que a delegação dos Estados Unidos já começou a impor à negociação em Bancoc desde o início da semana. Para os americanos, os cálculos de custo do texto do IPCC estão subestimados.

Corte de CO2 deve custar de 1% a 5% do PIB

Uma das más notícias do relatório é que uma estabilização do nível de CO2 na atmosfera em 450 partes por milhão, necessária para evitar um aquecimento superior a 2C em 2100, deve ter um custo alto para a economia mundial.

Apesar de já haver a tecnologia de mitigação necessária hoje, as emissões globais em relação a 1990 cresceram 24%, quando deveriam ter diminuído.

Isso coloca uma etiqueta de preço na meta ideal de estabilização bem acima do 1% do PIB mundial previsto pelo famoso Relatório Stern, do governo britânico. Está mais para 5%.

"É preciso entender a diferença entre o potencial técnico de mitigação -ou seja, o que é possível fazer mas é inviável economicamente-, o potencial econômico -o que é viável- e o potencial de mercado -o que já está aí e só não se faz de burrice", diz Roberto Schaeffer. É nesse potencial de mercado que está a boa notícia do IPCC.

Segundo a Folha adiantou em fevereiro, com base em um rascunho do relatório-síntese do AR4, os cientistas do IPCC já identificaram o potencial de cortar a emissão de 4,2 bilhões de toneladas de gás carbônico de graça ou com lucro, com a melhora da eficiência energética.

Isso dá quase um Kyoto (cujas reduções previstas são de 5 bilhões de toneladas).


Data: 03/05/2007